Publicado originalmente em inglês em 01/09/2020
Houve um tempo, logo após a primeira crise do petróleo da década de 1970, em que o conjunto de reinos e emirados ao longo da costa do Golfo Pérsico nadava em tanto dinheiro que seu maior desafio era saber como “reciclar” toda aquela grana.
Isso deu origem ao florescente mercado de eurobônus, quando essa palavra significava bônus denominados em dólares, mas vendidos fora dos EUA.
Esses dias ficaram para trás. Agora são esses emirados que estão recorrendo aos investidores internacionais com uma onda de emissões de títulos governamentais que encontrou uma enorme demanda. A razão? Eles oferecem um prêmio um pouco maior do que os papéis do tesouro americano, conhecidos como treasuries.
Países ricos em petróleo, mas em busca de fluxo de caixa
Não é que Dubai, Abu Dábi, Catar ou Arábia Saudita vivam momentos difíceis, apesar do movimento crescente de substituição de combustíveis fósseis e da forte queda dos preços do petróleo e do gás devido à pandemia de covid-19. Todas essas reservas ainda estão lá, mas os países ricos em petróleo do Oriente Médio têm um problema de fluxo de caixa, necessário para manter o estilo de vida com o qual estão acostumados.
Os combustíveis fósseis claramente vivem uma espécie de eclipse. Talvez o maior indicativo disso seja o fato de a gigante do petróleo Exxon ter sido apeada do índice industrial Dow Jones, cuja lista passou a integrar em 1928 como Standard Oil of New Jersey. A questão é que esse índice de referência do mercado acionário está mudando seu peso em favor das empresas de tecnologia.
Gráfico: cortesia de Bloomberg
O apetite por esses títulos do Golfo, entretanto, parece estar longe de acabar, graças às reservas de óleo e gás de cada país.
Dubai é o mais recente emirado a vender bônus, mandando os bancos encontrarem investidores para os títulos de 10 e 30 anos, um misto de sukuk convencional com lei da charia. Dubai deseja levantar pelo menos US$ 2 bilhões em sua primeira emissão desde 2014.
Abu Dábi lidera as emissões
Dubai possui apenas uma fração das reservas petrolíferas da vizinha Abu Dábi, capital dos Emirados Árabes Unidos, que congrega sete emirados.
Abu Dábi vem liderando o páreo até agora. Levantou no total US$ 10 bilhões em abril e maio em duas vendas. Na semana passada, precificou uma nova oferta de US$ 5 bilhões em uma emissão tripartite: 3 anos, 10,5 anos e 50 anos.
Os títulos registraram demanda suficiente para que os preços ficassem abaixo da indicação inicial, ficando 65 pontos-base (bp) acima dos treasuries nas notas de 3 anos valoradas em US$ 2 bilhões, 105 bp para os papéis de 10,5 anos de US$ 1,5 bilhão, e 270 bp para os bônus de 50 anos.
Embora muitos governos estejam planejando ter uma economia neutra em carbono até 2070, quando esses títulos longos devem expirar, os investidores não hesitaram em arrematar todos eles. Os retornos dos títulos ultralongos podem ser bastante elevados no curto prazo, pois o fenômeno da duração – descontar pagamentos ponderados ao longo do tempo ao valor presente – amplia até mesmo a mudança mais diminuta nas taxas de juros. Os fundos de pensão gostam desses papéis, já que melhoram sua correspondência de vencimentos.
O Catar, que se projeta sobre o Golfo, possui a terceira maior reserva mundial de gás natural, em sua maior parte em alto-mar, além de ser o maior exportador internacional de gás natural liquefeito. O país levantou US$ 10 bilhões em abril, depois que aquela emissão registrou demanda 4,5 maior que a oferta.
O spread em relação aos treasuries de 5, 10 e 30 anos foi ainda mais generoso. O Catar vendeu US$ 12 bilhões em bônus no ano passado.
A Arábia Saudita juntou-se ao movimento de abril, vendendo US$ 7 bilhões em três emissões: 5,5 anos, 10,5 anos e 40 anos, depois de recorrer ao mercado para arrecadar US$ 5 bilhões em janeiro.
O interesse dos investidores nesses papéis melhora a perspectiva de vendas, à medida que os países do Golfo tentam alçar os preços do petróleo. Todos esperam algum repique na cotação do petróleo e, de qualquer forma, o limiar de lucratividade para países como Abu Dábi, que têm baixos custos de produção, não é muito alto.