Não me canso de mencionar o que considero uma omissão bastante problemática da CVM com relação as propagandas que vemos nas redes sociais em 2020, que vão do desonesto ao criminoso. Diante da falta de regulamentação ou ações concretas para denunciar as inúmeras falcatruas aos quais somos expostos/as diariamente, sugiro aqui a criação de uma campanha informal, com a hashtag #CadêADarf?, na esperança de que a auto regulação possa solucionar um pouco do problema.
Mas afinal, o que é a tal Darf? Trata-se de uma sigla para Documento de Arrecadação de Receitas Federais, que nada mais é do que um documento usado para pagamento de impostos sobre lucros em operações realizadas em renda variável. O documento serve tanto para pessoas físicas quanto jurídicas e, na prática, é uma comprovação das atividades exercidas e dos lucros anunciados, especialmente no caso de pessoas físicas.
Por se tratar de um documento do fisco, sua adulteração ou falsificação implica crime na esfera federal, o que deve inibir pessoas mal-intencionadas de tentarem adulterá-lo – ainda assim, é sempre bom manter um grau saudável de desconfiança. Atualmente, como discuti em outros textos, o interesse geral parece ser o de manter a população pouco e mal informada. Nessa medida, a maior parte dos/as vendedores/as de sonhos de riqueza não oferecem nenhuma comprovação dos ganhos que prometem.
Ora bolas, como ouvi uma vez numa entrevista com Tom Zé, nos idos da faculdade de comunicação, “quem gaba o toco é a coruja”. Quer dizer, não adianta de nada ficar se auto elogiando, cantando as próprias glórias e conquistas. Além disso, gostaria de saber porque essas pessoas não estão mostrando esses dados ao invés de tentar ganhar nossa atenção apenas no gogó. Será que é porque estão escondendo alguma coisa?
Embora a lei, para quem a ela se adequa, obrigue certas informações a serem divulgadas, ninguém nunca disse nada sobre como precisam ser informadas. Lembram daquele ditado, de que o Diabo mora nos detalhes? Pois é, nada mais exemplar nesse sentido do que as proverbiais letras miúdas, soterradas no fundo de contratos propositalmente tediosos, prolixos. Que sequer precisamos abrir, visto a conveniência de clicar na caixa que diz “Li e concordo com os termos e condições estabelecidos no contrato digital”.
Ao meu ver, esse tipo de anúncio deveria seguir a lógica do cigarro, visto que tem o potencial de arrasar totalmente com a saúde financeira de quem consome determinados produtos, sem que a empresa responsável precise assumir risco algum pelo impacto. Quanto mais agressiva a modalidade de investimento, e o Brasil tem um amplo sistema de caracterização dos mesmos, inclusive por perfil de risco, maior o tempo total dedicado a informar sobre os potenciais prejuízos da atividade.
Entretanto, como disse, a CVM e entidades de regulação da publicidade e propaganda, além do poder público que poderia resolver essa situação com um simples projeto de lei, não parecem interessadas no assunto. Exigir, então, comprovações fiscais sobre os ganhos anunciados se torna uma opção e a hashtag #CadêADarf serve justamente para isso. Colegas do Direito podem me corrigir, mas até onde pesquisei não há problema nenhum em trazer tais documentos a público.
Essa exigência é absolutamente fundamental no caso daquilo que chamo de “celebritraders”, ou traders celebridades, que nada mais são do que analistas de investimento que vendem cursos e/ou mantém salas de trade ao vivo, principalmente nas modalidades day trade (com abertura e fechamento de operação dentro do mesmo pregão) e swing trade (compra e venda a médio prazo, de dias a semanas ou meses).
Vale lembrar, que embora já tenha ouvido muitos/as mencionarem como ganham dinheiro com trades que não são passados ao público (por lei, não podem atuar nos ativos que recomendam), dificilmente essas pessoas mostram comprovações factíveis e robustas. Aqueles/as que falam sobre como “já ganharam demais no trade e hoje preferem ajudar as pessoas”, fica a sugestão de mostrarem suas Darfs antigas, algo que é bem simples de ser feito considerando o quanto dinheiro, supostamente, ganharam.
Como em qualquer outro processo de qualificação da concorrência dentro de um setor, o sucesso dessa medida dependerá em larga medida da atuação coletiva de quem consome produtos financeiros, que vão de cursos a instrumentos complexos, relatórios técnicos, enfim. A exigência de documentos comprobatórios precisa se tornar o padrão para contrapor o marketing predatório e altamente agressivo, que hoje domina nosso setor. Do lado profissional, deve ser um princípio norteador e oferecida voluntariamente, indo muito além do voto de confiança.
Como funciona a campanha?
A ideia por trás da hashtag é bastante simples: ela é usada para reunir várias postagens feitas por diferentes pessoas, facilitando a busca dentro das redes sociais. Então, quando vir um anúncio de alguma pessoa falando sobre os lucros extraordinários que obteve, e como vai te ensinar a fazer o mesmo, basta deixar um comentário com #CadêADarf?
O impacto dessa ação muito pequena, quando somado a centenas, milhares de comentários iguais, faz com que as coisas tomem uma proporção muito, muito maior: o suficiente para fazer frente as grandes instituições e profissionais do setor financeiro. Quando alguém falar sobre como lucra 500 mil reais todo mês, pergunte #CadêADarf? Sobre aquela operação que só os “traders de elite” conhecem, pergunte #CadêADarf?
Convenhamos, na medida em que a pessoa está interessada em nosso dinheiro, o mínimo que ela tem obrigação de fazer é mostrar como ela cuida do dinheiro que tem. Ora, na medida que iremos assumir todos os riscos envolvidos, do prejuízo financeiro a compra de um curso de baixa qualidade, o mínimo que deve ser feito por essa parte é mostrar que tem credenciais concretas, em forma de resultados comprovados e que não foram filtrados de forma desleal.
Dessa forma, o preço poderá ser definido em função de uma concorrência justa e uma relação não-assimétrica de informações é estabelecida. Quer dizer, uma na qual a parte vendedora tem as mesmas informações do que a parte compradora, garantindo uma negociação justa. Lembrando, enfim, que a única parte prejudicada nesse processo é aquela que quer tirar vantagem de quem não sabe o suficiente sobre o mercado financeiro e suas possibilidades.