Por Bernardo Piquet e Joana Vaccarezza
Com o avanço da vacinação, começa-se a discutir como será a retomada econômica. Para que os pequenos negócios no comércio e nos serviços consigam se reerguer, será necessário enfrentar um problema histórico: a restrição de crédito a microempreendedores e empresas de menor porte. Existe nesse segmento uma demanda latente por financiamento, evidenciada pela grande procura pela nova edição do Pronampe.
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A agenda de competição do Banco Central, ao viabilizar o fluxo de dados entre instituições no Sistema Financeiro Nacional por meio do Open Banking e de outras iniciativas, reduz assimetrias no mercado de crédito e pode ajudar a expandir a concessão de crédito para o conjunto das micro, pequenas e médias empresas.
Embora o Brasil se destaque mundialmente pelo alto spread cobrado em operações de crédito, a restrição de crédito às pequenas empresas não é uma particularidade nossa. Parte do problema está na dificuldade desse segmento em comprovar capacidade de pagamento, ao passo que as instituições financeiras evitam comprometer seu balanço com operações consideradas arriscadas.
Uma pesquisa da International Finance Corporation (IFC), do grupo do Banco Mundial, entrevistou instituições financeiras que financiam pequenas e médias empresas ao redor do mundo para identificar quais são os maiores desafios nesse segmento do mercado de crédito. O principal problema citado foi o risco de crédito, listado por 52% dos entrevistados, seguido pelas condições externas (macroeconômicas e regulatórias), citado por 35%.
Nesse sentido, o ponto a ser considerado é que o modelo de avaliação de risco tradicional não se adequa à realidade das pequenas e médias empresas. Segundo a pesquisa da IFC, o desafio do risco de crédito decorre do fato de que as credoras têm pouca capacidade para verificar a situação financeira das pequenas empresas – devido à informalidade e menos recursos de tempo e dinheiro para a gestão financeira nesse segmento. Além disso, pequenos empreendimentos sofrem com a falta de garantias para negociar condições mais favoráveis em um empréstimo.
Por isso, os ofertantes de crédito que queiram se dedicar a esse segmento do mercado, atualmente mal atendido, precisam criar modelos de análise de risco alternativos, buscando outros dados além dos escores tradicionais. Aqui entra o papel crucial dos dados no sistema financeiro.
Naturalmente, o problema é maior para os bancos de pequeno e médio porte: entre as instituições com uma base de 50 mil a 400 mil clientes, o risco de crédito foi considerado o desafio principal por 88% dos entrevistados pela IFC. Isto decorre, entre outros motivos, das assimetrias informacionais entre grandes e pequenas instituições que impactam justamente no poder da avaliação de risco.
É nesse aspecto que as duas novidades no mercado podem trazer contribuições duradouras e melhorar o cenário do financiamento para pequenos negócios: a registradora de recebíveis de cartão, que completou o segundo mês de atividade em agosto, e a segunda fase do Open Banking, que inicia neste dia 13.
O que as registradoras fazem é, basicamente, reunir as informações sobre as vendas realizadas pelos estabelecimentos comerciais por meio de cartão de crédito e débito – os denominados recebíveis de cartão – e assegurar a unicidade e titularidade desses recebíveis. Com isso, os empreendedores podem disponibilizar essas informações para diferentes financiadores que, na medida que tenham mais clareza sobre o perfil do estabelecimento comercial, podem ofertar crédito em condições mais adequadas a necessidade desses pequenos negócios. Além disso, o mecanismo de registro permite também que os pequenos negócios ofereçam seus recebíveis como garantia para a operação de crédito, reduzindo os riscos da operação e viabilizando, assim, melhores condições.
Graças à registradora, as informações sobre valores a receber das empresas que normalmente eram de conhecimento restrito a poucos bancos (que em geral domiciliam as contas onde os pagamentos de cartão são pagos) poderão, mediante o consentimento do usuário, ser acessadas por qualquer instituição que queira competir no mercado ofertando propostas mais competitivas.
A nova fase do Open Banking, por sua vez, cujo início está marcado para o dia 13 de agosto, tem um efeito semelhante, e é válido para empresas e pessoas naturais. A partir da mencionada data, os clientes poderão autorizar o compartilhamento de dados, como histórico bancário, de transações e de produtos de crédito contratado, com empresas autorizadas pelo BC para obter melhores propostas de financiamento.
Essas medidas reduzem a assimetria entre grandes e pequenos credores, possibilitando que diferentes atores possam atuar. Com visibilidade de informações em um nível detalhado, as instituições podem ter maior grau de certeza nas avaliações de risco de crédito. Isso, por sua vez, pode reduzir o custo do crédito para uma parcela de clientes que tem capacidade de pagamento mas até hoje tinham dificuldade para demonstrá-la.
Assim, a expectativa é que iniciativas como o Open Banking e a registradora de recebíveis de cartão estimulem a expansão do crédito aos segmentos mal servidos, especialmente os pequenos negócios. Esse impacto será posto à prova nos próximos anos. No Reino Unido, onde o Open Banking começou a ser implementado há três anos, foi observado que 18% das pequenas e médias empresas buscaram fontes alternativas de crédito por meio do Open Banking, com reflexos positivos para a resiliência dos negócios durante a pandemia.
No Brasil, conforme as novas medidas atinjam a maturidade, poderão trazer benefícios similares. Dessa forma, o estímulo a um mercado de crédito mais competitivo, com possível expansão da concessão de crédito, irá complementar outras medidas de curto prazo, como o Pronampe e outros programas especiais de crédito para micro e pequenas empresas.