Em mais um dia de alta, o dólar continua subindo apesar dos leilões da promovidos pelo Banco Central para dar mais liquidez ao mercado (aumentado a oferta). Do ponto de vista macroeconômico, são muitos os fatores que jogam contra uma eventual recuperação do real frente a moeda dos EUA. Proponho tratar aqui hoje de três desses fatores, que na sessão de hoje mobilizaram de modo muito intenso os mercados globais. São eles: o discurso de Jerome Powell, diretor do Fed (Banco Central dos EUA); os tweets de Donald Trump e sua guerra comercial com a China.
Comecemos com o discurso de Jerome Powell, e o primeiro ponto a se considerar é: por que o discurso de hoje foi tão antecipado? Muito bem, no último mês de julho o Fed cortou pela primeira vez em uma década as taxas básicas de juros dos EUA, efetivamente barateando o preço dos empréstimos contraídos pelas pessoas e negócios do país. Trata-se de uma medida que visa, portanto, aquecer a economia ao tornar o crédito mais barato. Só que temos aí duas coisas a se considerar: primeiro, que a economia dos EUA, do ponto de vista macroeconômico, vem produzindo dados consistentes ao longo dos últimos trimestres; entretanto, do ponto de vista global, há um medo crescente de recessão e desaceleração econômica (com a China e Alemanha no centro do debate).
Conforme ficou claro nas minutas da reunião na qual foi votada a redução de 0.25 pontos-base na taxa de juros dos EUA, o comitê responsável pela política monetária do país estava dividido: de um lado, a economia americana parecia não precisar de uma redução; por outro lado, o cenário global se deteriorava, apresentando um risco a própria economia americana. O que estava em jogo, por sua vez, é o seguinte: um corte na taxa de juros enfraquece o dólar, na medida em que ele passa a oferecer retornos menores a quem especula com a moeda; uma manutenção da taxa de juros revigora a moeda. Ao mesmo tempo, um corte tende a favorecer o crescimento das bolsas, justamente porque a moeda fica mais barata; ao passo que a manutenção frustra as expectativas do mercado, já que a moeda continua mais cara.
Muito bem, mas como isso afeta o Brasil? Pois bem, no relatório macroeconômico da sessão de hoje, avisei que em todos os casos, o preço do dólar aqui deveria subir, exercendo pressão sobre a competitividade do real. Explico. Se Powell e o Fed sinalizassem outros cortes na taxa de juros a curto-prazo, os mercados americanos tenderiam a uma alta significativa por causa do estímulo econômico que isso representa. Nesse caso, acumulariam mais ganhos frente a um mercado de ações globalmente frágil no momento. Em outras palavras, a economia americana se fortaleceria ainda mais frente a seus principais rivais, o que estimula a saída de capital de regiões como a Europa e o Brasil rumo aos Estados Unidos. Logo, a demanda por dólares cresce e faz o preço subir.
Não foi o que ocorreu, e Powell sinalizou que quaisquer cortes futuros deverão ser embasados por indicadores macroeconômicos que justifiquem a necessidade de um corte. Portanto, o cenário é de manutenção da taxa de juros no futuro próximo. O que isso implica, então? Queda nas principais bolsas americanas e manutenção de um dólar forte; os reflexos da queda da bolsa americana se refletem no Ibovespa, que no momento em que escrevo tem queda de 2,33%, aumento da demanda por dólares e, como no caso anterior, alta no preço da moeda americana.
Com isso em mente, podemos avançar ao próximo fator que joga contra a recuperação do real: o presidente americano, Donald Trump, que após o discurso, comparou Powell ao presidente chinês, Xi Jinping, como um dos maiores inimigos da economia dos EUA. Muito do que foi levantado pelo diretor do Fed, tanto em sua coletiva sobre o corte de julho quanto no pronunciamento desta manhã, tocam na dificuldade de se manter a economia funcionando em meio a uma política comercial extremamente instável – que tem sido a marca da gestão Trump.
O principal impacto desse cenário, do ponto de vista macroeconômico, é uma aversão cada vez maior ao risco, uma vez que a imprevisibilidade do governante americano faz com que empresas, indústrias e grandes investidores/as tenham muito mais dificuldade de avaliar as condições futuras de comércio global. Isso é extremamente negativo para o Brasil na medida em que o capital estrangeiro deixa nosso mercado em busca de opções de menor risco (como os próprios Estados Unidos) ou mercados mais consolidados, como os da Ásia e Europa – ainda que com retornos menores.
Esse cenário, por fim, é agravado pela guerra comercial que o próprio Trump iniciou com a China e, em especial, o modo como tem administrado essa situação – em muitos casos, relatam jornais americanos, passando por cima de seus/as próprios conselheiros/as. Ao contrário do que manda a boa diplomacia, em muitas ocasiões o presidente tomou a iniciativa de aprofundar cada vez mais o conflito: após a primeira leva de tarifas, decidiu taxar praticamente todos os produtos produzidos na China (onde estão a maior parte das fábricas de gigantes americanas, como a Apple) – embora tenha adiado a vigência dessas taxas para dezembro, de modo a suavizar o impacto no setor de varejo durante o período de fim de ano. Tendo, ainda, listado o governo chinês como manipulador de câmbio – ironicamente, porque o governo não interviu na própria moeda, o Yuan, para mantê-lo acima de um nível simbolicamente importante.
Tudo isso tem um peso muito grande no processo de desaceleração global da economia, com a possibilidade cada vez mais real de uma recessão. O Banco Central da Alemanha, por exemplo, já lida com a probabilidade de uma recessão técnica no próximo trimestre; a China, por sua vez, atingiu recentemente o menor patamar de produção industrial em décadas. O mais recente alarme de emergência veio com a inversão da curva de rendimento do tesouro americano. Isto é, o retorno do título longo prazo oferece um valor menor que o de curto prazo, o que reflete baixíssima confiança na saúde da economia a curto prazo. Além disso, do ponto de vista histórico, esse fenômeno antecedeu praticamente todos os ciclos de recessão registrados nos Estados Unidos.
Isso nos traz, enfim, de volta ao preço do dólar no Brasil: além da instabilidade gerada por Trump no comércio global, a atual guerra comercial com a China é mais um fator que inibe o apetite de risco do capital estrangeiro e, por tabela, reforça a saída desse dinheiro do Brasil. Na medida em que é necessário converter o dinheiro que estava aqui em dólares, para então eventualmente reconvertê-lo em outra moeda, o preço dispara. Em suma: não é que falta oferta de dólares, situação que seria aliviada pelos leilões do BC; é que a demanda está tão alta, a urgência de retirar investimentos do país está tão grave, que grandes agentes estão dispostos a pagar mais caro para fazê-lo.