A declaração do ex CEO em janeiro de 2023 e suas consequências
No dia 11 de janeiro de 2023, em divulgação de Fato Relevante ao mercado, a Americanas (BVMF:AMER3) divulgou inconsistências contábeis no valor de R$ 20 bilhões. Esse valor estimado seria com base nas operações de financiamento de compras dos fornecedores e que seria devido aos bancos, na configuração de risco sacado. Nessa mesma data, o CEO e o Diretor de Relações com Investidores empossados no dia 02 de janeiro pediram demissão.
No dia seguinte, o ex CEO fez um vídeo para explicar o evento. Ainda no mês de janeiro, as Americanas entraram com pedido de recuperação judicial, mostrando uma dívida que passava da casa dos R$ 40 bilhões. Bem, se no último balanço a dívida bruta era de cerca de R$ 20 bilhões conforme balanço divulgado, a diferença para os R$ 40 bilhões seriam referentes ao risco sacado?
Como a empresa líder do setor varejista do Brasil, que possuía uma caixa de aproximadamente 9 bilhões de reais, observa indefesa uma redução extrema de sua liquidez a ponto de ser obrigada a pedir recuperação judicial para não quebrar? Essa longa pergunta não é fácil de ser respondida, mas sem dúvida há uma relação causal entre o comunicado do CEO no dia 12 de janeiro de 2023 e o pedido de recuperação judicial uma semana depois. Tal relação causal permite identificar de que maneira um comunicado corporativo pode afetar o ambiente de negócios de uma companhia, levando-a a uma posição de extrema fragilidade. Uma forma possível de analisar o comunicado é via nuvem de palavras, como essa abaixo com base no discurso de 12 de janeiro.
A nuvem de palavras é uma forma de análise textual que consiste em analisar um texto ou uma declaração através de uma imagem. É construída uma relação de palavras que aparecem repetidamente no texto. Elas são colocadas dentro da nuvem de forma que seu tamanho varia de acordo com sua relevância no contexto da declaração. No caso apresentado serão considerados somente as palavras chaves (substantivos e adjetivos).
Nota: nuvem desenvolvida em parceria com Renan Nascimento, doutorando em Economia pela UERJ
Os termos mais utilizados (dívida, bilhões, balanço, entre outras) são impactantes e, por isso, podem ter gerado nervosismo no mercado. Fazendo um paralelo com o setor bancário, nenhum banco conseguiria arcar como uma notícia catastrófica que culminasse com o resgate total de todos os seus clientes. O objetivo aqui não é culpar o ex CEO das Americanas e, sim, mostrar o efeito devastador que uma declaração pode trazer para um mercado com margens tão apertadas e tão dependente do descasamento dos prazos de pagamento e recebimento (ciclo de caixa).
Ademais, após as principais empresas de varejo do país apresentarem seus resultados do quarto trimestre e do ano fechado de 2022, praticamente todas as companhias evidenciaram explicitamente o impacto do risco sacado (nomeado por elas também de convênio ou confirming) no passivo para o ano de 2022 (conforme tabela abaixo). Contudo, ao comparar com o ano anterior, apenas três fizeram menção em seus balanços, deixando claro que a mudança de postura ocorreu após o evento das Americanas.
O risco sacado tem percentual relevante na conta fornecedores, o que evidencia que era prática comum de todo o setor de varejo. Além disso, o risco sacado aparece com diferentes nomenclaturas, o que por si só já causa ruído informacional para o investidor. Apesar de não aparecer na tabela, o termo forfait é bastante utilizado também, inclusive nos ofícios da CVM.
Nota: A Marisa (BVMF:AMAR3)ainda não havia divulgado os resultados do fechamento de 2022 até a publicação desse artigo
Mas e o Mercado Financeiro? Mais um caso de miopia coletiva?
O setor varejista brasileiro possui grande representatividade no país, seja pela grande geração de empregos, seja pelo impacto no PIB brasileiro ou mesmo pelo peso nos principais índices de ações do Brasil. Ao olharmos historicamente, era comum a presença de varejistas nas carteiras dos fundos de ações brasileiros. As Americanas mesmo já apareceram como a queridinha da Faria Lima por muito tempo. Basta averiguar que centenas de fundos eram compradores de suas ações no segundo semestre de 2022.
Portanto, a pergunta que fica é porque o mercado, representado principalmente pelos analistas que cobrem o setor de varejo, nunca questionou as empresas que não apresentavam de forma detalhada o risco sacado? E de posse dos ofícios da CVM, por que nunca indagaram a classificação das operações de risco sacado nos balanços das empresas? Novamente, se voltarmos na tabela do meio do texto, veremos a representatividade dessas operações na conta fornecedores.
Essa pergunta será respondida em meu próximo artigo, mas antecipo: não acredito em algo proposital, mas um tipo de “miopia” coletiva que é a grande razão das crises financeiras.