O trabalho de pesquisadores na interseção entre psicologia e os processos de julgamento e tomada de decisão revelaram que as decisões financeiras diárias resultam de fatores diversos, tais como: instinto pessoal, hábitos, emoções, e interação social, todos afetando nossa razão. A combinação exata de tais fatores depende de tempo, lugar e circunstâncias. Talvez não devamos nos surpreender que, apesar de séculos de estudo e discussão, não haja consenso científico sobre como modelar decisões econômicas. A abordagem convencional de Finanças trouxe ideias como a teoria do portfólio, a relação risco-retorno positivo e o conceito de mercados eficientes. Mas seu uso é, na melhor das hipóteses, limitado por necessitar de suposições simplificadoras acerca da realidade e do comportamento humano.
O filósofo e matemático Alfred North Whitehead certa vez declarou que “o objetivo da ciência é buscar a explicação mais simples acerca de fatos complexos”. Por outro lado, ele nos advertiu sobre excessos nesta procura: “busque a simplicidade e desconfie dela”. Os trabalhos de Franco Modigliani e Merton Miller resultaram em premissas simplistas de mercados sem atritos e de tomadores de decisão absolutamente racionais. Porém, em relação ao que tais teorias implicavam, o mundo real de investidores e gestores sempre transbordou de “anomalias”.
Os estudos convencionais em finanças partem do pressuposto de que o agente econômico é alguém “racional”. A racionalidade econômica implica que:
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Ao receber informações, as pessoas atualizam suas crenças de forma correta; e
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Dadas as suas crenças, os agentes tomam decisões que são consistentes com a teoria da utilidade esperada subjetiva: buscam maximizar a utilidade (por exemplo, maximizando seu retorno financeiro, minimizando seu risco etc).
Muitos modelos financeiros convencionais assumem não apenas que os indivíduos processam as informações corretamente, mas também que eles têm fácil acesso a todos os dados necessários para tomar decisões informadas. O conceito de mercados de capitais eficientes sustenta que, embora possa ser verdade que as ações de agentes não racionais distorcem os preços, os operadores especializados tiram pleno proveito das oportunidades de arbitragem. Ou seja, os arbitradores fecham a lacuna entre preço e valor e as ineficiências do mercado desaparecem (como “mágica”, poderia acrescentar).
Entretanto, diversas pesquisas empíricas demonstram que as anomalias do mercado, como tamanho, valor e efeitos sazonais nos retornos das ações, persistem por longos períodos. Há ainda uma pletora de escolhas não racionais, sob a ótica econômica, feitas tanto por indivíduos quanto por organizações empresariais (bem, em verdade, por processos individuais ou colegiados com a dádiva da autoridade de decidir em nome de uma organização). O fato é que a intuição humana importa nas decisões financeiras. Mas... Por quê?
Primeiro, porque os investidores têm informações menos do que perfeitas sobre os fundamentos do negócio e precisam supor o que as outras pessoas sabem. Os dados sobre o estado da economia ou do mercado nem sempre chegam a eles em tempo hábil e podem ser complexos ou difíceis de contextualizar. Pode ainda existir pressão de tempo para chegar a uma decisão. A quantidade de informações disponíveis é frequentemente tão vasta que os indivíduos são forçados a se concentrar em alguns fatores principais. Aliás, a sobrecarga de dados só tem crescido nos últimos anos com as inovações financeiras e o uso generalizado de tecnologia da informação.
E, finalmente, porque nossos cérebros desenvolveram-se como máquinas ávidas para poupar tempo e esforço em processos decisórios e pular diretamente para as conclusões. Leia “Rápido e Devagar, duas formas de pensar” do ganhador do Nobel de Economia Daniel Kahneman se quiser mais detalhes ou se estiver duvidando de mim.
Nas finanças tradicionais, o agente econômico representativo é um indivíduo emocionalmente equilibrado com poder cognitivo verdadeiramente infinito. Teóricos como os também vencedores do Nobel em Economia George Akerlof, Michael Spence e Joseph Stiglitz consideram os custos da coleta de informações e os efeitos da assimetria de informações. Mas, na maioria das vezes, eles ainda ignoram fatores como as dificuldades mentais de decifrar dados ou os efeitos da influência social, além da influência de sentimentos viscerais ou da falta de autodisciplina.
