Há vários anos acompanho o trabalho de Max Roser, um pesquisador do Institute for New Economic Thinking (Oxford Martin School). Ele se dedica ao uso de dados globais para estudar as desigualdades em várias dimensões e suas tendências. Roser se comunica com um público mais amplo através, principalmente, de dois sites: https://ourworldindata.org; e https://www.chartbookofeconomicinequality.com.
Roser costuma postar vários gráficos que provêm uma linha do tempo empírica no longo prazo para as enormes mudanças relacionadas ao crescimento econômico. Sua inspiração veio da observação do comportamento de seus colegas economistas, segundo ele, muito teóricos e, em alguns casos, com fortes vieses políticos. Para o pesquisador, muitos economistas parecem evitar evidências empíricas que enfraqueçam seus pontos de vista. "Ao minimizar a abordagem empírica, nós nos privamos de lições essenciais sobre mudanças globais e regionais e seus catalisadores ao longo de grandes períodos de tempo", Roser afirmou. Para ele, os dados deveriam guiar as teorias e não serem utilizados apenas para apoiar um ponto de vista teórico a ser defendido.
Uma análise do PIB per capita mundial, ao longo de um grande horizonte de tempo, traz resultados que podem surpreender. No ano em que Jesus foi crucificado, 25% da população mundial vivia sob o Império Romano e o PIB per capita global era equivalente a US$ 463 (de 1990). Mil anos depois, o mesmo índice havia caído para US$ 453. Passado mais meio milênio, quando Colombo chegava à América, havia aumentado meros 25%. Em 1800, o PIB per capita chegou a US$ 600. Esses dados sugerem que por quase dois mil anos (e, presumivelmente, por incontáveis milênios antes disso) a economia global era quase inerte.
Graças à Revolução Industrial, o PIB per capita subitamente cresceu. Novas tecnologias, melhorias de produtividade e comunicações, comércio e viagens internacionais levaram o PIB per capita para próximo de US$ 6.000 no ano de 2000. Hoje, passa de US$ 12.000 por habitante do planeta (World Bank e OECD). Tal crescimento ocorreu apesar do boom populacional global que multiplicou o número de habitantes da Terra para cerca de 8 bilhões. A inflação em dólar ajudou um pouco também.
Graças ao crescimento do PIB, houve uma redução brutal na pobreza. Em 1820, 95% da população mundial vivia nela. Até 1929, este percentual havia caído para cerca de 75%. Em 1980, 50% das pessoas sobrevivia com menos de US$ 1,25 por dia, a renda que delimitava a faixa de pobreza de então. Hoje, o percentual de pessoas que vivem abaixo da pobreza não passa de 8% (Poverty and Shared Prosperity Report), considerando uma renda abaixo de US$ 2,15 por dia.
Outra análise interessante utilizando os dados de Roser trata do acesso à luz elétrica. Ele examinou o preço da iluminação por milhão de lúmens-hora no Reino Unido desde 1300 até 2006, ajustado pela inflação. Setecentos anos atrás, quando velas forneciam luz, um milhão de lúmens-hora custava 40 mil libras esterlinas. Hoje, este mesmo preço está abaixo de 3 libras ao redor do mundo. É fácil esquecer-se do luxo que é poder enxergar à noite, sem contar todos os outros aparatos dependentes do fornecimento de eletricidade. E é chocante perceber o nível de atraso na Coréia do Norte, que aparecia na escuridão total cercada de uma região bem iluminada em uma famosa foto noturna da Estação Espacial Internacional.
Muitos dos estudos de Roser mostram que a inovação acelerada desempenha importante papel na melhora da qualidade de vida. Ele defende que a melhor maneira de garantir inovação e reduzir a desigualdade é focar os esforços educacionais nas habilidades e nas ferramentas de produtividade que os empregadores mais desejam. Tais medidas teriam o benefício adicional de aumentar o crescimento ao mesmo tempo. Segundo ele, também seria fundamental minimizar o preço da educação, pois existe forte relação entre nível de habilidades e nível sócio-econômico. Em outras palavras, aumentar os custos para a educação significa também aumentar a probabilidade de que a desigualdade existente se transforme em desigualdade futura, enquanto reduzir tais custos tornaria possível para aqueles de origem mais pobre ganhar salários maiores e progredir na vida.
Roser tornou-se mais otimista a partir da análise de seus gráficos. Por exemplo, ele percebeu que a oferta e o consumo de comida aumentaram dramaticamente em todas as regiões do mundo. A mortalidade infantil também caiu. Quando da Primavera Árabe, onda revolucionária de manifestações e protestos que ocorreram no Oriente Médio e no Norte da África no final de 2010, apontou a grande diferença entre os níveis de alfabetização locais entre a faixa etária dos 15 até 24 anos e aqueles com mais de 65 anos. Os mais jovens são cerca de 90% mais alfabetizados que os mais velhos. Outro gráfico de Roser mostra enorme correlação entre altos níveis de educação e democracia. De fato, Roser só parece ficar pessimista sobre a possibilidade dos políticos realmente usarem tais dados históricos para ajudar a desenvolver políticas e princípios econômicos mais sólidos.
Acho que no Brasil bipolar atual, o pessoal da esquerda ia chamar Roser de “fascista” e sugerir que ele lesse um livro de história. Já o pessoal da direita ia chamá-lo de “comunista”, ao ousar querer algum envolvimento do governo para planejar um futuro melhor para todos. Mas quem sabe a História não continua sua marcha apesar de tantos insensatos pelo seu caminho?
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*Luís Antônio Dib é professor do quadro permanente do COPPEAD, consultor e palestrante. Ele é mestre e doutor em Administração, além de possuir certificações da Harvard Business School. Dib coordena o Executive MBA COPPEAD e ministra disciplinas nas áreas de Julgamento e Tomada de Decisão, Estratégia, Negociação e Internacionalização. Sua experiência profissional inclui cargos executivos na Shell (NYSE:SHEL), Telefônica e TIM (BVMF:TIMS3), além de vários anos como consultor de alta gestão pela Booz-Allen.
Dib discute conceitos complexos do mundo dos negócios e o impacto estratégico de novas tecnologias de forma clara, direta e bem-humorada, sendo um dos mais importantes interlocutores brasileiros para questões ligadas à gestão de empresas.