Se você achava que o petróleo atingiria US$ 40 nesta semana, por acreditar que Donald Trump conseguiria fazer com que a Arábia Saudita e a Rússia cortassem milhões de barris de produção simplesmente na base do pedido ou da ameaça para salvar o shale oil americano, por favor, aperte o botão de “reset” na sua cabeça.
Depois de dizer “não estou pensando nisso” na sexta-feira (3) e afirmar que faria “o que fosse necessário” no sábado (4) para logo em seguida soltar um “se o petróleo ficar onde está” no domingo (5), o presidente dos EUA manteve o máximo de ambivalência possível na ameaça de taxar o petróleo russo e saudita, a fim de proteger os produtores do país.
Os tuítes de Trump sugerindo que Riad e Moscou poderiam remover 15 milhões de barris por dia para conter o excesso de oferta mundial provocaram uma alta recorde tanto no petróleo norte-americano West Texas Intermediate quanto no britânico Brent, que se valorizaram 32% e 37%, respectivamente. Ambas as frações, no entanto, caíam no pregão asiático desta segunda-feira, à medida que ficava claro que o mercado estava seguindo uma pista falsa.
Em vez de manter sua derrocada inicial, as duas referências do petróleo se recuperaram das mínimas registradas no final da tarde em Cingapura, acompanhando a alta nos futuros do índice Dow Jones de Wall Street antes da abertura de Nova York – novamente por causa das declarações de Trump de que a ameaça do coronavírus estava se estabilizando em alguns epicentros nos EUA. Enquanto isso, Anthony Fauci, um dos principais especialistas em pandemias dos EUA, disse que ainda era cedo para fazer essa avaliação.
Trump alertou, na semana passada, que os americanos teriam duas semanas “bastante dolorosas” pela frente. Meu prognóstico é que os produtores de petróleo dos EUA precisam se preparar para 20 semanas bastante dolorosas e um período mais prolongado com o petróleo cotado na casa dos US$ 20, já que a economia poderia levar 20 meses ou talvez mais para retornar aos níveis pré-crise, em vista da enorme perda de empregos e de uma iminente recessão ou possível depressão.
“É a economia”
A campanha de 1992 de Bill Clinton para a Casa Branca colocou a questão de maneira clara: “É a economia, estúpido!"
Mais do que qualquer outra classe de ativos, as commodities refletem de forma fiel a economia, já que compõem os produtos básicos de cada dia. E o petróleo é a commodity que literalmente move o planeta. Agora, com mais de 90% da economia mundial paralisada, à medida que as autoridades tentam restringir o contato e a movimentação das pessoas, a fim de prevenir a disseminação da crise do coronavírus, o petróleo como mercado está praticamente morto. A situação simplesmente ficará muito pior antes de começar a melhorar um pouco.
“A economia dos EUA não parou, mas é como dirigir um carro em direção a um muro maciço a 150 km/h, e para que ela se recupere novamente, alguém precisa parar o carro e assumir o controle", declarou Tariq Zahir, fundador da Tyche Capital Advisors, consultoria focada em petróleo com sede em Nova York. “Está ruim desse jeito”.
Para se ter uma ideia da complexidade da situação, a indústria mundial de aviação está praticamente parada, exceto para voos médicos e de emergência. A consultoria Rystad Energy espera que a demanda por combustível de aviação sofra o maior impacto, com uma queda de demanda de pelo menos 21% neste ano, em comparação com 2019.
Na maior parte do mundo, ninguém está pegando o carro para dirigir sem ter uma boa razão para isso. Os estoques de gasolina nos EUA tiveram uma alta expressiva de 7,5 milhões de barris na semana encerrada em 27 de março, contra uma precisão de alta de cerca de 1,95 milhão de barris. A expectativa é que o acúmulo aumente ainda mais na semana encerrada em 3 de abril. A Moody’s estima que as vendas mundiais de automóveis sofram uma queda de 2,5% — uma análise conservadora entre os diversos números divulgados. A demanda global de combustível rodoviário terá uma queda de 5,5%, ou 2,6 milhões de barris por dia, na comparação anual, segundo a Rystad.
As companhias de cruzeiro enfrentam uma carnificina ainda pior, podendo entrar em colapso caso não haja um plano governamental de resgate.
Cidades inteiras dos EUA que nunca dormiam, como Nova York e Las Vegas, quase não estão despertas. Atrações turísticas durante todo o ano, como a Disneylândia (NYSE:DIS), assim como parques temáticos de temporada estão todos fechados. Não só ícones do varejo como Macy's (NYSE:M), Apple ({NASDAQ:AAPL) e Best Buy (NYSE:BBY) estão fechados: até mesmo players menores, como pizzarias locais, lojas de roupa e oficinas mecânicas podem fechar as portas em breve.
Grandes ou pequenas, cada uma dessas empresas contribuiu para a enorme demanda de caminhões que alimentou grande parte do consumo de combustível, um componente importante da demanda de petróleo.
Sim, ainda temos uma importante atividade de transporte rodoviário, já que empresas de comércio eletrônico e logística, como Amazon (NASDAQ:AMZN), United Parcel Service (NYSE:UPS) e FedEx (NYSE:FDX) trabalham 24h por dia para atender aos pedidos e fizeram sua capacidade de entregas atingir o limite máximo.
Os estoques de destilados nos EUA tiveram uma queda inesperada de 2,2 milhões de barris para a semana encerrada em 27 de março, com expectativas de um acúmulo de cerca de 1,03 milhão de barris. A produção de combustível destilado também teve uma alta de 5 milhões de barris. Na interpretação mais simplista, isso respalda o saldo na demanda de combustível para caminhões.
