Não dá para ficarmos só na política. Nesta, o ambiente continua irrespirável, dificultando, em muito, saber qual será o desfecho da crise atual. A cada dia que passa novidades aparecem nesta batalha entre governo, sua frágil base de apoio, e oposição, sustentada por boa parte da opinião pública.
Muito se comentava que, mantida certa celeridade na Câmara, o impeachment poderia sair entre fins de abril e início de maio, mas as declarações de Renan Calheiros, presidente do Senado, não vendo chances de impeachment, por não se configurar “crise de responsabilidade”, a postura de alguns ministros do STF e os discursos da presidente, acusando esta possibilidade de golpe, acabaram por colocar esta possibilidade em suspense. Não será rápida e se acontecer será depois de uma longa batalha.
Na verdade, quem traçou este Cenário de impeachment em até 30 dias se esqueceu de olhar o outro lado, no caso, o PT, os “movimentos sociais” e o governo. Por certo, eles não ficariam esperando as coisas acontecerem. Isto nos fez lembrar o técnico do escrete brasileiro de 1958, Vicente Feola, explicando como vencer a seleção da Rússia, no que Garrincha indagou: “você já combinou com os russos?”. Realmente.
Quando não faltava mais nada, uma lista da Odebrecht com propinas a mais de 240 políticos acabou por ajudar a esvaziar um pouco mais a celeridade deste impeachment. Nesta, voltou-se ao velho debate de que a corrupção sempre houve no Brasil, já que esta lista envolveu 24 partidos, da base e da oposição, todos, de alguma forma, beneficiados pelo “caixa dois” das empreiteiras.
Dito tudo isto, cabem aqui duas indagações: será que o impeachment tende a perder força nas próximas semanas? Será que o País agüenta o tranco até 2018 neste clima de impasse e confrontação?
Neste contexto confuso, achamos por bem adiar nossa revisão de Cenários para este ano e o próximo. Consideramos o Cenário Básico, com o impeachment da presidente, mas este perde um pouco de aderência diante dos últimos acontecimentos. Na verdade, os fatos continuam mudando a todo momento. Isto nos obriga a viver um dia de cada vez. O que era fato há alguns dias já não é mais hoje.
Na economia, alguns indicadores foram divulgados na semana passada. A inflação, pelo IPCA-15 de março, a 0,43%, veio melhor do que o esperado, e o déficit externo recuou ainda mais, dado o câmbio mais depreciado em 12 meses e a economia em recessão, derrubando as importações e as viagens externas de turismo. Os indicadores a destoarem foram o desemprego, pela PME e a PNAD Contínua, a 8,2% em fevereiro e a 9,5% em janeiro, respectivamente.
Além disto, o ministro Barbosa anunciou uma série de medidas na área fiscal. Passaram meio que despercebidas, dada a crise política, mas merecem uma espiada.
Chamado “pacote Barbosa”, foi anunciado com o firme propósito de mostrar que o núcleo duro do governo, a equipe econômica, segue trabalhando, mesmo com o caos reinante. Serviu também para tentar desviar, um pouco, o foco na crise política, o que acabou não logrando êxito. Esta continua no farol dos investidores.
Foram algumas medidas anunciadas visando ajustes graduais, mais no longo prazo, mas também, mais realistas, reconhecendo que dificilmente o governo deve obter o saldo primário positivo de 0,5% do PIB, como antes prometido. No mais pessimista dos prognósticos, deve chegar a um saldo negativo de R$ 96,6 bilhões, se aproximando de 1,55% do PIB. Foi, na verdade, mais um anúncio de uma nova banda fiscal, proporcionando um abatimento das despesas em até R$ 120 bilhões. Para muitos observadores foi um esforço meio casuísta ao permitir uma maior margem de manobra para o aumento dos investimentos, neste caso, preservando o PAC, estimulando a economia.
Há dúvidas, no entanto, sobre a sustentabilidade destas medidas, dado o caos político. O que o governo buscou foi ganhar tempo e tentar sair da UTI, tentando adotar medidas de estímulo à demanda. Novas devem ser anunciadas nos próximos dias, visando o aumento da oferta de crédito. Mas, voltando a indagar: será que existe demanda para isto?
Outras medidas foram anunciadas:
Regime Especial de Contingenciamento (REC). Visa não cortar as "despesas essenciais", anunciado quando o PIB variar menos de 1% nos últimos quatro trimestres. Objetivo aqui é preservar alguns investimentos e despesas prioritárias, como do PAC (hoje, orçado em R$ 9 bilhões) e da área da Saúde (R$ 3 bilhões).
Depósitos Remunerados. Permitirá ao BACEN receber recursos remunerados das instituições financeiras com o intuito de enxugar a liquidez do mercado. Antes, o BACEN usava apenas "operações compromissadas", nas quais permitia a emissão de títulos públicos, trocados por moeda doméstica, convertida das reservas ingressantes no País. Agora, estes recursos serão alocados nesta “conta”. Na verdade, foi um subterfúgio para tentar evitar a piora da dívida bruta. Em 2015, esta registrou 66,2% do PIB e neste ano deve passar de 74%. Ou seja, sendo esta variável a mais relevante para as agências de rating, novos rebaixamentos acabarão inevitáveis.
Alongamento das dívidas dos Estados. Permissão para o alongamento de 20 anos no pagamento da dívida negociada entre União e Estados, com impacto de R$ 45,5 bilhões nos próximos três anos. Isto permitirá aos entes envolvidos pedirem uma redução de 40% nas parcelas mensais por 24 meses.
Limite máximo para as despesas. Foi fixado um limite para as despesas da União, em relação ao PIB, a ser definido nos Planos Plurianuais a cada quatro anos. Neste serão definidos gatilhos como suspensão de reajustes dos servidores caso os gastos fiquem acima do previsto. Atualmente, as despesas obrigatórias chegam a 91% das despesas não financeiras do governo, o que reduz sua margem de manobra.
Comentários finais. Difícil saber se estas medidas terão eficácia no curto prazo, dada a crise profunda que vivemos. Boa parte destas ainda terá que passar pelo crivo do Congresso, estando este totalmente voltado para a batalha política do impeachment. Na verdade, estas medidas visam algum relaxamento fiscal, como no caso da banda fiscal ampliada e a preservação de alguns investimentos do PAC e na área da saúde. Foi um pacote fiscal até realista, dada a crise existente, mas há dúvidas se haverá tempo para ser aplicado.
Ao final deste ano acreditamos no déficit primário em torno de 2% do PIB e a dívida bruta entre 70% e 74%.