A China já provou que pode usar suas cartas na manga para influenciar o mercado.
Como maior importador de commodities, Pequim geralmente compra matérias-primas acima das suas necessidades e reserva boa parte delas para momentos de restrição de oferta ou preços caros demais. Assim, os chineses conseguem utilizar seus estoques para manter sua economia rodando.
A estratégia funcionou até agora para grãos e metais. E, na quinta-feira, a China também provou que pode fazer isso com o petróleo. Em uma intervenção sem precedentes no mercado mundial, o país asiático liberou petróleo das suas reservas estratégicas pela primeira vez, com o explícito objetivo de reduzir os preços. A manobra deu certo e fez a cotação do petróleo cair quase 2% no dia.
Mas a questão é: até quando os chineses conseguirão se dar bem com isso?
Existe uma enorme diferença em lidar com países como Brasil e Estados Unidos, no mercado de soja, ou Chile e Rússia, no cobre, e negociar com uma aliança como a Opep+, no petróleo.
Opep+ não ficará parada
Com os grãos e metais, quando as compras caem, os vendedores dos países produtores geralmente reduzem os preços até a demanda se normalizar. Mas, com a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) e seus aliados, o mais provável é que aconteça o contrário. Quando os preços começam a cair de forma constante, a aliança se articula para cortar a produção e fazer o mercado voltar a subir, geralmente para um nível mais alto do que o anterior à queda.
Vamos acompanhar até quando os chineses conseguem seguir com esse jogo e qual será o nível de condescendência do cartel, cuja aliança mais ampla compreende os 13 membros originais da Opep, liderados pela Arábia Saudita, mais 10 países produtores sob os auspícios da Rússia.
Vejamos o que temos até agora:
Em um anúncio no final da quinta-feira, a administração das Reservas Nacionais Estratégicas e Alimentos da China declarou que o país utilizou suas próprias reservas para “reduzir a pressão dos preços das matérias-primas”. A agência não forneceu maiores detalhes, mas pessoas familiares com a questão disseram à Bloomberg que o anúncio referia-se a milhões de barris oferecidos pelo governo em meados de julho.
Para quem não se lembra, as manchetes de cerca de dois meses atrás sugeriam que a China havia começado a diminuir suas compras de petróleo, da mesma forma como fizera com as importações de cobre anteriormente. Mas a reação do mercado, naquele momento, foi bastante comedida, de modo que a história acabou morrendo em questão de dias, permitindo que os preços retornassem à sua trajetória de alta após uma leve queda.
China indica que liberações de estoques podem durar por mais algum tempo
Desta vez, contudo, a agência que administra os estoques chineses demonstrou disposição em gerar um impacto prolongado e apresentou sua ação com uma linguagem cuidadosamente ponderada. Ela disse que uma rotação “normalizada” de petróleo nas reservas estatais é “uma importante maneira de as reservas exercerem seu papel de equilíbrio de mercado”, indicando que pode continuar liberando barris. Em outras palavras, a agência chinesa afirmou que, ao colocar o petróleo estocado no mercado através de leilões, estabilizaria “a oferta e a demanda internamente”.
Está claro por que Pequim está fazendo isso. A disparada dos custos de energia no país, não só do petróleo, mas também do carvão e do gás natural, bem como a falta de eletricidade em algumas províncias, estão obrigando algumas fábricas a cortar sua produção. A inflação está subindo rapidamente, gerando dor de cabeça para a classe política em Pequim.
A inflação na porta das fábricas chinesas acelerou em agosto e atingiu seu valor mais alto em 13 anos, somente um mês após a Casa Branca publicamente pedir que a Opep+ produzisse mais petróleo, diante do aumento dos preços nas bombas de combustíveis nos Estados Unidos. Juntas, as ações em Pequim e Washington sugerem que os dois maiores países consumidores de energia encaram com preocupação o barril de petróleo a US$70-75. Para aumentar o estresse dos dois países, o furacão Ida gerou graves transtornos para boa parte da produção de petróleo nos EUA no fim de agosto, afetando a oferta para a Unipec, da China.
