No meu último artigo (que gerou bem mais polêmica do que eu imaginei, diga-se de passagem) eu comentei o porquê de eu estar assustado com o cenário internacional afetando a nossa já abalada economia.
Dentre os pontos elencados podemos citar: 1) O Brexit e seu interminável ‘vai-não-vai’, 2) A desaceleração econômica da Europa e 3) A guerra comercial China-EUA.
E salvo alguns comentários agressivos, a maioria foi bem comedida em comentar o que achava também desses três grandes problemas que vem à frete. Mas o que me chamou a atenção foi o fato que a maioria das pessoas até concordavam com os pontos do Brexit e Europa, mas achavam que a China continua firme e forte no seu rumo à maior economia do planeta.
Pois bem, pensando nisso, o artigo de hoje visa debulhar um pouco mais sobre a economia chinesa, abordar os pontos que preocupam, entender para onde eles estão indo e dar minha opinião sobre a segunda maior economia do planeta. Vamos lá!
China: a moça maquiada bonita.
Antes que eu seja acusado de qualquer coisa, calma, a referência do título acima faz jus aos vídeos que constantemente o Facebook me recomenda de mulheres asiáticas mega maquiadas e produzidas que, conforme vão retirando as camadas e mais camadas de maquiagem, vão se tornando pessoas bem diferentes (e menos atraentes) daquelas que iniciaram o vídeo.
Essa é então a exata sensação que eu tenho hoje quando eu paro para ver os números da economia chinesa.
Conforme eu já havia dito no outro artigo, diferentemente da maioria das economias das Américas e Europa em que nós podemos ter algum grau de confiabilidade dos dados estatísticos que recebemos, na China nós temos sempre de olhar o que sai nas notícias com um pé atrás.
Isso porque hoje é sabido que SIM, o governo manipula e divulga números que não traduzem exatamente a situação econômica e social do país. Mas aí você pode me argumentar que na maioria dos países é o governo também quem divulga seus dados. Concordo, mas a diferença para o Brasil, EUA e outros países é que por aqui nós temos institutos de pesquisas independentes e, acima de tudo, uma imprensa livre.
Na China, quase toda a imprensa (relevante) é estatal, ou seja, dá para imaginar que o que é divulgado na mídia fica sob total controle do governo. São mais de 200 jornais especializados e divididos em diferentes temas que mais do que passar notícias, moldam o modo como os chineses veem e percebem seu país e o mundo.
E antes que você me acuse de golpista ou algo do tipo, saiba que não sou eu quem está dizendo isso! Diversas ONGs ao redor do mundo classificam o país como um dos mais ditatoriais quando o assunto é liberdade de expressão. Dentre eles temos os Repórteres sem Fronteiras que classifica a situação do país como “muito séria”, a Freedom House como “imprensa não livre” e a OpenNet Initiative como “censura amplamente difundida”, quando o assunto é internet.
Então, aquilo que recebemos não passa então de uma, das várias camadas de informações distorcidas que temos acesso para poder calcular o quão de fato é grande essa máquina industrial que abriga hoje o parque industrial do mundo. E conforme vamos tirando essas camadas de maquiagem, a economia chinesa parece bem menos atraente, tal qual as já referidas moças.
Em estudo recente, economistas e acadêmicos do instituto de pesquisas econômicas Brookings Institution, afirmaram que hoje a economia chinesa é algo em torno de 12% menor do que os dados oficiais divulgam ser, além de que o país vem inflando seu crescimento anual em 2% ao ano. Nesse caso, a desaceleração asiática que todos temem pode não só estar ocorrendo agora, como já ter ocorrido e o governo chinês vem soltando essas informações em doses homeopáticas, a fim de não alarmar o mundo todo.
(Veja o estudo completo (em inglês))
China e suas metas – tudo para dar errado.
Mas afinal, o que levaria ao governo chinês a mentir sobre seu real tamanho? Se equiparar aos EUA? Dominar o mundo? Nada disso... o real motivo é bem menos maquiavélico, porém bem mais lucrativo: dinheiro.
No modelo de planejamento centralizado do governo chinês, as províncias e estados fazem parte de um plano de metas econômicas que todos devem seguir, sendo os governantes locais recompensados por atingir determinadas metas que, eles não têm a menor obrigação de concluir de fato, mas sim maquiar que atingiu.
Pense bem, se você só precisasse apresentar para o seu chefe o porquê você merece um salário melhor sem de fato ter de comprovar nada, o que você faria?
O estudo chegou à essa conclusão verificando que, calculando individualmente o tamanho da economia de cada estado e convertendo ela para nível nacional, os números simplesmente não conversavam.
Mas porque o governo não faz nada? Bem, corrupção é outra coisa que a China é muito boa em fazer, visto que o seu governante promoveu recentemente um artifício legal que o permita continuar por mais mandatos... isso te soa familiar?
House of cards, cai um cai todos!
Quem nunca tentou montar uma casa de cartas em algum momento de tédio? Aquela que no começo é fácil de montar, mas que com o passar do tempo quanto maior fica mais difícil de sustentar, ao ponto que depois de um tempo a mais leve brisa derruba toda a estrutura.
Isso é exatamente o que vem acontecendo com a economia chinesa.
Dado após dado, notícia após notícia, nós vamos percebendo que a máquina industrial chinesa que outrora parecia não demonstrar cansaço finalmente foi trazida à regra de qualquer economia capitalista genuinamente realista: crises.
Não importa o quão grande é a sua economia e meios de produção. Uma hora ou outra o sistema capitalista colapsa momentaneamente para que ele mesmo se reajuste. Isso é uma questão de lógica econômica.
