Depois que o ministro Paulo Guedes (Economia) trucou a disputa no governo sobre o aumento do teto dos gastos e blefou até com a possibilidade de impeachment do presidente, Jair Bolsonaro apareceu em público para dizer que respeitará a regra fiscal e não irá “furar” o limite das despesas. A ver, então, se a notícia irá convencer o mercado financeiro doméstico, que demandou mais prêmio de risco ontem.
No pior momento do pregão, o Ibovespa chegou a ser negociado abaixo dos 100,7 mil pontos, ao passo que o dólar flertou com a marca de R$ 5,50, demandando atuação do Banco Central no mercado futuro (via leilão de swap cambial), o que não acontecia desde meados de maio. Só na reta final do pregão, a Bolsa brasileira neutralizou as perdas e a moeda norte-americana ficou mais próxima da faixa de R$ 5,40.
O fiel da balança foi o mercado externo, que segue alimentando esperanças em relação a uma vacina contra covid-19, apesar da desconfiança internacional sobre imunização oferecida pela Rússia. Mas também trouxe alento a notícia de que Bolsonaro iria se reunir com ministros e os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado, David Alcolumbre, saindo publicamente em defesa da agenda de reformas e da austeridade fiscal.
Em pronunciamento no Palácio do Alvorada, à noite, Bolsonaro disse querer a responsabilidade fiscal e reafirmou o compromisso com o teto de gastos, com a boa alocação do gasto público. Segundo ele, isso dará condições de melhorar a administração do Orçamento do governo, fazendo com que o Brasil seja um dos países “que melhor reagirá à questão da crise” econômica causada pela pandemia de coronavírus.
Criada em 2016 durante o governo Temer, a regra do teto de gastos limita o crescimento das despesas da União acima da inflação do ano anterior, sendo que o descumprimento dessa proposta pode aproximar o chefe da República de uma “zona de impeachment”, sob a alegação de “irresponsabilidade fiscal”. Mas uma ala do governo vinha defendendo gastos maiores em obras e investimentos e para os desempregados afetados pela crise.
A proposta, seria, portanto, prorrogar o prazo do chamado “Orçamento de Guerra” para além deste ano, o que poderia elevar a popularidade de Bolsonaro entre os mais pobres e promover a retomada econômica, facilitando a reeleição em 2022. Mas também colocaria em risco a agenda ultraliberal de Guedes.
O fato é que, como já dito aqui, é, no mínimo polêmico, defender o controle de gastos em tempos de pandemia, sabendo-e que a crise das dívidas públicas será um tema global em um cenário pós-coronavírus. O Brasil é, portanto, um dos poucos lugares no mundo onde tal debate é levado a sério.
E a covid-19?
Aliás, o mercado financeiro ainda se pergunta quando será esse momento em que o mundo terá superado os impactos causados pela disseminação da covid-19. O problema é que a doença não dá sinais de diminuição, tendo alcançado ontem a marca de 20 milhões de casos globais, com Índia, Estados Unidos e Brasil reportando o maior número de novas infecções diárias, apesar dos sinais de melhora em algumas regiões.
E enquanto o contágio continuar, governos e bancos centrais precisam continuar agindo. Mas o impasse nas negociações entre republicanos e democratas sobre um novo pacote fiscal de US$ 1 trilhão continua trazendo volatilidade aos negócios, com os investidores vendo dificuldades por um acordo em meio à proximidade das eleições. A perspectiva é de que mais estímulos sejam aprovados junto com a nova lei de gastos, em setembro.
Com isso, os índices futuros das bolsas de Nova York amanheceram na linha d’água, com um ligeiro viés negativo, um dia após o índice S&P 500 fechar colado à máxima histórica. O fôlego encurtado para novas altas em Wall Street prejudica a abertura do pregão europeu, após uma sessão sem brilho na Ásia, onde Xangai (+0,04%) e Hong Kong (-0,05%) ficaram de lado, mas Tóquio subiu firme (+1,8%).
Nos demais mercados, o ouro se afasta ainda mais da marca de US$ 2 mil por onça-troy e se aproxima da faixa de US$ 1,9 mil, ao passo que o juro projetado pelo título norte-americano de 10 anos (T-note) segue acima de 0,65%, nos maiores níveis em um mês. Entre as moedas, o dólar perde terreno para as rivais de países desenvolvidos e correlacionadas às commodities, o que não anima o petróleo.
Mais dados de atividade
Mais um indicador de atividade, desta vez, sobre o setor de serviços é destaque na agenda doméstica hoje. Os dados, referentes ao mês de junho, serão conhecidos às 9h e devem, enfim, mostrar recuperação, após acumular quatro quedas seguidas até maio, sob impacto da pandemia de coronavírus.
No exterior, destaque apenas para os pedidos semanais de auxílio-desemprego feitos nos EUA, às 9h30. No mesmo horário, saem os preços de importação e exportação no país em julho. No fim do dia, a China anuncia dados sobre a atividade industrial e o setor de serviços em julho, além dos investimentos em ativos fixos e dos preços de imóveis novos.