No entanto, esse número não refletia de forma verdadeira a perda de demanda de transporte via caminhões, como o transporte de veículos novos das fábricas às concessionárias.
Fundos de petróleo em situação crítica
Zahir disse ainda que esperava o fechamento de um bom número de hedge funds focados no setor de energia, ao revelar que praticamente não tinha chances de levantar recursos para seu Tyche Capital.
Mas ainda estava sobrevivendo como operador proprietário. Em razão das doses diárias de informações precisas e desinformação sobre o vírus, o petróleo e a economia, a volatilidade do mercado ganhou ímpeto, com viés baixista na maioria dos casos.
O índice de volatilidade do petróleo da CBOE disparou dois dígitos por três vezes desde 6 de março. A mais recente foi após os tuítes de Trump sobre a Rússia e a Arábia saudita na sexta-feira.
“O melhor seria atuar sobre os spreads com o contango, que é um dos maiores já vistos", afirmou Tariq Zahir, ao se referir ao desconto nos contratos futuros de petróleo com prazos de entrega mais próximos e mais longos.
Durante o horário da sessão asiática, o barril de Brent com entrega em junho estava US$ 1,50 mais barato do que o com entrega em julho, uma diferença que ressalta a dinâmica de estoques de petróleo neste momento, na medida em que praticamente todos os operadores tentaram assumir posições no óleo que possam ser mantidas a preços melhores no futuro do que os atuais.
Na sexta-feira, quando os tuítes de Trump foram publicados, Zahir declarou que estava vendido em spreads mais longos do Brent a US$ 21 por barril. O contrato com entrega mais próxima saltou US$ 4,71 naquele dia.
“Cheguei ao ponto de dizer: ‘preciso cair fora’. Porque muitas pessoas vão entrar para se aproveitar do grande rali de cobertura das vendas. Mas vou vendar novamente hoje.”
Cenário mais pormenorizado no petróleo
Em um cenário mais detalhado para o petróleo, os grandes produtores estão se preparando para uma onda de fechamentos sem precedentes para retirar produção do mercado o mais rápido possível afirmou a Energy Intelligence, outra consultoria do setor.
“Não está claro qual será o impacto dos fechamentos generalizados na indústria.
Os poços voltarão a operar, mas há uma grande preocupação de que os reservatórios possam sofrer danos.”
No longo prazo, o abastecimento de petróleo irá cair, na medida em que russos e sauditas logicamente precisam fechar suas torneiras diante do esgotamento da capacidade mundial de estoque de petróleo e produtos derivados. A destruição de demanda sem precedentes no petróleo por causa do coronavírus, em conjunto com a inundação do mercado pela Arábia Saudita nas próximas semanas, deve afetar ainda mais os preços.
Assim, pode ser que Trump consiga fazer com que russos e sauditas reduzam sua produção. Mas pode ser tarde demais para os produtores de shale oil nos EUA, que já terão jogado a toalha, na medida em que as estimativas mostram que cerca de 30% deles entrarão em falência neste ano.
Se for possível vender ou armazenar petróleo, também é possível produzi-lo a taxas muito mais altas, provocando a falência de produtores de alto custo, como os perfuradores de shale nos EUA, cujo custo de produção por barril é de US$ 35. Os sauditas, cujos custos são de US$ 3 por barril, devem manter sua possível pelo maior tempo possível. Fatih Birol, diretor executivo da Agência Internacional de Energia, disse à Energy Intelligence que o atual excesso de oferta ameaça sobrecarregar a capacidade efetiva de estoque mundial em apenas 10-15 dias.
A expectativa é que a demanda atinja a mínima durante o trimestre de abril a junho, e Birol espera que o declínio de demanda para o trimestre seja de cerca de 20 milhões de bpd – algo em torno de 20% da demanda mundial. As medidas de contenção do coronavírus destruíram a demanda de combustíveis de transporte, gerando um enorme excesso de produtos refinados no trimestre. Mas, à medida que os tanques de armazenamento atingem seu limite, o problema rapidamente se estenderá ao petróleo neste trimestre. Cerca de 20 milhões de bpd de petróleo serão estocados em abril, de acordo com o Goldman Sachs.
A Rystad Energy estima que os planos de dispêndio de capital em extração e produção sofrerão um corte de cerca de US$ 100 bilhões neste ano e atingirão a mínima de 13 anos de US$ 450 bilhões – cerca de metade do pico gasto em 2014.
A indústria reduziu significativamente seus pontos de equilíbrio financeiro após o colapso dos preços em 2014, mas manteve muitos desses instrumentos de eficiência para convencer os investidores cada vez mais céticos, com melhores desempenhos financeiros e maiores retornos com o petróleo entre US$ 50-60.
Após a última rodada de cortes de dispêndio de capital, simplesmente não há mais alternativas: empresas de serviços podem ser pressionadas ainda mais, e os produtores já estão operando com instalações mais enxutas para priorizar projetos de menor custo. As grandes petrolíferas devem encolher, e os declínios de produção material colocarão em risco as prioridades estratégicas de longo prazo.
Com isso, virão com o tempo os controles de produção autoinduzidos.
Mas esses controles não trarão de volta o nível de demanda pré-crise. Para que essa demanda retorne, os consumidores novamente devem ser sentir seguros para retomar suas vidas como antes, o que só deve acontecer quando uma vacina e um remédio concreto estiverem disponíveis para a Covid-19, um processo que pode levar até 18 meses.