Os mercados globais viveram momentos de intensa volatilidade nas duas últimas semanas. São variados os motivos, mas um forte foi quando Ben Bernanke, em palestra no Congresso norte-americano, anunciou que a retirada (ou redução) da política de compra de bônus ocorreria durante as reuniões do Fed. Como teremos reunião nos dias 18 e 19 de junho, os mercados trataram de começar a “precificar” esta possibilidade com forte movimento de desmonte de posição, migrando para os títulos públicos norte-americanos.
No Brasil, este processo de reposicionamento acabou potencializado pelo downgrade da expectativa de rating pela S&P, de estável para negativo, além dos recorrentes sinais contraditórios da nossa gestão econômica. O dólar chegou a R$ 2,15, o “risco país” passou dos 200 pontos básicos, acumulando alta de 45% no ano, assim como os CDSs, alcançando 150 pontos (alta de 35% no ano), a bolsa de valores testou o piso de 49 mil pontos e, no mercado futuro, na “ponta curta”, para janeiro de 2014, o juro passou de 8,5%.
Como avaliar os fatos ocorridos, tanto nos EUA como no Brasil? Simplesmente, os EUA “arrumam sua economia”, processo iniciado depois da crise de 2008, enquanto que o Brasil teima em não enxergar a necessidade de ajuste fiscal mais rigoroso e a mudança de rumo, focando mais os estímulos aos investimentos e menos ao consumo.
Nos EUA, o desempenho da economia é uma surpresa positiva, com os déficits em queda, assim como as dívidas das famílias. Para reforçar isto, a mesma agência que colocou o Brasil em perspectiva negativa elevou os EUA para estável, num claro sinal de confiança nos ajustes em curso. Lembremos que em agosto de 2011 o rating norte-americano foi rebaixado de AAA para AA+, por ocasião do impasse em torno do gatilho fiscal. Agora o cenário é outro. O déficit fiscal, de 7% do PIB em 2012, recuou a 4% neste ano, em muito pelos gatilhos fiscais acionados no início deste ano, e o grau de endividamento das famílias recuou consideravelmente. No primeiro trimestre de 2009 estava em 27% do patrimônio líquido, no primeiro trimestre deste ano recuou a 19%, mais próximo da média histórica. Somado a isto, o crescimento no primeiro trimestre chegou a 1,3% contra o trimestre anterior, superior ao do Brasil (+0,6%) e numa perspectiva consistente.
Sobre o desmonte da política de compras de títulos (US$ 85 bilhões mensais), a certeza que se tem é que este deve acontecer em algum momento e de forma gradual, visto que a inflação segue em patamar baixo, em torno de 1,1%, abaixo da meta de 2% e o desemprego acima dos 6,5% da PEA a serem alcançados. O Fed deve, aos poucos, reduzir esta política, até para não gerar nenhum movimento abrupto nos mercados, a exemplo dos da semana passada. Observemos que nestas políticas de injeção de liquidez do Fed, através dos Quantitative Easing em curso (o atual é o terceiro), já ingressaram nas economias cerca de US$ 3,4 trilhões, sendo que as ações de estímulo coordenadas pelos vários bancos centrais no mundo chegaram a US$ 9,4 trilhões.
Olhando para a nossa economia, mais dúvidas do que certezas pairam no horizonte. Enquanto os mercados “pegavam fogo” na semana passada, o governo anunciava um pacote para estimular o consumo de baixa renda (Minha Casa, Minha Vida) no total de R$ 18,4 bilhões.
Isto, em tese, significaria mais combustível para a expansão do consumo, o que, diante de uma oferta insuficiente, detonaria mais inflação. Nos mercados, o que se discutia era justamente o contrário. Para o governo começar a reconquistar credibilidade, primeiro dos ariscos investidores externos, depois da sociedade como um todo, seria importante o governo se mostrar comprometido com um ajuste fiscal permanente. Muitos observadores e importantes economistas chegaram a comentar sobre a necessidade de um déficit nominal zerado no longo prazo. Este, no entanto, acabou colocado em dúvida, diante da necessidade da elevação do juro de curto prazo neste momento de combate à inflação. Com isto, os encargos na rolagem da dívida acabariam impactados, prejudicando o intento de reduzir o déficit nominal, atualmente em torno de 2,6% do PIB.
Mesmo assim, parece consenso no mercado que este processo de reversão só será possível se o governo se comprometer a resgatar o equilíbrio fiscal, mostrando transparência no alcance de um ajuste concreto e não através da chamada “contabilidade criativa”. Em resposta, o ministro Guido Mantega respondeu que a meta de superávit primário é de 2,3% do PIB para este ano. Faltou dizer, no entanto, como pretende chegar a ela. Disse ele que, com a arrecadação em alta, este objetivo será alcançado. Achamos difícil, ainda mais porque a última arrecadação projetada se baseava num crescimento próximo a 3,5% neste ano. Dificilmente deve chegar a 2,5%.
Por fim, neste processo de “rearrumação” da gestão fiscal, será essencial o reforço na capacidade de investimentos do setor público, ofuscado pelo descontrolado aumento das despesas de custeio nos últimos anos. Pela tabela ao fim isto parece bem claro. Enquanto estas últimas cresceram 1,7 ponto percentual entre 2002 e 2012, os primeiros se mantiveram estagnados (+0,1 p.p.). Cabe destacar que boa parte do aumento das despesas de custeio se deu pelo lado dos gastos sociais, aumentando 1,1 ponto, o que torna complicado politicamente este corte, ainda mais com a proximidade das eleições. Ou seja, a credibilidade conquistada pelo governo Lula na gestão econômica acabou corroída, em grande parte, nestes anos recentes, pela adoção de políticas temerárias. Sua reversão, portanto, não será tarefa fácil.