Quem acompanha de perto o que acontece no mundo das finanças (para além das notícias diárias e superficiais sobre flutuações de preços de ativos) sabe que tem havido uma revolução constante naquilo que se convencionou chamar de finanças comportamentais. Nas minhas publicações anteriores nesta coluna, tive a chance de me aprofundar nestes aspectos com mais calma. Fica o convite para a sua leitura.
O fato é que, hoje, temos ciência de que o nosso processo de tomada de decisão não é 100% racional, diferentemente do que pensávamos há algumas décadas. As nossas emoções possuem uma influência gigantesca na hora de fazermos escolhas nas mais variadas esferas de nossas vidas, seja pessoal, profissional, acadêmica, esportiva, amorosa, etc.
Por esse motivo, tem sido cada vez mais comum levarmos também os problemas financeiros ao divã, isto é, ao consultório de psicanalistas, psicólogos e psiquiatras. Afinal de contas, você há de convir que uma mera recomendação do tipo “gaste menos do que você ganha” ou “construa uma reserva para imprevistos” apresenta uma série de dificuldades práticas para nós, reles mortais, efetivamente colocarmos em prática em nossas vidas.
Infelizmente, não são todas as pessoas que conseguem seguir estas recomendações de maneira disciplinada, mesmo entendendo a sua importância na teoria. Isso ocorre de modo parecido com aquelas pessoas que sabem da importância dos exercícios físicos, alimentação balanceada e sono regulado para uma boa saúde, mas não conseguem criar o hábito.
Levando tudo isso em conta, temos chegado à conclusão de que uma mudança de rota pode ser mais facilmente alcançada com a ajuda de profissionais qualificados, com uma boa bagagem teórica para navegar por estes mares aparentemente desconectados, mas que também apresentam muitas semelhanças.
O papel dos psicanalistas financeiros (nos EUA e no Brasil)
Nos Estados Unidos, a figura do psicanalista financeiro é relativamente comum. Esses profissionais ajudam os indivíduos a entenderem suas emoções e comportamentos em relação ao dinheiro, oferecendo uma abordagem holística para a saúde financeira.
Eles trabalham para ajudar as famílias a desenvolver uma compreensão mais profunda de seus hábitos financeiros e emocionais, e como esses dois estão interligados. Além disso, buscam desmistificar os medos e ansiedades associados às finanças, permitindo que as pessoas tomem decisões mais conscientes e equilibradas.
No Brasil, essa prática ainda não é tão difundida, mas acredito que estamos caminhando nessa direção. A crescente conscientização sobre a importância da educação financeira e o impacto das emoções nas decisões econômicas está abrindo espaço para que mais pessoas busquem esse tipo de apoio.
Como especialista em finanças pessoais, vejo o valor de integrar aspectos emocionais e comportamentais no planejamento financeiro, ajudando pessoas a alcançar uma relação mais saudável com o dinheiro. No entanto, é importante buscar com cautela este tipo de profissional, pois ainda há muitos sem a qualificação necessária.
Finanças a dois: maiores dores relatadas nos consultórios
Quando se trata de vida a dois, os desafios financeiros podem se tornar mais complexos. Aproveitando o Dia dos Namorados, celebrado no próximo dia 12, considero interessante refletirmos sobre como os casais lidam com essas questões, pois as diferenças financeiras entre os parceiros podem gerar tensões significativas.
Nos consultórios, alguns dos maiores problemas relatados por casais incluem a falta de comunicação sobre finanças, divergências na forma de gastar e poupar dinheiro, e a pressão causada pelas desigualdades de renda.
Novas dinâmicas de dinheiro entre casais
É interessante observar como as dinâmicas entre casais podem variar drasticamente. Por exemplo, alguns casais compartilham a responsabilidade financeira igualmente, enquanto em outros, apenas um dos parceiros trabalha ou um ganha significativamente mais que o outro. Essas diferenças podem, muitas vezes, criar tensões e estigmas que precisam ser superados para que a relação se mantenha saudável e equilibrada.
A melhor hora para falar sobre o assunto
Por isso, acredito que a melhor forma de falar sobre dinheiro na vida a dois é, na minha experiência, logo quando a relação começa a gerar um compromisso, ou seja, a “ficar séria”. Assim que o casal começa um relacionamento, é importante fazer um combinado, discutir como vão ser as coisas. Porque, a partir do momento em que há o compromisso, começam a aparecer as viagens a dois, os jantares, os eventos. Aí, as despesas começam a aumentar de forma recorrente e regular. Gasolina ou passagem para viagens, todas essas coisas.
Outro ponto crucial é a transparência financeira. A pior coisa que um casal pode fazer é esconder problemas financeiros do outro. Não ser 100% transparente sobre a vida financeira, fazer coisas escondidas nas finanças, endividar-se e não falar para a pessoa. Isso é a pior coisa que pode acontecer para um casal em termos de vida financeira. Se um casal investir fortemente em uma transparência financeira muito aberta, tem grandes chances de que este assunto não se torne um problema e um motivo de separação.
Nesse sentido, veja o que pode ser importante abordar na hora de ter a temida conversa sobre dinheiro em casal com base em diferentes dinâmicas internas.
Casais onde ambos trabalham
Quando ambos os parceiros trabalham, pode parecer mais fácil administrar as finanças. No entanto, essa configuração também traz seus desafios. É comum que surjam discussões sobre como dividir as despesas, quem paga o quê e como lidar com a poupança e os investimentos.
Em minha experiência, percebo que a transparência e a comunicação são essenciais. Definir metas financeiras conjuntas e estabelecer um orçamento que contemple os desejos, capacidades e necessidades de ambos pode ajudar a evitar conflitos.
Casais onde apenas um trabalha
Nos casos em que apenas um dos parceiros trabalha, seja por escolha ou necessidade, a dinâmica financeira se torna ainda mais delicada. O parceiro que não trabalha pode sentir-se dependente ou inseguro em relação ao futuro. A chave aqui é o respeito mútuo e o reconhecimento do valor que cada um traz para a relação, independentemente da contribuição financeira direta.
Lembrando: este modelo não é errado logo de cara. O errado é não conversar a respeito. É fundamental que o parceiro que trabalha não veja o outro como um peso, mas como um colaborador em outras áreas importantes da vida conjugal, como cuidar da casa ou dos filhos, com o cuidado para não limitar a vida e a liberdade daquele sem trabalho formal, casos conhecidos como violência financeira a patrimonial.
Quando um ganha mais que o outro
Outra situação comum é quando um dos parceiros ganha significativamente mais que o outro. Essa disparidade pode gerar sentimentos de inferioridade ou inveja, e é fundamental abordar essas questões de forma aberta e honesta.
Sempre recomendo que os casais discutam suas expectativas e estabeleçam acordos claros sobre como lidar com essa diferença de renda. É importante que ambos se sintam valorizados e que suas contribuições, financeiras ou não, sejam reconhecidas.
Superando os estigmas
Superar os estigmas associados às diferentes dinâmicas financeiras nos relacionamentos exige empatia, comunicação e comprometimento. Cada casal é único e não existe fórmula mágica que funcione para todos. O importante é encontrar um equilíbrio que funcione para vocês dois, respeitando as individualidades e fortalecendo a parceria.
Neste Dia dos Namorados, convido vocês a refletirem sobre as suas próprias dinâmicas financeiras e a buscarem formas de melhorar a comunicação e o entendimento mútuo. Afinal, o amor é a base de tudo, e quando aliamos isso a uma gestão financeira saudável, podemos construir relacionamentos mais estáveis e felizes. Feliz Dia dos Namorados!