Os efeitos do colapso da Alameda e FTX ainda estão progressivamente se alastrando pela indústria crypto. Desde o episódio da Terra Luna, observamos uma série de grandes players suspendendo saques de clientes em função da falta de liquidez para atender as solicitações. O caso mais recente é o da Genesis. Com a FTX especificamente, o congelamento se deu após a corretora ver uma demanda crescente de requisições que totalizava US$ 6 bi em menos de 72h. Mas será que é possível extrairmos algo de bom do episódio?
E a resposta, com todos os adendos e a responsabilidade que merece, é sim. Se temos algo a destacar, definitivamente é o fomento do ecossistema DeFi e a retirada de ativos das corretoras, fomentando a cultura de autocustódia. Em síntese, os princípios que alicerçam a existência das criptomoedas se mostram ainda mais cruciais. Com a descrença crescente em instituições e players centralizados, vimos uma migração dos investidores para o ambiente DeFi.
O gráfico abaixo simboliza bem o que vimos nos últimos dias. Depósitos de USDC e USDT na FTX baixíssimos em contraponto a um volume extremamente alto de retiradas das stablecoins da corretora. Saímos de um padrão normal nos saques para picos fora da curva entre os dias 6 e 8 de novembro.
Os volumes de negociação em corretoras descentralizadas (DEX) atingiram US$ 32 bilhões na última semana. No dia 8 de novembro, dia em que a Binance anunciou ter assinado um acordo não-vinculante de compra da FTX, os volumes na Uniswap mais do que triplicaram em relação ao dia anterior, saindo de US$ 1.3 bi para US$ 4.2 bi.
E não precisa ir muito longe para reforçar essa conexão. A receita do ecossistema de finanças descentralizadas saltou da casa dos US$ 4 milhões, que vinha se mantendo desde junho com a capitulação vivenciada no episódio da Terra Luna, para US$ 8.25 milhões no dia 9 de novembro. Em suma, vimos um pico de uso de plataformas DeFi logo após a insolvência da FTX.
E o efeito foi sentido até mesmo por plataformas sem tanta relevância de mercado, o que ficou perceptível quando a 1inch anunciou ganhos em todos seus protocolos durante o dia 10, excedendo US$ 1.94 bi. Dados da Dune Analytics apontam que a rede apresentou mais de US$ 6.2 bilhões em volume quando avaliamos a última semana.
Além da migração para as DEX, o fato é que a importância da autocustódia foi evidenciada mais uma vez. Até ontem, 192.340 BTCs (US$ 3.2 bilhões) foram retirados das corretoras nos últimos 7 dias. Com isso, o supply de bitcoin nas exchanges atingiu a mínima desde abril de 2018, quando o preço do BTC era apenas US$ 6900. Concomitantemente, a Trezor reportou um aumento de 300% nas receitas devido ao colapso da FTX. O célebre jargão de “Not your keys, not your coins” nunca esteve tão em alta.
É claro que o saldo para o mercado crypto é extremamente negativo. Isso é inegável e não é a pretensão do texto relativizar um fato que levou tantos investidores à falência a partir de uma operação irresponsável e, possivelmente, criminosa da FTX/Alameda. Veremos um fortalecimento de uma pressão regulatória a qualquer custo sobre o ecossistema, e é importantíssimo que tenhamos olhares atentos sobre a forma como isto deve se desenrolar. Além disso, regredimos alguns anos com relação à maturidade do mercado...
No entanto, não é a primeira e nem será a última vez que passaremos por reveses. E, muito menos, este é o fim do mercado. Pelo contrário, arrisco dizer que seria inesperado não vivenciarmos situações como esta durante um necessário e longo processo de maturação dentro de um ambiente não regulado. Na verdade, quando a poeira abaixar, constataremos que o episódio acaba evidenciando justamente aquilo que já sabíamos: Enfraquecem-se as instituições centralizadas, fortalecem-se os princípios por trás do ambiente crypto.