Aspectos psicológicos e comportamentais são hoje indissociáveis de economia e finanças. Teorias de plena racionalidade precisaram evoluir para incorporar conceitos comportamentais, dando origem inclusive a diversos prêmios Nobel em Economia. Alguns exemplos mais notórios são Daniel Kahneman (autor de “Rápido e Devagar: Duas Formas de Pensar”), Richard Thaler (pai do conceito de nudges) e Herbert Simon (considerado o pai da economia comportamental com o conceito de racionalidade limitada).
Em investimentos, não é nada diferente. Inclusive, seria impossível esgotar esse assunto neste artigo, por isso focarei em dois grandes vieses bastante comuns em todos nós e que podem impactar negativamente seus investimentos. Conhecê-los faz com que nossas chances de os detectar no dia a dia aumentem. Ao identificá-los, podemos evitá-los e, assim, optarmos por estratégias de investimento mais eficientes, que não escondem riscos desnecessários e, o que é pior, riscos que não geram absolutamente nenhum prêmio. Meu intuito com este artigo está posto: conheça esses dois inimigos da boa gestão e não os permita atrapalhar seus investimentos!
Estamos falando dos vieses comportamentais conhecidos como (i) excesso de confiança e (ii) otimismo exagerado. Eles são muitas vezes confundidos, embora tecnicamente diferentes, o que não os impede de muitas vezes aparecerem simultaneamente (o que é definitivamente o pior cenário). O excesso de confiança consiste na confiança exagerada de uma pessoa nos seus próprios julgamentos sobre tudo aquilo que ela acha que tem controle. Por sua vez, o otimismo exagerado é a tendência de superestimar a ocorrência de eventos favoráveis e/ou de subestimar a ocorrência de eventos desfavoráveis - eventos esses sobre os quais não temos total ou mesmo nenhum controle.
Quando você resolve correr diariamente e acredita que em duas semanas você conseguirá fazer 10 km em 40 minutos, essa é uma situação de excesso de confiança, pois você acredita que atingir essa meta depende apenas do seu empenho. Quando você aposta (e acredita) que o seu time de coração vencerá a maioria das partidas do campeonato brasileiro e se tornará o campeão, você está correndo o sério risco do otimismo exagerado, pois não há muito controle sobre a performance dos jogadores do seu time e você pode, ainda, estar subestimando a chance de outros 19 times terem desempenho superior ao do seu.
Poderíamos comprovar que a primeira situação descrita indica um excesso de confiança com dados indicando que a meta de 10 km em 40 minutos é batida por raríssimos corredores iniciantes. No segundo exemplo, o otimismo exagerado poderia ser comprovado pelo fato de que milhões de torcedores de diferentes times brasileiros acreditam, no início e decorrer do campeonato, que serão campeões brasileiros, em que pese apenas um time lograr esse êxito (por definição!).
Em 2019, publiquei um estudo científico no periódico acadêmico Latin American Business Review, em coautoria com Natália Dias, Marcos Ávila e Flávia Maranho. A amostra de pesquisa teve como respondentes gestores capacitados e empresários consolidados, ou seja, pessoas de bom nível intelectual e muita experiência de vida e de negócios. Dentre outros achados desse estudo, um foi bastante claro: ambos os grupos sofriam do viés de excesso de confiança. Como isso foi identificado? Na pesquisa, fizemos perguntas sem respostas fáceis, obviamente, para serem respondidas sem consulta, tais como: quantos afluentes principais tem o Rio Amazonas ou em qual ano Einstein obteve seu título de Ph.D. Valia chutar! Ao final do questionário, pedíamos para o respondente indicar o número mínimo de perguntas respondidas corretamente e zero era uma das opções. Os resultados foram incríveis: a absoluta maioria dos respondentes achou que tinha acertado mais do que, de fato, acertou. Esse artigo pode ser encontrado em minha homepage pessoal (carlosheitorcampani.com).
Em muitas situações, os vieses do excesso de confiança e do otimismo exagerado aparecem de forma quase que indissociável e isso apenas exacerba a importância de lidarmos efetivamente com esses inimigos ocultos que moram dentro do nosso âmago. Na hora de investir isso é muito importante porque, caso nos deixemos levar por esses vieses, podemos levar tombos memoráveis.
Por exemplo, se eu tenho “plena convicção” de que as ações da Petrobrás irão subir nas próximas semanas, em vez de comprar ações da companhia, comprarei calls (opções de compra), pois estas me permitem ganhos espetaculares capazes facilmente de dobrar ou triplicar o montante investido (e, às vezes, até mais). Não obstante, ninguém tem plena convicção de que uma determinada ação irá mesmo subir no curto prazo. Mesmo que os fundamentos apontem isso, eles podem levar muito mais tempo para se revelarem. E, se o preço de mercado é aquele, lembre-se sempre que isso é reflexo também de muitos investidores com premissas e perspectivas diferentes das suas, gerando um equilíbrio de convicções no mercado.
Um ponto que preciso deixar claro é que confiança e otimismo são fundamentais para qualquer pessoa ao investir e em muitas outras situações cotidianas. A confiança, quando fundamentada e consistente, pode distinguir o sucesso do fracasso da não tentativa. E o otimismo é muito bem-vindo sempre, mas ele deve ser cauteloso e salvaguardado. Quando falo dos dois vieses em tom de atenção, refiro-me à confiança e ao otimismo em excesso ao que a realidade nos permite. Essa distinção é muito importante.
Dessa forma, o que quero compartilhar é que devemos sempre ter uma reflexão analítica e crítica para jamais nos deixar levar pelos vieses do excesso de confiança e do otimismo exagerado para lugares distantes da realidade. E isso, claro, vale para a hora de você pensar e decidir suas estratégias de investimento. Pondere que diferentes visões de mercado sempre coexistirão e lembre-se de Nelson Rodrigues: “toda unanimidade é burra”.
Decerto, ponderar não significa necessariamente negar aquilo que acreditamos. Esse exercício poderá, da mesma forma, levá-lo a reconsiderar suas premissas ou a mantê-las. No primeiro caso, já terá valido a pena porque o erro foi percebido a tempo. E no segundo caso certamente também, pois o exercício o levará a mensurar melhor os riscos de sua estratégia, fazendo com que você monte uma carteira mais adequada e, o mais importante, considerando que a chance de dar errado existe de fato. E, então, você terá calculado melhor o risco!
Espero que tenham gostado. Escrevo sempre com muito carinho e responsabilidade. Caso queiram conhecer todo o conteúdo que produzo, convido a me acompanharem no Youtube, Instagram, Facebook (NASDAQ:META), LinkedIn e até no Spotify (NYSE:SPOT): @carlosheitorcampani. Um forte e respeitoso abraço a todos.
* Carlos Heitor Campani é PhD em Finanças, Certificado pelo CNPI e Pesquisador da ENS – Escola de Negócios e Seguros. Além disso, ele é Diretor Acadêmico da iluminus – Academia de Finanças e Sócio-Fundador da CHC Finance e da Four Capital. Campani pode ser encontrado em www.carlosheitorcampani.com e nas redes sociais: @carlosheitorcampani. Esta coluna sai a cada duas semanas, sempre na quinta-feira.