Há uma semana, eu perguntei se o petróleo poderia finalizar o ano a US$ 70 e, na ocasião, eu me referia ao barril de Brent, referência mundial da commodity.
No momento em que escrevo, o Brent está no vermelho no pregão da tarde em Cingapura, cotado ao redor de US$ 65, e os touros não parecem estar com muita pressa para chegar à marca de US$ 70. O que não deixa de ser uma surpresa, porque, em teoria, duas grandes incertezas nos mercados supostamente evaporaram na sexta-feira: as tarifas adicionais dos EUA contra a China e o impasse torturante do Brexit.
Das duas, a mais importante era a decisão do governo Trump de não aplicar sua nova e famigerada tarifa de 15% sobre US$ 160 bilhões de importações chinesas. O governo declarou que manteria as tarifas anteriores de 25% sobre US$ 250 bilhões de outras importações chinesas, além de uma taxa de 7,5% sobre um lote separado de produtos no valor de US$ 120 bilhões. Mas elas eram necessárias para pressionar os chineses a comprar US$ 50 bilhões de produtos agrícolas norte-americanos por ano, como indicou a Casa Branca.
Não se sabe ainda se a China ratificará a primeira fase do acordo, como afirma Trump
Os chineses não disseram muita coisa. E esse é o problema: sem uma assinatura televisionada, não havia uma forma de saber se eles realmente concordaram com tudo o que Trump estava dizendo ou se só estavam ganhando tempo, já que a urgência política parecia estar no centro da ação. Como Trump disputará a reeleição daqui a 11 meses, parece que o seu foco é conseguir o máximo de vitórias possível, enquanto seus opositores no Congresso tentam aprovar seu impeachment por um suposto abuso de autoridade.
O presidente da China, Xi Jinping, também sofre pressão para interromper a aplicação de mais tarifas que possam prejudicar a segunda maior economia do mundo.
“Depois de tudo o que aconteceu nos últimos 17 meses, os mercados esperam detalhes precisos sobre o que os dois lados acordaram, a fim de avaliar o sucesso das negociações futuras”, declarou Adam Sarhan, fundador e CEO da 50 Park Investments, um serviço de assessoria de investimentos de mercados globais em Orlando, Flórida.
“O diabo realmente está nos detalhes, e sabemos pouco sobre eles."
Portanto, a questão sobre o Brent a US$ 70 está acompanhada de outra questão igualmente importante: será que os traders de petróleo realmente acreditam na primeira fase do acordo de Trump, no sentido de que já está concluído e agora só falta ser ratificado para todos verem?
Os analistas da ING Economics disseram, em termos bastante precisos, o que o mercado espera de ambos os lados. “O que o mercado precisa agora [...] é de clareza em relação ao que o acordo realmente envolve”, afirmou a ING em uma nota. “Quanto mais tivermos que esperar para saber dos detalhes, mais os participantes do mercado questionarão a qualidade do acordo.”
As autoridades chinesas disseram que um texto de nove capítulos sobre a primeira fase do acordo, que abrange propriedade intelectual, transferência tecnológica, serviços financeiros e resolução de litígios, precisa ser traduzido e passar por uma avaliação jurídica antes de ser assinado. Contudo, eles se mostraram cautelosos com o resultado final, dizendo apenas que ambas as partes deverão ter disposição para resolver as diferenças fundamentais entre elas.
Além dessas diferenças fundamentais, também é preciso considerar a compra de produtos agrícolas norte-americanos no valor de US$ 50 bilhões por ano, como quer Trump. O fato é que os chineses poderiam simplesmente adquirir grãos e ração animal do Brasil ou de qualquer outro lugar do mundo a preços melhores e em quantidades precisas, sem serem forçados a tais compromissos. Sim, os desequilíbrios comerciais precisam ser resolvidos. Mas o presidente Xi também precisa defender o orgulho chinês como potência mundial, e se ele cedesse demais às demandas de Trump poderia transparecer fraqueza perante seu partido no governo e a população chinesa como um todo.
Se a “fase um” gerar dúvidas, quais seriam as chances da “fase dois"?
O caminho tenso a ser trilhado até a fase dois das tratativas comerciais foi reforçado pelo tuíte de Trump na sexta-feira, que disse que as negociações começariam imediatamente e não esperariam até as eleições presidenciais de novembro de 2020. Os chineses não se comprometeram com uma data.
O risco de outra reviravolta nas tratativas – e de o presidente dos EUA mais uma vez levantar o porrete tarifário contra a China – é bastante real, em razão da “imprevisibilidade geral inerente ao estilo diplomático de Trump”, ressaltou Richard Anderson Falk, professor de direito internacional e especialista em assuntos chineses, da Universidade de Princeton, em uma reportagem.
Em razão de tais riscos, é compreensível que os hedge funds não mostrem tanta disposição em conduzir o petróleo até US$ 70.
Outra indicação de que os mercados de commodities como um todo não ficaram tão animados com a primeira fase do acordo comercial reside é o fato de não ter havido uma queda brusca no ouro na semana passada. Considerado um ativo de proteção nessa disputa comercial que já dura 17 meses, os preços do ouro se estabilizaram na faixa superior dos US$ 1.400 na semana passada, fechando acima de US$ 1.480 por onça. Apesar de ter caído no pregão asiático desta segunda-feira, não se distanciou muito dos picos de sexta-feira.
Oferta de petróleo é outra preocupação do mercado
A suspeita em torno da oferta petrolífera pode ser outra razão para a cautela.
Como notou Julian Lee, analista de petróleo da Bloomberg, em sua coluna no fim de semana, a promessa da Opep de cortar 2,1 milhões de barris por dia (bpd), ou 2,1% da oferta mundial, dependia do cumprimento do acordo por parte de cada membro e aliado do grupo, em especial dos “violadores em série”, como Iraque, Nigéria e Rússia. Mesmo que isso acontecesse, os novos cortes dificilmente ficariam acima do acordo anterior de retirar 1,2 milhão de bpd, afirmou o analista.
Segundo Lee:
“A nova meta voluntária da Arábia Saudita de 9,744 milhões de bpd está apenas 5.000 bpd abaixo do que produziu em média nos últimos nove meses, de acordo com os números de produção fornecidos à Opep. Isso não é um corte de jeito nenhum.”
O lado positivo é que o Brent se valorizou US$ 4 nas últimas duas semanas e, se esse vigor continuar, poderá testar o alvo de US$ 70 antes do estouro do champanhe no ano-novo.
Se isso acontecer, a questão seria: será que ele vai conseguir se segurar nessas máximas?