China: Daqui para onde?

Publicado 31.10.2023, 13:00

A Iniciativa Cinturão e Rota (BRI, na sigla em inglês) completou dez anos neste mês. Lançada como uma visão estratégica do presidente Xi Jinping para conectar a China com a Europa através da Ásia Central, expandiu-se, em seguida, para o Sudeste Asiático, Sul da Ásia, Oriente Médio e África, alcançando, depois, a América Latina e, então, todo o mundo em desenvolvimento.

Hoje, com uma vasta gama de projetos e atividades, a BRI é um exemplo da ambição econômica global da China. Diz-se até que a BRI representa a política externa do governo chinês, com o papel de atingir objetivos estratégicos, como a internacionalização do renminbi e garantir recursos naturais, desde o petróleo para energia até lítio para baterias.

De acordo com o Banco Mundial, a renda global deve aumentar 0,7% até 2030 devido à iniciativa chinesa amplamente benéfica para o mundo. O porcentual se traduz em quase US$ 500 bilhões. Além disso, a BRI pode ajudar a tirar 7,6 milhões de pessoas da pobreza extrema e outras 32 milhões de pessoas que vivem em situação de pobreza moderada.

A estimativa é de que nos próximos dez anos, os países da BRI irão aumentar o volume de comércio em US$ 2,5 trilhões, impulsionando a globalização econômica e reduzindo as desigualdades globais. Esses novos modelos de negócios de cooperação facilitariam também o realinhamento geoestratégico, reformando a ordem internacional.

Este é o plano da China. Por isso, a BRI chinesa traz grandes oportunidades ao Brasil, que ainda não faz parte da iniciativa - ao contrário da Argentina. Imagina, então, quão largo e vasto será esse cinturão e essa rota daqui a 10 anos.

Armadilha da dívida

De acordo com o Wall Street Journal, quase 60% dos empréstimos externos da China em 2022 foram obtidos por países em dificuldades financeiras. Trata-se de um percentual expressivo quando comparado aos 5% em 2010. Assim, depois de ‘galvanizar’ quase US$ 1 trilhão em mais de 3 mil projetos de cooperação, Pequim está revendo suas políticas.

Afinal, a economia global em desaceleração, taxas de juro crescentes e uma inflação elevada deixaram os países em desenvolvimento com dificuldades para honrar suas dívidas com a China. Os empréstimos inadimplentes no âmbito da BRI aumentaram para dezenas de bilhões de dólares, enquanto vários projetos foram paralisados.

Por isso, o Ocidente passou a acusar a China de estruturar deliberadamente as suas práticas de crédito para aproveitar os ativos em uma diplomacia calculista da “armadilha da dívida”. Porém, depois de analisar 40 casos de renegociação da dívida externa, os próprios analistas ocidentais desmascararam essa farsa.

Embora as renegociações de dívidas e os países devedores em dificuldades fossem comuns nos acordos com os chineses, as apreensões de ativos eram uma ocorrência rara. Apesar do seu peso econômico, a influência da China nessas negociações foi limitada. com isso, a China se tornou o ator oficial mais importante nas renegociações de dívidas soberanas internacionais. Desde 2008, os credores chineses organizaram pelo menos 70 reestruturações de dívidas de alto risco – mais de três vezes o número de reestruturações soberanas com credores privados.

No entanto, não se pode negar que os empréstimos da China contribuíram para crises da dívida, de múltiplas causas e credores multinacionais, como no Sri Lanka e na Zâmbia. Da mesma forma, novos empréstimos ao Paquistão foram necessários para evitar que a classificação de crédito do país caísse, o que elevaria os custos de manutenção da dívida.

Portanto, a abordagem chinesa de resolução de uma crise da dívida exige, muitas vezes, reestruturações e renegociações. Ainda que os projetos tenham trazido benefícios econômicos, existe um receio de que os ganhos são “marginais”, enquanto os riscos da dívida aumentam, assim como os “efeitos colaterais políticos”.

Os pontos de discórdia enfrentados pelos estrangeiros incluem a propriedade de terra; os direitos trabalhistas e as tensões entre trabalhadores chineses e locais; corrupção e impacto ambiental, além de tensões étnicas.

Projeto do século

Por isso, novos métodos de financiamento de projetos da BRI estão sendo colocados em prática, especialmente através do Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura (AIIB) e o Fundo da Rota da Seda, que trazem padrões globais financeiros, incluindo due diligence rigorosa e sofisticadas estruturas de financiamento, adaptadas aos fluxos de caixa de cada projeto.

Ou seja, as autoridades chinesas estão determinadas a aprender com as lições dos dez primeiros anos de projetos da BRI para melhorar os futuros projetos, tornando-os mais viáveis. Os ajustes de rota concentram-se em reconhecer, avaliar, gerenciar e prevenir riscos, mas também aumenta a sensibilidade da China para questões locais, ajudando os países a desenvolverem suas próprias indústrias para que não se sintam dependentes da China como uma colônia econômica - tida como “neocolonial”.

Olhando para o futuro, a BRI deve mirar projetos que se concentram mais em ciência e tecnologia e na indústria de transformação, aproveitando as vantagens industriais e da cadeia de abastecimento da China. Além de controlar e prevenir os riscos, essa estratégia deve levar a um aumento modesto nas emissões globais de dióxido de carbono.

Com suas 41 principais categorias industriais, 207 categorias intermediárias e 666 pequenas categorias, a China é o único país do mundo que tem todas categorias industriais que seguem a classificação das Nações Unidas. Além disso, as tecnologias da China agora são padrão mundial para veículos de novas fontes energéticas, trens de alta velocidade, equipamentos de engenharia offshore para energia eólica e fotovoltaica, entre outros.

O Presidente Xi enfatiza que os projetos da BRI devem cultivar um novo modelo de crescimento de negócios em áreas como saúde, verde e digital, promovendo o compartilhamento de informações e a capacitação do desenvolvimento sustentável e de baixo carbono. Esses projetos tendem a proporcionar oportunidades para alcançar uma cooperação industrial de alto nível entre os países conectados pela BRI.

Assim, à medida que os projetos da BRI continuam a se desenvolver, tornando-se mais tecnológico e mais direcionado, novas oportunidades surgirão, especialmente para empresas privadas. No passado, as empresas públicas eram bem pagas para trabalhar rapidamente em seus projetos da BRI, com os bancos públicos assumindo todos os riscos financeiros caso os empréstimos fracassassem.

Esta estrutura do lado da China foi uma receita para as empresas estatais fazerem lobby para tornar os projetos maiores e mais caros, concentrando-se mais em construções de curto prazo, o que tornava menor a viabilidade financeira a longo prazo. Hoje, porém, os bancos públicos chineses são mais avessos ao risco e as empresas públicas também passaram a compartilhar os riscos dos projetos, tornando a gestão estatal mais cuidadosa na seleção de projetos e na estrutura financeira.

Portanto, os projetos precisarão ser estruturados e gerenciados com sofisticação e cuidado para maximizar o benefício e minimizar o risco. É por isso que a China reconhece os desafios, ouve as críticas e faz as correções no meio do caminho. A única coisa que não está sujeita à correção é a própria visão de Xi Jinping sobre a BRI, que ele chamou de “um projeto do século”, inscrito na Constituição do Partido Comunista Chinês.

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