Volatilidade e incertezas vão ser preponderantes nos mercados financeiros nacional e internacional no segundo semestre de 2024, impulsionadas pelas eleições nos EUA. Isso pode permitir, no cenário externo, uma correção saudável dos índices de Wall Street, que apresentam sucessivos recordes de pontuação desde maio.
Também vão pesar no balanço dos investidores o enfraquecimento da economia chinesa e preocupações com a desvalorização do iene japonês. Além disso, estarão no radar eventuais recrudescimentos de riscos geopolíticos já precificados ou novos que possam emergir.
Há, no entanto, elementos de definição neste período que vai guiar o cenário econômico para 2025 e os anos seguintes. O Federal Reserve (Fed, banco central dos EUA), pode iniciar o tão esperado corte na taxa de juros, o primeiro desde o início da pandemia em 2020.
Eleições nos EUA
O atentado contra o ex-presidente Donald Trump elevou o seu favoritismo na corrida eleitoral contra o atual presidente Joe Biden, mas sem sacramentar o resultado como alguns analistas se apressaram a apontar, ao associar esse trágico evento com a facada do então candidato Jair Bolsonaro à Presidência do Brasil em 2018. Trump já teria neste período exposição na mídia com a Convenção Republicana, e a tentativa de assassinato neutralizou o discurso agressivo dos Democratas contra o ex-presidente.
Apesar de perder um discurso forte na campanha, os democratas ganham tempo para recalibrar a estratégia, decidindo se mantêm a candidatura à reeleição de Biden ou colocam na disputa outro nome – provavelmente da vice-presidente Kamala Haris. Os democratas vão voltar a ter um enfoque na mídia em agosto, durante a convenção, um período distante do atentado contra Trump e que pode começar a reverter os ganhos que uma violência política pode dar à vítima.
Mas, os mercados passaram a precificar uma vitória de Trump no cenário-base e os investidores vão se posicionar em ativos que podem ser favorecidos em um eventual novo mandato do ex-presidente. A tendência é, neste caso, o favorecimento de ações de empresas petrolíferas, big techs, farmacêuticas e de defesa, mas com aumento do rendimento em aplicações de renda fixa no Tesouro americano com o avanço do risco fiscal.
Um segundo mandato de Trump deve favorecer o corte de impostos às grandes empresas, o que deve elevar o déficit público, atualmente em torno de 7% do PIB. Além disso, eventual adoção de tarifas contra importações de produtos chineses e de outros mercados que ameacem a competitividade das mercadorias americanas tende a ser inflacionárias.
A combinação de déficits públicos elevados com inflação alta é propícia a juros mais altos no longo prazo. Por isso, a renda fixa americana tende a ser um investimento interessante e que começa a ser precificada no segundo semestre deste ano confirmando o favoritismo e vitória de Trump à Casa Branca, especialmente se ela vier com uma “onda vermelha”, ou seja, a conquista da maioria de assentos na Câmara dos Representantes e no Senado pelos republicanos, facilitando a adoção de medidas defendidas por Trump.
No caso de permanência dos democratas na Casa Branca, a tendência é a continuação do crescimento da performance de ações em energia verde e big techs. Mas, com preocupação no risco fiscal, já que os democratas têm a predisposição em aumentar os gastos, o que pode ser limitado caso uma das Casas do Congresso tenha maioria republicana.
Corte de juros nos EUA
Se os dados de inflação ao consumidor continuarem a vir abaixo das projeções do mercado como ocorreram em abril, maio e junho, aumentam as chances do primeiro corte da taxa de juros pelo Fed em 4 anos acontecer em setembro. As projeções do Fed apontam apenas um corte de juros este ano, mas se a autoridade monetária seguir os seus comunicados de ser “dependente de dados”, é possível que haja dois cortes de juros no ano.
Para que este cenário de dois cortes ocorra, o mercado de trabalho precisa apresentar uma desaceleração maior que vem apresentando nos últimos dois meses, combinado com um encaminhamento da inflação acumulada em 12 meses ao centro da meta de 2% ao ano.
O presidente do Fed, Jerome Powell, já deu indicativos em seus últimos discursos que está prestes a mudar a sinalização para um corte de juros. Embora Powell ainda fale que não é possível afirmar que a inflação nos EUA se encaminha para o centro da meta, ele já demonstrou que os juros podem cair se a tendência de queda de inflação continuar, sem a necessidade de a inflação estar a 2% ao ano.
Como isso afeta o Brasil?
Se os dirigentes do Fed começarem a sinalizar, a partir próxima reunião em 31 de julho, o início de corte de juros para setembro, a tendência é da continuação do retorno dos estrangeiros às compras na bolsa brasileira, em um nível mais intenso ao verificado na primeira quinzena de julho. Com isso, o dólar tende a cair em relação ao real.
Para que o Brasil aproveite essa oportunidade, Brasília precisa fazer a lição de casa. O governo federal precisa anunciar um contingenciamento de ao menos R$ 15 bilhões nos gastos previstos no Orçamento deste ano, com o objetivo de cumprir as metas fiscais em 2024. Além disso, o Orçamento de 2025 estará em tramitação ao longo do semestre no Congresso e precisa ter o corte de R$ 26 bilhões, baseado em revisões de benefícios sociais e previdenciários, já anunciados pelo Ministério da Fazenda.
Além disso, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva precisa continuar o seu recuo estratégico em não atacar mais a independência do Banco Central em discursos e em entrevistas à imprensa. Além disso, o anúncio do novo presidente da autoridade monetária no lugar de Roberto Campos Neto deve ser alinhado com o compromisso do governo federal com as atuais regras de funcionamento da autoridade, ou seja, sem esboçar que o novo dirigente do Banco Central estará alinhado com os interesses do Palácio do Planalto.
Em relação à atual gestão da política monetária, a taxa Selic deve se manter em 10,5% até o fim do ano, mesmo com o Fed iniciando o corte de juros. Pesa contra a retomada da queda da Selic a deterioração da expectativa de inflação para 2025 e uma atividade econômica e um mercado de trabalho aquecido, acima das projeções do mercado.