O viés proibicionista do governo da China não é novidade para ninguém no mundo. Naquele país, o Google, o Facebook, o Twitter e até mesmo a importação de alguns tipos de queijo é proibida.
Na sexta-feira, dia 8 de setembro, a China esteve no centro das atenções do mercado mundial de criptomoedas, quando o site chinês Caixin publicou, em mandarim, uma reportagem que afirmava que agências reguladoras chinesas haviam decidido proibir a operação das corretoras de moedas digitais.
Por ser o país que domina a mineração do bitcoin e de várias outras moedas digitais, além de possuir uma numerosa e vibrante comunidade de usuários da tecnologia, a notícia começou a se alastrar pelo mundo e provocou pânico nos mercados. Na China, houve queda de até 21% no preço do bitcoin.
O Banco do Povo da China (PBoC, na sigla em inglês) e uma série de outras entidades governamentais publicaram, também na sexta-feira, uma versão em inglês do comunicado que trata sobre o aperto na regulação do setor de criptomoedas. O documento, que pode ser lido na íntegra aqui, provocou uma divisão entre a comunidade ocidental.
De um lado, alguns enxergaram passagens no texto que dão, sim, a entender que a diretiva regulatória irá afetar a negociação de bitcoins por moeda local, o yuan. Porém, há quem acredite que o comunicado trate apenas da proibição das Initial Coin Offers (ICOs).
Vamos analisar o documento e as evidências de cada um dos lados.
O título do documento diz:
Public Notice of the PBC, CAC, MIIT, SAIC, CBRC, CSRC and CIRC on Preventing Risks of Fundraising through Coin Offering
Aparentemente, trata-se de um documento que pretende prevenir riscos relativos ao levantamento de recursos por meio da oferta de moedas. Porém, o conteúdo do documento deixa margem para várias interpretações, como veremos abaixo.
Na sequência, temos um trecho de abertura o qual pontua que as ICOs quebraram a ordem econômica e financeira do país e, para proteger os direitos legítimos e interesses dos investidores, além de gerenciar os riscos financeiros, serão postas em prática medidas para banir instituições financeiras ilegais e negócios financeiros ilegais.
O primeiro de um total de seis itens do documento trata de explicar que as ofertas de moedas financiada por moedas virtuais, como Bitcoin ou Ethereum, são ilegais e não têm autorização. Depois, ele diz em quais tipos de atividades criminosas essas ofertas podem ser enquadradas. Então, o documento afirma que as autoridades competentes irão monitorar de perto os desenvolvimentos relativos ao tema e que irão fortalecer a coordenação com os departamentos judiciais e governo locais para acabar com as irregularidades do mercado.
O segundo item afirma que a partir da data de publicação do comunicado, ou seja, 8 de setembro, as ICOs estão banidas e que as organizações que completaram processos de levantamento de recursos por meio de oferta de moedas devem tomar as providências para retornar os fundos aos investidores.
No terceiro e mais polêmico item, temos o seguinte trecho:
From the date of release of this Notice, any so-called platform that provide trading and exchange services for coin offering shall not engage in exchange businesses between legal tender and token or “virtual currency”; or engage in proprietary trading activities or trading as an (sic) central counterparty of tokens or “virtual currencies”; or provide pricing services or act as information intermediary for tokens or “virtual currencies”.
É neste trecho que a comunidade se divide entre os que acreditam que este documento tinha como objetivo tratar especificamente sobre as ICOs e aqueles que interpretam a passagem em negrito como uma diretiva proibicionista para a negociação em plataformas, ou seja, corretoras, de tokens ou moedas virtuais.
A sentença não está muito clara e objetiva devido ao sinal de ponto e vírgula colocado no meio do texto. Mas pode-se fazer a seguinte interpretação:
“qualquer suposta plataforma não deve empreender atividades de negociação proprietária ou negociação como uma contraparte central de tokens ou moedas digitais”.
E então o terceiro item finaliza a diretiva ao dizer que as plataformas de negociação que violarem as leis ou regulações terão seus websites e aplicativos fechados.
Os itens quatro, cinco e seis do comunicado oficial dão outras diretrizes não tão importantes e, por isso, vou pular a explicação detalhada destas partes.
Com base neste comunicado, é possível, sim, entender que o governo chinês quer apertar a regulação das corretoras do país.
As principais e maiores corretoras chinesas, a OKCoin, a Huobi e a BTCChina, em nenhum momento disseram que a notícia circulada pelo Caixin era falsa. As empresas limitaram-se a dizer que não haviam recebido nenhum comunicado oficial do governo. Há quem pense que a frase delas deveria vir acompanhada do advérbio “ainda”.
No Twitter, o CEO da ViaBTC, uma importante mineradora e exchange chinesa, foi direto e bastante claro ao dizer que a China irá fechar todas as corretoras.
As agências Reuters, Bloomberg e a especializada CoinDesk também não cravaram que os rumores são falsos. Todas afirmam que ainda tentam confirmar a diretiva junto ao governo chinês.
O site news.8btc.com, um portal de notícias chinês que publica notícias em inglês, trouxe dois artigos sobre o tema. Um deles afirma que o jogo acabou para as exchanges chinesas e cita, inclusive, uma entrevista com um regulador não identificado que questiona fortemente a operação das corretoras no país. Outro artigo sustenta a tese que as notícias circuladas sobre o tema são falsas.
Nas redes sociais, vários usuários têm caído no erro de criar a sua própria tese sobre o assunto e ir atrás de uma notícia que corrobore suas convicções. No grupo Bitcoin Brasil, por exemplo, muita gente tem chamado a notícia de falsa por ter lido somente comentários e artigos de pessoas que acreditam que a notícia seja falsa. Neste momento de dúvida e incerteza, é importante levarmos em conta todos os fatos e sinais emitidos pelos participantes envolvidos na história, seja o governo chinês, as exchanges e até mesmo os usuários.
Uma coisa é certa: se a China fechar mesmo as corretoras de moedas digitais, veremos o surgimento de um pujante mercado paralelo no país asiático. A alma do bitcoin e das criptomoedas é rebelde, ela é peer-to-peer.