Texto originalmente publicado na revista Grafistas, ed. nº 19.
Gostaria de iniciar esse texto indo direto ao ponto e definindo o que estou considerando, nesse caso, como operação estruturada, que não necessariamente precisará envolver um hedge ou uso de (pelo menos) dois instrumentos financeiros correlacionados – definição mais usual do termo.
O que estou indicando é uma operação de compra e venda (ou vice-versa) com duas saídas pré-definidas: um alvo de lucro e um limite de perda, ambos definidos antes da entrada. Embora essa prática seja, a rigor, bastante comum a nível profissional, é muito comum ver quem está dando seus primeiros passos em análise técnica sofrer muito mais do que necessário por não compreender esse conceito.
Com isso em mente, irei dividir o processo de estruturação de uma operação em algumas partes: seleção de ativos; definição do ponto de referência e margens de erro; definição dos pontos de saída com lucro ou prejuízo. Essa forma de trabalhar faz com que não seja necessário acompanhar de perto o andamento do mercado, otimizando o tempo e minimizando as chances de erro por fator humano.
Seleção de ativos
Antes mesmo de aplicar um sistema de análise técnica, precisamos de critérios para definir quais ativos serão ou não serão operados, o que demanda uma série de critérios específicos de seleção, hierarquização e definição do viés operacional. Isto é, se iremos buscar oportunidades de compra ou venda.
Isso envolve uma distinção fundamental dentro da própria análise técnica, entre uma análise a nível macro, voltada para identificar as condições gerais do mercado (se há um viés de compra ou de venda), e uma análise a nível micro, que envolve os sinais produzidos por um sistema que é aplicado por número minúsculo de pessoas, ou eventualmente apenas uma.
Ilustremos isso com uma média móvel simples, de 200 períodos, no gráfico diário. Se o preço está acima dela, isso mostra que nesse momento há um consenso por preços mais altos do que a média dos últimos 200 preços de fechamento. Trata-se de um fato que reflete o comportamento dos/as participantes do mercado como um todo. Um aspecto macro.
Entretanto, se eu decido que irei realizar uma compra quando o preço, que estava acima da média, tocá-la novamente e fechar acima dela, estou tomando a decisão individual de considerar esse evento um sinal, mas essa ocorrência é “microscópica” se considerarmos que, proporcionalmente, pouquíssimas pessoas tomarão a mesma decisão com base no mesmo critério – mesmo se tratando de um critério técnico muitíssimo comum.
É um velho ditado que usavam para criticar a análise técnica, embora na verdade trate-se de uma verdade fundamental do mercado independentemente da escola a qual você adere: “você não pode achar que vai estar todo mundo olhando o mesmo setup que você, e que quando ele for acionado todo mundo vai comprar, fazendo o preço subir”. Ninguém sabe as razões que motivam abertura de posição no mercado, em especial quando consideramos que cada pessoa entrou num nível de preço ou tem um preço médio de entrada diferente.
Mas então, como conseguimos ganhar dinheiro no mercado usando sinais que só serão vistos por nós mesmos/as? Ora, diferente de uma análise macro, que visa mostrar o consenso por preços mais baixos ou altos, os sinais produzidos pelo sistema visão mostrar sua relevância ao longo de uma série longa de repetições: funciona porque, digamos, ao longo de centenas de vezes nos quais ele ocorre, entre falhas e sucessos, o acumulado estatístico é de uma expectativa positiva. Daí a diferença entre definir um viés (análise macro) e, em vista dele, agir com base num sinal (análise micro).
Com isso em mente, eu sugiro sempre operar a favor do viés predominante e hierarquizar ativos conforme o grau de consolidação desse viés. Uma forma de fazer isso é buscando oportunidades de compra entre os ativos com maior valorização na semana ou mês: por exemplo, as cinco ações que mais ganharam no período. Para facilitar, você pode restringir sua busca a algum índice acionário (Ibovespa, IBrX, etc.) ou lista de pares de moedas, etc. Um filtro adicional pode ser o market cap, para evitar ativos de baixa liquidez, ou volume de negociação para encontrar ativos que foram bastante negociados (indicando interesse coletivo).
