Não se preocupe se o petróleo começar a ser negociado abaixo de US$ 20,00. Isso já aconteceu entre o fechamento de sexta-feira (27) e a abertura desta segunda (30), naquele buraco negro chamado "negociação eletrônica".
Enquanto escrevo, o petróleo norte-americano West Texas Intermediate está novamente acima dos US$ 20 por barril no pregão da tarde em Cingapura, após registrar mínima em US$ 19,92, fundo mais baixo desde fevereiro de 2002. Ele pode, evidentemente, retornar para os níveis abaixo dessa marca antes ou durante o horário nova-iorquino.
Mas não importa o que acontecer na sessão de hoje ou ao longo da semana, o WTI não deve ser cotado muito abaixo desse fundo de 18 anos. Se perder a mínima de fevereiro de 2002 a US$ 19,09, os próximos patamares mínimos são US$ 17,85, de janeiro de 2002; US$ 17,80, de dezembro de 2001; e US$ 16,70, de novembro de 2001.
No entanto, a história não tem a ver com a intensidade da queda do petróleo a partir de agora. Tem a ver com as medidas para interromper a aniquilação sistêmica dos produtores de shale oil nos EUA, cuja maioria mal consegue sobreviver com preços abaixo de US$ 35 por barril.
Trata-se de uma história cujo final será visto nesta semana. Mas também é uma história que precisamos acompanhar de olhos atentos, pois será a mais importante para o petróleo depois do fim de todo esse caos provocado pela pandemia de Covid-19.
Shale oil americano à espera da ruína
O mais importante é o seguinte: não importam os cortes de despesas de capital, exploração ou produção imediata – ou até mesmo uma intervenção do governo Trump –, a indústria petrolífera norte-americana provavelmente nunca mais será a mesma, haja vista que cerca de 30% ou mais dos perfuradores locais serão dizimados.
Tanto a Arábia Saudita quanto a Rússia – que estão produzindo a todo vapor e intensificando a destruição de demanda desencadeada pela crise do coronavírus – pretendem, nos próximos seis meses, garantir o máximo de participação de mercado que puderem.
Uma forma de atingir isso será dizimar os perfuradores norte-americanos, que adicionaram 4 milhões de barris por dia (bpd) em volume de petróleo nos últimos três anos e se tornaram os maiores produtores mundiais, com 13 milhões de bpd, enquanto Riad diligentemente aplicava cortes de produção no âmbito da iniciativa Opep+, ao lado dos russos, que faziam de conta que cumpriam os compromissos desse mesmo pacto.
A indústria petrolífera é neste momento um segmento essencial da economia dos EUA, responsável por 10,9 milhões de empregos, de acordo com o Instituto Americano do Petróleo. Mas a indústria de shale oil não nasceu para suportar preços tão baixos, enfrentando pedidos de falência e grandes cortes de emprego por causa do duplo golpe desferido pela Covid-19 e a guerra de preços russo-saudita. Muitos analistas já preveem uma perda de demanda de pelo menos 10%, ou 20 milhões de bpd.
“A diferença entre o que está acontecendo hoje e o que ocorreu em 2015-16 é que os produtores de alto custo já estavam enfrentando custos de capital extremamente elevados no ano passado, devido aos retornos persistentemente minguados aos acionistas”, afirmou o Goldman Sachs em uma nota.
“De fato, essas restrições de capital acabaram sendo exacerbadas pelos últimos eventos, ao passo que em 2015-16 nunca houve carência de capital, o que aumenta muito a probabilidade de capitulação das empresas de exploração e produção nos EUA e mercados emergentes”, declarou o banco de Wall Street, referindo-se à indústria de shale oil americana e a produtores e exploradores de países em desenvolvimento.
Arábia Saudita piora ainda mais uma situação que já era ruim
A Energy Intelligence, em nota separada, afirmou que o movimento saudita de inundar o mercado depois do colapso da Opep+ no início de março piorou ainda mais uma situação que já era ruim. “A situação ficou tão ruim que o governo Trump passou a realizar ações diplomáticas junto à Arábia Saudita, no intuito de encerrar sua guerra de preços com a Rússia e dar suporte aos preços colapsados do petróleo, que estão devastando a indústria de shale oil nos EUA.”
