Efetivamente, o que “se escuta” não é rigorosamente o que “se sente” , mas é com base num ambiente prospectivo de otimismo, absolutamente vulnerável, que se constrói as base do “forward guidance” que dita as diretrizes do governo, em especial do COPOM/BC, e isto pode acarretar desalentos e decepções no médio prazo.
Segundo Campos Neto, presidente do BC, a recuperação da economia brasileira em 2021 será impulsionada pelo consumo, consequente da queda da taxa de desemprego e do fato de os trabalhadores gastarem parte da poupança acumulada ao longo de 2020.
Esta visão nos parece distante da realidade, visto que sequer sabemos como vamos acabar 2020 e quais serão os efetivos impactos de retração no consumo da redução brusca dos fluxos de recursos à população carente, consequentes dos programas assistenciais do governo alavancados ao longo da pandemia e que exauriram a capacidade deste mesmo governo em provê-los de manutenção.
Os programas que eram assistenciais sofreram mutações conduzindo-os ao foco eleitoral e o governo está encurralado pela exiguidade de recursos, não havendo solução que não passe por redução de outros benefícios ou criação de novos impostos, estes extremamente perversos no momento em que se clama pela retomada da atividade econômica.
Repercute até como “ironia fina” quando se refere aos trabalhadores “gastarem parte da poupança acumulada ao longo de 2020”, se sabidamente tudo já foi consumido com pagamentos de manutenção das necessidades essenciais e alguns gastos que estimularam o varejo, que emitiu sinais de recuperação, mas de sustentabilidade discutível, e nada mais. Mencionar formação de poupança ou demanda reprimida como em ocasiões anteriores é uma má leitura da realidade.
A visão de recuperação do emprego, ainda quando a curva do desemprego é crescente e há todo um legado de nova postura no mercado de trabalho com novos hábitos por parte do empresariado, é uma visão prospectiva mais assentada no anseio do que na realidade.
A redução do desemprego não sugere ocorrência rápida, mas sim lenta e gradual com perspectiva de achatamentos salariais e redução de disponibilidades de vagas em reposição, o que sugere, minimamente, cautela para não haver frustrações.
A retórica de governo que vem se tornando contumaz de que “os números da recuperação surpreendem”, nos parece mais postura mercadológica focando propagação de otimismo, do que compatibilidade com a realidade.
O negacionismo em torno da inflação presente é uma afronta e a justificativa de que os preços administrados serão contidos, enquanto os preços livres é que sofrerão o impacto, é uma balela, pois ambos repercutirão forte o agressivo IGP-M que vem sendo apurado e que já promoveu o “pass-through” dos impactos para os preços do varejo, que assombra os preços dos alimentos nas redes de varejo.
A revista Exame divulgou matéria da Imovelweb que aponta que os aluguéis na cidade de São Paulo, a despeito da pandemia, subiram 5,7% nos últimos 12 meses até agosto, isto é inflação e assim, todos os preços administrados ou não estão repercutindo a inflação presente.
Então, aflora a observação cada vez mais severa sobre o risco fiscal e a forte tendência de rompimento do teto orçamentário, o que afeta o ambiente de negócios e, em conjunto com a manutenção neste quadro do “juro baixo”, impactam fortemente na formação do preço do dólar que se configura cada vez “mais alto” e, desta forma, agrava cada vez mais os preços dos alimentos consumidos cotidianamente pela população, através o refluxo dos preços externos dos produtos alimentares exportados aviltados pelo câmbio alto para o mercado interno, e que se traduz em inflação e redução indireta de poder de consumo.
Então, o câmbio passa a falsa impressão de que está sob forte demanda, seja no mercado à vista, seja no mercado futuro, quando na realidade não há no próprio mercado da moeda americana pressão justificável para a exacerbação do preço, que decorre sim da taxa de juro baixa de descompensa o equilíbrio.
O câmbio não tem fatores legítimos para exacerbar preços no Brasil, já que a projeção de déficit em transações correntes não sugere pressões e o país tem adequadas reservas cambiais, que o tornam credor líquido em moeda estrangeira, e dispõe de mercado de derivativos sofisticado.
Enquanto isto o que se observa é que o mercado referenda o descompasso do juro e assim exacerba o juro longo sinalizando possibilitar trazê-lo para o médio e curto prazo, e, na outra ponta o BC encurtando os prazos da dívida pública para evitar o agravante do juro alto do longo prazo, mas a tendência é que não consiga evitar a pressão de alta do juro, mesmo em prazos mais curtos.
Este fato retrata bem as incertezas em torno da questão fiscal do governo, que tem um viés claro de agravamento.
Neste contexto não há fundamentos confiáveis para as assertivas colocadas pelo Presidente do BC como visão prospectiva, que acabam por se configurar como anseios, puros anseios.