Um país, empresa e famílias simplesmente não podem crescer para sempre. Isso porque conforme vamos expandindo uma economia, os preços dos ativos começam a se inflar dada às expectativas das pessoas de que ela vai continuar crescendo e isso gera bolhas. O estouro das bolhas serve então justamente para trazer um pouco de racionalidade aos mercados quando ela faz com que os preços se reajustem de acordo com a nova ordem de oferta x demanda.
Mas ao contrário do que manda os bons manuais de gestão, os governos parecem não querer que a economia sofra nenhuma queda e por conta disso continuam inflando as suas economias até não poderem mais.
Isso é até esperado em um mercado de um país democrático, afinal, como há a troca de governos periódicos, nenhum presidente vai querer que a bomba estoure em suas mãos para ele poder se reeleger. Então eles vão adiando e passando essa batata quente de mão em mão até que alguém finalmente grite... QUEIMOU!
Mas em uma economia como a da China, não tem porque ser assim. Afinal, lá o partido, o PCC (Partido Comunista Chinês) é uma entidade única, sendo que seus líderes são escolhidos por um conselho. Dessa forma eles poderiam (e deveriam) serem mais honestas na divulgação e gerenciamento de sua economia.
Porém, não é o que ocorre e dado que o PCC é um governo extremamente controlador, dificilmente veremos num futuro próximo o governo abrindo seus dados reais e informando de fato o quanto a sua economia mede ou como ela de fato está no quesito da desaceleração.
O que nos resta então é acompanhar o pouco de notícias que o mercado nos dá para tentar imaginar a que pé anda a sua, agora cada vez mais perto, crise. E isso é perceptível dado o elevado nível de medidas as quais o governo vem recorrendo para tentar manter suas metas de crescimento bastante exageradas.
Só no começo de março saíram notícias sobre o fortalecimento do papel do estado chinês na criação de estímulos, principalmente creditícios, para reaquecer os mercados. A agência de planejamento estatal do país informou que vai implementar medidas para aumentar o consumo doméstico neste ano através da facilitação de acesso ao crédito pelas famílias.
Além disso, estão sendo feitos uma série de cortes nos impostos de diversos setores a fim de incentivar que as empresas utilizem o dinheiro outrora destinado ao Estado na expansão de suas produções e contratações.
Mas tudo isso são apenas medidas paliativas para um caso de paciente que caminha lentamente ao seu fim. Nós já vimos e constatamos diversas vezes na história que esse caminho não é o ideal a ser seguido.
Caso recente foi o brasileiro que, no começo de sua desaceleração econômica, mesmo quadro clínico atual chinês, optou pelo mesmo pacote de medicamentos... e sabemos no que deu.
A redução de impostos não se traduziu em maiores investimentos uma vez que as empresas temendo o futuro preferiram criar reservas de caixas para eventuais solavancos e mantiveram sua produção e quadro de funcionários estáveis. Então, a redução de impostos só serve para diminuir as receitas do governo e deixar ele cada vez com menos espaço para administrar outras margens de manobra.
Tem também o tal do incentivo de crédito às famílias. Aqui o Brasil ele serviu apenas para endividar as famílias que já estavam apertadas e, com o agravamento da crise, se viram sem renda e com um valor a ser pago aos bancos. Em resumo, medidas que mais atrapalham do que ajudam.
Mas e o acordo China-EUA... sai?
Eu particularmente acho que não. Ou melhor, não no curto prazo (dentro desse ano) como todos esperam e querem acreditar. Isso porque ambos os países ainda estão muito sentidos das recentes trocas de farpas que foram feitas ao longo de 2018 que mais pareceu uma discussão de primeira série para vem quem tinha o brinquedo melhor.
China e Estados Unidos passaram quase todo o ano de 2018 medindo forças e trocando ameaças em um cabo de guerra para ver quem aguentava mais as retaliações do outro. Foram diversas barreiras e trocas de impostos um contra os produtos do outro que levaram ambos a saírem machucados, ao ponto de fingirem uma trégua para discutir uma solução amigável. A China, maior prejudicada nessa breve guerra viu suas exportações caírem mais de 20% só em fevereiro. Baita queda!!
Por isso que eu acredito ao meu ver que ambos estão apenas ganhando tempo para juntar suas forças econômicas e com isso novamente atacar seu adversário nessa guerra fiscal.
Prova de que os países não são amiguinhos nem nada foram as recentes troca de farpas não diretas, como havia sido antes, mas sim indiretamente, um medindo força com o outro através de seus aliados ao redor do mundo.
Primeiro foi com a prisão de uma alta diretora da Huawei sob a desculpa de espionagem industrial e tecnológica. Mas isso não ocorreu em solo norte americano e sim em solo canadense, o que gerou todo um estresse, pois afinal todos sabiam que a ordem veio do governo dos EUA.
Depois foi a posição extremista que cada país tomou no que tange à crise venezuelana, com ambos tomando lados contrários. Esses detalhes podem escapar aos olhos dos desavisados que leem apenas o superficial da notícia, mas deixa vários sinais nos pormenores das entrelinhas desse jogo que são as relações internacionais.
Por fim, o embaixador dos EUA na China, Terry Branstad, afirmou que apesar das conversas estarem avançando os presidentes dos dois países não tem ainda nenhuma data ou plano de se encontrar por hora, lembrando que a trégua comercial dos países a respeito de impostos termina agora no fim de março (com outro evento turbulento, o Brexit).
Esses pontos expostos, me levam a acreditar então que nem China nem EUA vão se organizar a tempo antes das novas rodadas de embargos fiscais e, pior ainda, da desaceleração chinesa se tornar tão forte que a faça sair mais prejudicada desse embate e, finalmente seja alcançada pela lógica de mercado: as crises!