A China geralmente mantém segredo quanto à quantidade exata de barris que mantém em estoque. Os últimos números da sua Reserva Petrolífera Estratégia (RPE) foram divulgados em 2017, quando se soube que a capacidade total da reserva era de 37,73 milhões de metros cúbicos, ou 237.66 milhões de barris, de petróleo bruto.
De acordo com a Energy Aspects Ltd., o maior país importador de petróleo do mundo acumulou uma reserva estimada de 220 milhões de barris na última década. O armazenamento difere de outras RPEs mantidas nos EUA e Europa, que só são usadas em caso de falta de oferta ou guerras. A China, no entanto, está sinalizando que pretende usar suas reservas para tentar influenciar o mercado.
Reservas chinesas podem durar 17 meses com uso diário
O consumo de petróleo da China era de cerca de 14.225 barris por dia em dezembro de 2020. Se aplicarmos esse valor às reservas estimadas pela Energy Aspects, o estoque pode durar 515 dias, ou cerca de 17 meses.
A China emergiu como a terceira força negativa contra o petróleo, gerando mais dúvidas sobre a perspectiva de demanda. O país não é apenas a grande responsável pelos superciclos de commodities, ele também pode atuar como “urso silencioso” quando os preços começam a prejudicar sua economia.
Mas alguns observadores de longa data do mercado de petróleo, como John Kilduff, do hedge fund de energia Again Capital, afirmam que a mão da China nessa situação pode estar superestimada.
“Com base em seu sucesso passado com os metais e outras commodities, eles acham que conseguem gerir a inflação da sua economia através de controles de preço do petróleo também”, afirmou Kilduff.
“Eles podem ter algumas cartas na manga, mas a estratégia nunca será duradoura, em vista da reação que podemos ver da Opep+. No longo prazo, a China provavelmente descobrirá do jeito mais difícil que é difícil manter isso.”
Desde que assumiu o controle do mercado de petróleo no auge da pandemia de coronavírus, que dizimou a demanda, os cortes de produção da Opep+ permitiram que os preços se recuperassem das suas mínimas de 2020. Somente agora a aliança começou a aumentar sua oferta, mas pode voltar atrás num piscar de olhos caso as liberações de estoques da China comecem a prejudicar seu mercado.
Impacto do uso das reservas nos preços pode se dissipar
Kilduff afirmou que o impacto da RPE, como ferramenta de equilíbrio de mercado em si, estava se dissipando ao redor do mundo.
“Uma prova disso é a liberação de estoques nos EUA sempre que as condições do mercado ficam muito restritas. Ninguém mais presta atenção a isso, e o preço do petróleo geralmente cai pouco toda vez que se usa a RPE nos Estados Unidos”.
Embora ambas as referências do mercado (Brent e WTI) estivessem presos abaixo de US$75, Kilduff acredita que haverá uma valorização durante a estação fria no hemisfério norte.
“O inverno aumentará a demanda por óleo de calefação e de todas as formas de destilados, inclusive combustível de aviação, caso as viagens internacionais sejam retomadas com a redução do impacto da Covid.”
Mas alguns acreditam que a China também pode tomar outras ações para arrefecer o mercado.
Osama Rizvi, analista de energia da Primary Vision Network, afirma que o petróleo pode não atingir a marca de US$100 por barril, apesar da demanda, muito por causa da China.
Segundo Rizvi:
“A China estocou um enorme volume de petróleo quando os preços atingiram a mínima de 20 anos e durante a recuperação dos preços. Por isso, deverá usar suas reservas em vez de importar petróleo caro. Embora isso não deva mudar os fundamentos do mercado petrolífero, a redução das importações chinesas certamente será um dos fatores que podem acabar mudando o sentimento dos investidores”.
Conclusão: Não se deve desprezar o imenso poder que a China tem de influenciar tanto a demanda quanto os preços do petróleo.
Da mesma forma, não se pode ignorar a determinação da Opep+ em evitar um crash no mercado e o aumento da demanda de inverno no hemisfério norte.
Aviso de isenção: Barani Krishnan utiliza diversas visões além da sua para oferecer aos leitores uma variedade de análises sobre os mercados. A bem da neutralidade, ele apresenta visões e variáveis de mercado contrárias. O analista não possui posições nos ativos e commodities sobre os quais escreve.