Não é de hoje que o capital estrangeiro avisava da inconsistência da economia brasileira e de seu mandatário máximo, Jair Bolsonaro, em relação ao boom da nossa bolsa. O ano de 2019 foi marcado por sucessivos recordes de saída de capital estrangeiro da Bovespa e em apenas 43 pregões, o recorde do ano passado foi quebrado em 2020. Isso, ao passo que o índice, impulsionado por novas mínimas da Selic e o êxodo de investidores/as de renda fixa para a variável, também quebrava recordes, descolado de qualquer fundamento: alto desemprego, informalidade e inadimplência, baixo consumo das famílias, inflação baixíssima (por falta de atividade econômica).
Ao que tudo indica, os escândalos e bizarrices contínuos envolvendo o Planalto, aliada a essa falta de dados positivos, foram o motor dessa saída galopante de capital, cujos efeitos mais explícitos se faziam notar no dólar, em escalada desde 2019 – muitíssimo antes de sequer existir um coronavírus. É notória a correlação entre câmbio e bolsa, tendo em vista que importamos quase tudo que não seja comida, mas ao longo do ano passado parecia consenso entre economistas ignorar o estranho enfraquecimento desse fenômeno, assim como a saída de capital.
Com os dados do PIB, oficializou-se o quanto o otimismo manifestado por vários/as colegas era errôneo – embora ainda houvesse, naquela altura, quem relativizasse a fraquíssima performance econômica do país, inclusive inventando coisas como PIB público e privado. Diferente do que anunciavam vários/as colegas da área, não eram os estrangeiros que estavam errados com relação ao Brasil, mas sim brasileiros/as que compraram a fantasia vendida pela dupla Guedes-Bolsonaro. Não apenas recém-chegados/as ao complexo mercado financeiro mundial, mas pessoas experientes, que supunha estarem vacinadas com relação a esse tipo de coisa.
Entretanto, nesta tarde que viu ao menos mais dois circuit breakers acionados, com ações despencando e fortunas virando pó, creio que posso dizer que o Brasil paga o preço de seu otimismo desvairado. Óbvio, ninguém poderia prever uma pandemia, mas há meses que venho avisando sobre a grave distorção nos preços causada pelo otimismo brasileiro (cito aqui matérias de outubro de 2019 e janeiro deste ano). Embora fosse impossível prever que a crise fosse catalisada pelo coronavírus, era claro que quando chegasse o momento da correção, ela seria tão ou mais intensa que a supervalorização observada em 2019.
O rombo deixado pelos estrangeiros, com eventual transferência de títulos para o capital doméstico, que proporcionou a subida recorde do Ibovespa, fez com que o Brasil não tivesse, no momento mais crítico, capital qualificado capaz de amortecer a pancada. A clara incapacidade de articular uma retomada industrial, ofuscada pelo otimismo, agora deixa o país, literalmente, em estado de calamidade social e econômica, piorada ainda pelo discurso obscurantista, anticientífico, do presidente Jair Bolsonaro e sua trupe mais fanática.
Enquanto o mundo se preparava para a ameaça do coronavírus, nosso mandatário, cuja comitiva aos Estados Unidos inclui quinze infectados, ignorou seu próprio Ministro da Saúde e, acompanhado do atual diretor da Agência Brasileira de Vigilância Sanitária (Anvisa): quebrou a quarentena, além de todos os protocolos internacionais de prevenção ao contágio, para se juntar a apoiadores que se aglomeravam (com seu aval) para protestar (ou pedir o fechamento) do Congresso e do Supremo Tribunal Federal. Há meras duas semanas, instruiu um comediante que dele se fantasiara, que respondesse as perguntas de jornalistas sobre o resultado do PIB.
Poucos dias atrás, alertei que o dólar provavelmente estouraria a casa dos cinco reais ainda em março, independente de Guedes fazer ou não muita besteira. No momento em que escrevo (15:52h), está em torno de R$5,22, com firma tendência de alta a despeito das intervenções do Banco Central. Diga-se de passagem, venho afirmando também há alguns meses que tais leilões não resolvem o problema, que é de ordem estrutural e não de liquidez, fazendo com que na prática o BC simplesmente venda dólares abaixo do preço de mercado e não contribuem para proteger a economia de ataques especulativos.
Paulo Guedes anunciou uma série de medidas, que serão exploradas em textos futuros, uma vez que merecem a devida atenção. Por enquanto, ainda não foi publicada a decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) a respeito de uma possível (provável) redução mais agressiva da Selic, mas adianto que a medida tende a piorar o câmbio sem acarretar melhora na situação econômica interna (confiram este texto, de umas duas semanas atrás), acelerando também a saída de capital estrangeiro. Portanto, teriam o mesmo impacto que tiveram ao longo de 2019-20.
Por enquanto, não dá para sabermos o que vai ser da economia brasileira e, muito menos, do impacto humano gerado pelo avanço do coronavírus sob a gestão, até o momento, desastrosa, de Jair Bolsonaro. Escrevo apenas para deixar o conselho que o otimismo, assim como o pessimismo, é impróprio ao mercado financeiro – que não perdoa aqueles/as que se deixam levar. Quem sabe, agora, outros/as colegas prestem um pouco mais de atenção ao que falam aqueles/as que estão fora do Brasil. Afinal, há vários meses vêm dizendo que o Brasil não vai voar.