A consultoria de energia sediada em Nova York disse ainda: “Depois de 40 anos atacando a Opep, Washington fazer algo que era impensável até pouco tempo atrás: realizar uma ação coordenada com a Arábia Saudita, Rússia e outros produtores – um reflexo dos tempos extraordinários que os mercados petrolíferos estão vivendo."
Washington está disparando para todos os lados ao tentar fazer com que o Texas, maior estado produtor de petróleo dos EUA, obrigue seus perfuradores a realizar cortes, ao mesmo tempo em que tenta acalmar os ânimos entre russos e sauditas e convencê-los a reduzir a produção novamente, sem falar na tentativa de um acordo exclusivo entre EUA e Arábia Saudita, com o objetivo de gerenciar o mercado petrolífero mundial.
“Muitas ideias surgiram no âmbito da política", declarou Dan Brouillette, Secretário de Energia dos EUA, destacando o empenho do governo em salvar a indústria que tornou os EUA exportadores líquidos de petróleo e parcialmente independentes no setor de energia.
Até agora nenhum dos truques de Washington parece estar funcionando. A Arábia Saudita está determinada a aumentar sua produção em impressionantes 30% em março, atingindo o recorde de 12,3 milhões de barris por dia até o fim de abril.
Tudo no petróleo está sendo prejudicado
E não é apenas a indústria americana que está sendo prejudicada. O petróleo a US$ 20 também está causando severos danos a uma economia saudita já comprimida e que precisa do barril cotado a US$ 80. Sem falar que está reduzindo os orçamentos de outros países produtores de petróleo no Oriente Médio. A Rússia, enquanto isso, deve sofrer com o colapso na demanda dos seus Urais, composição de petróleo pesado produzido na região da Sibéria Ocidental e Povolzhye. O custo para produzir gasolina a partir dessa fração petrolífera é maior do que com o Brent mais leve, referência mundial do petróleo.
“A economia mundial é um sistema complexo com atritos físicos, e a energia está perto do topo dessa complexidade. É impossível interromper uma demanda tão grande sem grandes e persistentes ramificações na oferta”, afirmou o Goldman.
O banco de Wall Street declarou:
“Acreditamos que, na atual crise do petróleo, veremos a indústria energética finalmente alcançar a reestruturação de que tanto precisa. Há muito tempo vimos dizendo que o que importa é a oferta e demanda de capital, e não a oferta e demanda de barris. Desde que haja capital, as empresas conseguirão suportar períodos difíceis, e os barris sempre voltam.”
Ouro e ações entram no tango
A expectativa é que o ouro e as ações também entrem na dança nesta semana, com Wall Street provavelmente decidindo sobre a direção do metal amarelo, principalmente se as preocupações com a piora da situação da Covid-19 nos EUA gerar aversão ao risco nos mercados. Os Estados Unidos superaram a China na semana passada como país com maior número de infecções por coronavírus. Até segunda-feira (30), foram registrados mais de 145.000 casos e mais de 2.500 mortes por causa da pandemia no país.
Os futuros do ouro com entrega em abril se valorizaram 9,5% na semana passada, fechando a US$ 1.625 por onça, em sua melhor semana em quase 12 anos. Isso aconteceu apesar de o mercado perder parte do seu brilho na sexta-feira (27), com os investidores realizando lucro diante dos fortes ganhos registrados pelo metal precioso, na esteira do estímulo de US$ 2 trilhões aprovado pelos EUA para combater a Covid-19.
Todos os olhos estarão voltados aos dados de emprego de março nos EUA, que devem ser divulgados na sexta-feira, quando se espera uma perda de pelo menos 100.000 empregos. Isso ocorre após o chocante aumento de pedidos de seguro-desemprego pela primeira vez por 3,3 milhões de americanos na semana passada.
“Em todo caso, o ouro parece vulnerável a um recuo mais profundo abaixo de US$ 1.600 por onça, se as ações fizerem o movimento esperado, apresentando um desempenho ruim ao longo da semana”, declarou Jeffrey Haley, analista da OANDA.
Haley disse ainda:
“Do ponto de vista dos fundamentos, o ouro ainda é uma compra clara, mesmo depois de o dólar ter disparado na semana passada, com os investidores preferindo manter reservas em dinheiro, o que pode fazer com que o ouro tenha dificuldade para desafiar os US$$ 1.650,00 por onça nesta semana.”