Relatos recentes na imprensa internacional apontam a economia chinesa em “má forma”, com muitos se perguntando o que aconteceu com o “milagre chinês”. Porém, trata-se de uma visão míope do Ocidente, em especial, sobre as recentes medidas do governo chinês, que foram adotadas para reforçar a atividade da China no curto prazo, de modo que beneficie - e não sacrifique - o crescimento no longo prazo.
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Essa reflexão requer, inicialmente, levar em conta os desafios no horizonte. Para tanto, irei tratar, de forma resumida, sobre a situação atual do setor imobiliário, da demanda doméstica e do sistema industrial chinês, visando apontar os problemas e as oportunidades na economia chinesa em diversos aspectos.
É importante notar que a economia chinesa está em desaceleração, depois de não ter alcançado a esperada “retomada” após o fim das medidas contra a covid-19. A atividade industrial tem se contraído ao mesmo tempo em que os preços ao produtor (PPI) têm caído.
Há também uma baixa confiança do consumidor e, portanto, menos gastos. Ou seja, as pessoas estão preocupadas com o futuro e esperam que os preços caiam ainda mais antes de voltarem a consumir. Mais que isso, o desemprego entre os jovens atingiu níveis recordes, em um momento em que a população chinesa está envelhecendo e encolhendo.
Ao mesmo tempo, a demanda externa caiu, enquanto as tensões internacionais aumentaram. Além disso, o mercado imobiliário está com problemas há algum tempo, sendo que o setor representa cerca de 30% do Produto Interno Bruto (PIB) da China, sendo uma importante fonte de receita para os governos locais.
Porém, as lideranças chinesas estão otimistas de que a economia tem uma enorme resiliência e potencial para desenvolvimento, com os fundamentos sólidos a longo prazo permanecendo inalterados.
O que fazer?
Diante disso, a dúvida que fica é: como o governo chinês está enfrentando esses desafios? Para responder a essa pergunta, a primeira coisa é dizer o que os líderes chineses não estão fazendo.
A China não está promovendo uma injeção maciça de recursos no sistema financeiro, de modo a estimular de forma generalizada a economia real, tal como fez na crise de 2008. As lideranças chinesas sabem que os benefícios de curto prazo de tal medida não compensam o custo nem o aumento da dívida no longo prazo, bem como a queda na produtividade.
Assim, para a China, nenhum estímulo massivo é um bom sinal. Por isso, o presidente chinês Xi Jinping enfatiza a importância do desenvolvimento de alta qualidade, que não pode ser alcançado com dinheiro rápido.
Indústria forte e moderna
A China se concentra na qualidade do seu desenvolvimento econômico, visando criar um sistema industrial moderno, que otimiza o mercado desempenhando um papel decisivo em um ambiente dinâmico. Para o governo chinês, isto é muito mais relevante e sustentável do que o antigo modelo de indústria pesada, que gera crescimento econômico elevado, porém com uso intensivo de energia.
Para realçar esta transformação, Xi Jinping apresentou um termo que explica o “estado da arte” da indústria moderna: novas forças produtivas. Isso significa novas formas de crescimento da economia derivado de contínuos avanços científicos e tecnológicos em um ambiente mais inteligente e informacional.
Sabe-se que a desaceleração da economia chinesa e os riscos no sistema financeiro da China aumentaram, à medida que o bem-sucedido modelo de crescimento econômico orientado às exportações e alimentado por investimentos em ativos fixos atingiu a idade de “aposentar-se”.
Consumo do futuro
A única forma de a economia chinesa alcançar um crescimento sustentável a longo prazo, é desviar a atividade econômica do caminho do investimento em direção ao consumo das famílias. Atualmente, a demanda doméstica corresponde a 38% do PIB da China. Trata-se de um patamar muito inferior à média global de 60%, enquanto nos EUA, o consumo representa cerca de 70% do PIB.
Agora, a nova fase do crescimento econômico da China enfatiza o desenvolvimento de alta qualidade e o consumo interno. Esta é uma visão para o futuro. O motor desse modelo, claro, é a confiança do consumidor. Isso significa que as pessoas precisam gastar hoje, sem se preocupar com o que pode acontecer amanhã. Este é o dilema atual.
Para tanto, é preciso alcançar as metas de modernização da indústria, de revitalização agrícola e de urbanização. Por isso, a China pretende impulsionar o investimento no consumo - e não mais em ativos fixos - otimizando a distribuição, reforçando a qualidade do abastecimento e melhorando o sistema de mercado.
Mãos à obra
O governo chinês certamente reconhece a necessidade crítica de estabilizar o setor imobiliário, porém sem fornecer garantias que possam distorcer os mercados. Desde a crise da Evergrande (OTC:EGRNY) em 2021, as incorporadoras chinesas têm sofrido com dívidas enormes, baixa demanda e queda nos preços dos imóveis.
Para tanto, as lideranças chinesas defendem o bom uso da “caixa de ferramentas políticas” para melhor atender às necessidades de moradia e promover o “desenvolvimento saudável” do setor imobiliário. As medidas incluem: aumentar a habitação a preços acessíveis; transformar vilas em aldeias urbanas; construir comunidades com infraestrutura pública de lazer e de emergência; revitalizar diversos tipos de imóveis ociosos.
Diminuir o risco ao setor financeiro, reduzir a dívida do governo local e proteger as instituições financeiras, pequenas e grandes, também fazem parte do plano. Nessa nova ferramenta política, os mutuários com empréstimos pessoais para a primeira habitação podem solicitar à instituição financeira a substituição do financiamento existentente a juros menores.
Além disso, em 2024 e 2025, os contribuintes que venderem as casas que possuem e voltarem a adquirir um imóvel dentro do prazo de um ano após a venda receberão uma restituição do imposto sobre a renda pessoal pago na operação. Mas será que todas essas medidas serão capazes de aumentar a compra de imóveis de forma sustentada ou terão vida curta?
O insight sobre a China
Meu palpite é de que o governo chinês continuará, como é seu método, a monitorizar e avaliar, corrigindo o curso com novas políticas, conforme necessário. A grande visão da China é estabelecer um novo modelo de desenvolvimento econômico, com foco na alta qualidade e no longo prazo.
Por isso, o que o governo chinês vem fazendo é elaborar medidas de ajustes direcionadas, que estão sendo testadas e monitoradas, buscando sempre otimizar e melhorar o resultado almejado ao mesmo tempo em que se reconhece que as condições estão sempre mudando. O resultado final dessa reflexão é que não existe uma política perfeita, nem uma solução mágica.