A última sexta-feira do mês começa com o mercado financeiro se dando conta de que maio já está se aproximando e ainda não há nenhum sinal de que a pandemia de coronavírus irá desaparecer em breve, prolongando os seus efeitos na atividade real. Essa percepção reduz o otimismo dos investidores, que engataram um rali dos ativos de risco desde que o fundo do poço foi atingido, em março, e evidencia os sinais de uma profunda desaceleração (recessão?) econômica global à frente.
Para piorar, os ruídos políticos vindos de Brasília, após a saia justa criada pelo presidente Jair Bolsonaro envolvendo seus dois “super ministros”, deixam a sensação de que o cenário doméstico ainda pode piorar mais, antes de melhorar. O temor é de uma escalada da crise, ainda mais após a decisão da Suprema Corte (STF) de investigar os protestos contra a democracia e a omissão da Câmara sobre o pedido de impeachment contra Bolsonaro apresentado por advogados.
Somadas, essas preocupações tendem a manter os negócios locais pressionados hoje, com a Bolsa brasileira podendo sucumbir à perda de força dos mercados no exterior nesta manhã e o real continuar a não valendo muito, apesar da atuação (sem surpresas) do Banco Central. Lá fora, a moeda norte-americana ganha terreno das rivais, enquanto as bolsas estão no vermelho e o petróleo vive um intenso vaivém.
As principais bolsas europeias exibem queda de mais de 1%, após uma sessão de perdas na Ásia e diante do sinal negativo vindo dos índices futuros das bolsas de Nova York. Os ativos de risco também são penalizados pela notícia de que fracassou o tratamento da Covid-19 com o remédio antiviral Remdesivir, desenvolvido pela Gilead. Na semana passada, a esperança de cura com tal medicamento havia iludido os investidores.
Assim, o mercado financeiro tenta se amparar em um sentimento de que tudo vai passar, mas ainda sem embutir no preço o acúmulo de preocupações em torno do coronavírus. E o prazo para sintonizar os ativos à realidade é curto, já que o próximo mês é conhecido por um velho jargão em Wall Street, que diz para “vender em maio e ir embora”, curtir as férias de verão (no Hemisfério Norte). Trata-se de um importante aviso aos investidores, após uma longa quarentena durante o inverno, que despertou até os ursos (bear market).
Em vertigem
Enquanto o mundo está no meio de uma pandemia de coronavírus, cujo estrago na economia global ainda é imensurável, o ambiente político está em vertigem. Lá fora, a reação do presidente dos EUA, Donald Trump, à liderança do rival, o candidato democrata Joe Biden, na corrida presidencial é de acusar a China como responsável pela doença.
Por aqui, o presidente Bolsonaro resolveu enfrentar seus dois “super ministros” de uma só vez. Depois de o governo lançar um “Plano Marshall” para chamar de seu, sem a presença do ministro Paulo Guedes (Economia), ontem, foi a vez de um ruído sobre o pedido de demissão do ministro Sergio Moro (Justiça) deixar o terreno ainda menos firme.
Por mais que não seja confiável a informação de que a saída do ministro se sucedeu à intenção de Bolsonaro de trocar o diretor-geral da Polícia Federal, é inevitável associar o suposto pedido de demissão de Moro com o fato de que o Centrão e o Palácio do Planalto vêm se aproximando. Afinal, a interferência política na PF não é uma história de hoje.
Da mesma forma, o comando do general Braga Netto no plano que prevê investimentos públicos para o desenvolvimento econômico-social para combater a recessão e desemprego - mais similar, portanto, a um New Deal - realça a impressão de que o governo está pronto para esvaziar a agenda de reformas e mudar a política liberal de Guedes.
Daí, então, que fica a pergunta. Se o boato, depois negado, de que Moro iria sair do governo fez o Ibovespa cair 2%, batendo a mínima do dia, já abaixo dos 80 mil pontos, e içou o dólar para nova máxima histórica acima de R$ 5,50, qual pode ser o tamanho do estrago se surgirem os mesmos ruídos envolvendo o nome de Guedes?
A questão é que ao invés de buscar soluções para atenuar os impactos econômicos da pandemia e, principalmente, medidas para conter a disseminação do coronavírus, bem como a eficácia e o acesso ao tratamento da Covid-19, os líderes populistas estão gastando tempo cultivando inimigos imaginários para não ter de dar resposta a uma ameaça real.
Aliás, nos dados oficiais, o total de mortes registradas no Brasil chega a 3,3 mil, após o aumento de 407 óbitos em 24 horas e mais de 1,1 mil mortes nos últimos sete dias. Os casos confirmados da doença no país giram em torno de 50 mil. Já os EUA seguem no topo da lista, com quase 800 mil registros de Covid-19 e mais de 40 mil mortes.
Dia de agenda fraca
A semana chega ao fim com a agenda econômica sem grandes destaques. No Brasil, saem a prévia do índice de confiança da indústria em abril (8h) e a nota sobre o setor externo em março (9h30). Os dados do BC vêm ganhando importância, em uma tentativa de mensurar o impacto da recessão no mundo sobre as contas externas do país.
O déficit nas transações correntes gira um pouco abaixo de 3% do PIB, mas deve piorar. A conferir também a disposição dos estrangeiros em investir por aqui. Lá fora, merecem atenção a encomenda de bens duráveis nos EUA em março (9h30) e a leitura final sobre a confiança do consumidor norte-americano neste mês (11h).