Por outro lado, as finanças comportamentais reconhecem que a cognição não é gratuita. As capacidades restritas de processamento de informações e atenção limitada dos indivíduos os levam a confiar em simplificações mentais (heurísticas) que são úteis para limitar a carga cognitiva e ganhar tempo, mas que podem gerar erros previsíveis no julgamento e nas escolhas. Tais erros, quando sistemáticos, são os vieses.
A intuição humana e o erro sistemático são muito importantes nos mercados financeiros. Os investidores comumente discordam sobre o que determinadas notícias significam para o valor dos ativos. Essas diferenças de opinião, bem como as deficiências humanas mencionadas anteriormente, evitam que operadores sofisticados implementem as estratégias de arbitragem para corrigir a precificação incorreta. Por isso, é importante que os economistas examinem com mais detalhes como as decisões surgem. Estudos sobre o tema já apontaram desvios como a tendência de detectar padrões nos preços dos ativos, a reação exagerada ou insuficiente às notícias, a relutância em assumir perdas, a diversificação insuficiente ou ingênua e muitos outros mais.
Em suma, as finanças comportamentais estudam os principais aspectos psicológicos da tomada de decisão do investidor. Alguns fatores que moldam as decisões são situacionais; outros estão relacionados à personalidade. Alguns estão relacionados ao que está ocorrendo nos mercados (por exemplo, tendências de curto prazo). Outros são associados a fatores absolutamente espúrios. Duvida? Vamos ver dois exemplos ilustrativos:
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Clima – David Hirshleifer e Tyler Shumway examinaram a relação entre o sol matinal nas cidades das principais bolsas de valores de 26 países e os retornos diários dos índices de mercado, descobrindo que o brilho do sol (que causaria bom humor) está fortemente correlacionado com os retornos das ações, enquanto a chuva e a neve não tinham relação com os retornos.
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Eventos esportivos – Alex Edmans e outros descobriram quedas de mercado após eliminações precoces na Copa do Mundo de futebol e a resultados adversos em jogos internacionais de críquete, rúgbi e basquete (associados a mau humor).
A pesquisa comportamental já lançou dúvidas definitivas sobre a nossa racionalidade (econômica) ao tomar decisões financeiras. A consequência é questionar também a validade e a utilidade prática das principais teorias das finanças convencionais. Hoje ainda não existem modelos capazes de levar em conta todos os fatores comportamentais. Os pesquisadores geralmente trabalham com os modelos convencionais acrescidos de uma variável comportamental a cada vez, testando a melhoria de sua capacidade preditiva. A única certeza é que há muito trabalho pela frente no desenvolvimento de novas teorias, apoiadas em bases mais sólidas e capazes de gerar modelos novos ou aprimorados. E práticos.
O que nós podemos fazer à luz de tudo isso? Curiosamente, muita coisa. Afinal, modelar o comportamento de todos os indivíduos não é problema nosso (bem, talvez seja meu em parte, já que atuo na área acadêmica com esse tipo de questão). Mas ao tomar decisões financeiras, precisamos modelar apenas o nosso próprio comportamento (ok, ajuda um pouco em algumas situações pensar em como os outros estarão decidindo). Tenho escrito várias colunas sobre o assunto (clique no meu nome para ter acesso aos textos, clique na sineta para ser avisado de publicações futuras). Vale a pena pensar criticamente e ser bastante ponderado na hora de decidir sobre investimentos. Vai que ontem seu time perdeu ou hoje o dia amanheceu lindo.
*Luís Antônio Dib é professor do quadro permanente do COPPEAD, consultor e palestrante. Ele é mestre e doutor em Administração, além de possuir certificações da Harvard Business School. Dib já criou e coordenou diversos cursos de pós-graduação e ministra disciplinas nas áreas de Julgamento e Tomada de Decisão, Estratégia, Negociação e Internacionalização. Sua experiência profissional inclui cargos executivos na Shell (NYSE:RDSa), Telefônica (SA:VIVT3) e TIM (SA:TIMS3), além de vários anos como consultor de alta gestão pela Booz-Allen.
Dib discute conceitos complexos do mundo dos negócios e o impacto estratégico de novas tecnologias de forma clara, direta e bem-humorada, sendo um dos mais importantes interlocutores brasileiros para questões ligadas à gestão de empresas.