Empresas familiares são a base da economia mundial. Em todos os países onde o capitalismo é desenvolvido, sejam eles desenvolvidos ou em desenvolvimento, a base da pirâmide empresarial é a família empresária que desenvolve, prospera e estimula a economia das regiões em que vivem com seu negócio familiar. Isto vai desde aquela pequena loja de alimentos ou roupas tocada pelo pai, a mãe e os filhos até companhias grandes como o Grupo Gerdau (BVMF:GGBR4), o Banco Safra, o Grupo Votorantim, o Grupo Suzano (BVMF:SUZB3) e tantos outros ícones da economia brasileira. Se olharmos para os EUA, temos o exemplo da Koch Industries — o segundo maior conglomerado americano privado que até hoje é tocado pela família Koch.
No entanto, essas empresas passam por conflitos pois, afinal de contas, há uma série de variáveis que as desafiam no dia a dia a partir da relação família e empresa. Alguns desses desafios são¹: (1) estar atento em oferecer tratamento justo aos familiares que trabalham no negócio versus os que não trabalham; (2) decidir sobrea distribuição de propriedade entre membros da família que contribuem e os que não contribuem; (3) contratar pessoas de fora da família; (4) ter em mente a importância da separação entre relação familiar e profissional; (5) pensar no planejamento da sucessão; (6) coordenar, da melhor forma possível, disputas quanto à compensação por trabalho; (7) ter clareza da função de cada um dentro da empresa; e (8) a estar preparado para lidar com a chegada de cônjuges.
Ao longo de 25 anos de experiência como assessor da área de Fusões e Aquisições (M&A), essas questões andaram em paralelo a diversos de meus projetos de M&A, uma vez que meu foco tem sido quase majoritário em trabalhar com empresas de dono, ou seja, familiares.
Noto que gerenciar todas as situações listadas acima é um grande desafio para qualquer patriarca ou conjunto de fundadores. Afinal, lidar conosco, seres humanos, nunca será trivial. Há necessidade de muita sensibilidade, paciência, compreensão e escuta. Enfim, é uma verdadeira arte.
Já assisti alguns casos interessantes que, obviamente, guardam relação com os desafios listados acima. Em uma ocasião, o conflito vinha do fato de que todos os membros da família eram remunerados igualmente — trabalhando ou não. Consequentemente, aqueles que trabalhavam se viam em posição de grande desvantagem. Em outra situação, vi dois irmãos que tinham extremo respeito mútuo, porém já não conseguiam trabalhar juntos. A admiração tinha se exaurido e a empresa começava a sofrer os efeitos de tal desajuste. Interessante em outras ocasiões, é ver sócios não familiares, trazendo seus herdeiros para o negócio — independente de competência —, pois se sentem na obrigação de ocupar espaços na companhia de modo a forçar um legado, uma sucessão.
Enfim, quando olhamos para aqueles oito desafios e pensamos sobre a complexidade que nós, seres humanos, guardamos intrinsecamente, é inevitável pensar que conflitos são recorrentes em empresas familiares. Prova disto é a estatística mundial de que apenas 12% das empresas familiares chegam à terceira geração e somente 3%, à quarta².
Isto posto, muitos desses casos chegam a nós, assessores financeiros. Aqui, nossa missão é realizar um projeto de M&A, ou seja, uma tentativa de venda do negócio para que os herdeiros tenham patrimônio e não um emaranhado de conflitos familiares e participações societárias.
Muitas vezes, parece até uma derrota, uma espécie de atestado de fracasso. Mas, como sempre digo aos meus clientes, apesar dos fundadores sempre terem muito mérito ao levantar uma empresa do zero, por exemplo, a carga genética é sempre uma incógnita — ainda mais quando se trata de transmitir competências, garra, motivação, amor por um determinado negócio. Além disso, outro desafio é manter uma relação interpessoal com os demais líderes da companhia. O dono precisa transferir ao seu filho ou filha a relação de cumplicidade que possui com seu sócio, algo bem desafiador e difícil. Quando isso não acontece, não há que se penitenciar. Pois a probabilidade de tudo ter congruência e sucesso é normalmente bastante baixa. Procurar, em paz e harmonia, um processo de M&A é bastante salutar.
Nosso papel neste momento é ter profissionalismo e competência para fazer com que aquela empresa familiar, que já está fermentando um conflito tradicionalmente familiar, possa ser transferida a outro grupo de forma tranquila e sem traumas, com o foco na maximização de valor.