Após os problemas macroeconômicos causados pela pandemia, com paralisação das atividades e forte avanço da inflação depois de estímulos fiscais e monetários, os Estados Unidos estão passando por um imbróglio relacionado ao cenário fiscal do país. Assim como no caso do Brasil, os Estados Unidos precisam se financiar por meio da emissão de dívida para manter o funcionamento da máquina pública. Uma das principais regras de controle fiscal dos EUA é o teto da dívida, mecanismo criado em 1917, que estabelece um limite máximo para o endividamento do governo norte-americano. Ao longo do tempo, o país foi reajustando para cima o teto da dívida para comportar as emissões que garantem o bom funcionamento do governo. Hoje, este limite é de US$ 31,5 trilhões.
Conforme amplamente noticiado pela mídia, apesar do alto valor máximo estabelecido, o país está próximo do limite de endividamento, situação que já ocorreu diversas vezes ao longo do tempo. A solução sempre envolveu o aumento do limite do teto da dívida, permitindo que o governo continuasse emitindo títulos e se financiando no mercado. No entanto, governo e Congresso estão em rota de colisão para chegar a um acordo que permita a flexibilização do atual valor, e o prazo para uma resolução vem se aproximando do fim.
O Congresso dos EUA possui maioria republicana, enquanto o presidente Joe Biden faz parte do partido democrata. As negociações em torno da flexibilização do teto vêm esbarrando na falta de entendimento entre as partes. Enquanto o Congresso quer uma redução dos gastos para aprovar o aumento do limite da dívida, o governo não deseja ceder em suas reivindicações.
A secretária do Tesouro dos EUA, Janet Yellen, ressaltou que o governo pode ficar sem dinheiro já no começo de junho, com o Tesouro inclusive questionando algumas agências estatais quais pagamentos poderiam ser adiados. A grande preocupação, entretanto, é com a possibilidade de os Estados Unidos não honrarem os pagamentos relacionados à dívida, situação que seria inédita e com consequências de difícil mensuração. Como os investidores se comportariam em um cenário de estresse e aversão ao risco, se o que pode ser considerado como o investimento com menor risco do mundo, os títulos do Tesouro americano, estão passando por um calote? Quais seriam as consequências para as curvas de juros dos países desenvolvidos? E as economias emergentes?
Na teoria, um calote na dívida criaria uma necessidade de juros mais elevados nos Estados Unidos, prejudicando ainda mais a economia norte-americana e trazendo maiores preocupações em relação à crise bancária. A agência de rating Fitch colocou o rating “AAA” dos EUA em observação negativa. No entanto, reforçou que espera que um acordo seja realizado até a data limite. Apesar do prazo para um acordo estar terminando, reuniões entre o presidente Joe Biden e o presidente do Congresso Kevin McCarthy ao longo da semana deram um tom mais otimista em direção a um possível acordo. No entanto, ambas as partes ainda não se acertaram a respeito dos termos discutidos.
A curva de juros norte-americana vem subindo em reação negativa a respeito do cenário acima descrito. Adicionalmente, a divulgação da segunda estimativa do PIB dos EUA veio mais forte do a expectativa inicial, sinalizando atividade econômica ainda robusta e pressionando o Fed na condução da política monetária. A ata do FOMC da última reunião também trouxe a percepção de um comitê mais heterogêneo em relação a uma possível pausa ou continuidade do processo de alta na taxa de juros. Logo, o mercado, que antes acreditava em manutenção dos juros nas próximas reuniões, passa agora a precificar a possiblidade de mais dois aumentos de 25bps.
Apesar do cenário conturbado e da proximidade da data limite para flexibilização do teto da dívida, a expectativa ainda é de que um acordo seja atingido em um futuro breve. No entanto, até lá, o mercado seguirá atento e apreensivo diante da situação complexa.