Para um critério técnico, que pode complementar o descrito acima ou ser usado de forma exclusiva, a média móvel é uma ferramenta bastante útil. A maior parte dos portais de investimento oferecem um scanner de ativos, nos quais você insere um critério como estar acima ou abaixo da média móvel de n períodos, ou que tenha atingido o patamar X ou Y de algum indicador – geralmente, estão limitados aos mais populares, como RSI (IFR) ou oscilador estocástico. Isso não chega a ser um problema pois queremos avaliar e hierarquizar ativos segundo critérios macro – logo, não faz sentido buscar sinais usando indicadores e parâmetros muito particulares.
Definindo um ponto de referência
O que nos permitirá criar operações que não requerem um acompanhamento tão próximo é que iremos nosso sistema para definir um ponto de referência com base em um sinal que tenha sido gerado num passado próximo. Caberá a você decidir o quão próximo em função do período estimado de maturação, mas lembre-se de seguir sempre o mesmo critério para garantir a consistência estatística do sistema e dos resultados obtidos.
Um grande erro de quem está começando a trabalhar com análise técnica envolve o medo de perder uma oportunidade, de modo que tão logo um sinal é gerado, essas pessoas abrem uma posição. Embora você possa trabalhar dessa forma, ela é inerentemente mais arriscada: você ficará de fora de menos oportunidades, mas mais delas terão resultado negativo.
O que proponho aqui é registrar a ocorrência desse sinal e demarcar o nível de preço no qual ele ocorreu, usando esse ponto como referência para uma operação que pode vir a ocorrer. Assim, analisamos o passado e nos preparamos para o futuro, sem necessidade de acompanhar o presente. Ilustremos isso com um exemplo, mais uma vez usando o caso das médias móveis em vista da sua simplicidade.
Digamos que o preço de uma ação fechou depois algum tempo acima da média de 120 períodos, e havíamos determinado que há um viés de compra estabelecido porque foi uma ação que se valorizou muito no último mês. Ao invés de comprar assim que esse “sinal” foi gerado, eu demarcaria aquele ponto, no qual preço e média se cruzaram, como referência. Suponhamos então que o preço tenha subido 5% acima daquele ponto.
Eu poderia colocar uma ordem de compra naquele nível, com perda máxima e alvo de ganho definidos, para que caso ele atinja novamente aquele ponto, seja acionada uma operação, independentemente de eu estar acompanhando o mercado. Imagine agora que repito esse processo em vários e vários ativos: mesmo sem acompanhar o que está acontecendo, sei que se a operação for acionada eu ganho ou perco um valor pré-definido.
Definindo margens e alvos
Uma outra coisa que muitas pessoas demoram um pouco para incorporar a seus sistemas operacionais é o efeito da volatilidade do ativo, ou seja, o grau de imprevisibilidade dos movimentos de preço. Isso faz com que nenhum ponto de referência que demarcamos seja exato, o que implica a necessidade de estabelecermos, dentro do próprio sistema, uma margem de erro em torno do mesmo. Note que não estou me referindo a uma perda máxima, mas de um espaço no qual a validade do sinal se mantém mesmo que passe acima ou abaixo do ponto exato de referência.
Vamos supor que meu ponto de referência seja R$10 e que meu objetivo seja comprar quando o preço fechar acima desse valor. Se minha margem de erro é de 10%, não bastará que o preço feche em R$10,05, pois isso pode ter sido um deslocamento resultante da volatilidade do ativo. A operação seria ativada a partir de R$10,10, que é onde termina a margem de erro.
É importante ter noção disso porque dificilmente o preço interage exatamente com o ponto relevante e, mais do que isso, porque não faz diferença alguma ele tocar exatamente o ponto de referência. Ao contrário do que dizem certos/as analistas, isso não é nada mais que uma coincidência, que não dá mais ou menos força ao sinal, visto que não afeta as decisões dos/as demais participantes do mercado.
Compreendendo que nossa margem pode estar errada é que definimos, com base nela e partindo da borda mais distante da margem de erro, uma perda máxima, que pode ser definida com base em indicadores, como porcentagem do ponto de referência ou um múltiplo da margem de erro. Ao mesmo tempo, deixa-se pré-definida uma ordem num alvo de lucro, que pode seguir esse mesmo parâmetro ou ser um múltiplo da perda máxima (1.5x ou 2x, por exemplo).
Encerro esse texto com a sensação de não ter me aprofundado o suficiente na temática, que buscarei explorar mais ao longo dos próximos textos. Torço para que essa forma distinta de encarar as operações que executamos seja positiva para você!
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