Jair Bolsonaro sempre foi um político polêmico. Sua baixa do Exército, na patente de capitão, iniciou uma vida política de quase 30 anos, que culminou com a eleição de presidente. Ao longo de suas passagens pelas Câmaras, manteve a postura polêmica e frequentou o chamado baixo clero.
Votou contra o Plano Real, fez discursos polêmicos por décadas e teve como herói o coronel Brilhante Ustra, conhecido como Dr. Tibiriçá e considerado torturador no período da ditadura. Em sua vida de parlamentar, Bolsonaro sempre se mostrou estatizante e defensor ferrenho das Forças Armadas e seus servidores.
Eleito presidente depois da facada recebida em um momento próximo das eleições majoritárias, Bolsonaro convocou Paulo Guedes para ser seu ministro plenipotenciário, criando assim o Ministério da Economia. Após uma fusão de ministérios, Paulo Guedes – o “posto Ipiranga” – passou a implementar seu projeto liberal.
Bolsonaro iniciou seu mandato anticorrupção sem dar atenção aos demais poderes, acreditando que poderia governar com o povo, que lhe deu a vitória nas urnas. Ocorre que, para isso dar certo (algo muito difícil), seria preciso começar a obter resultados imediatos na economia depauperada, o que acabou se revelando complicado. No meio de seu mandato como presidente, o mundo foi atropelado pela crise da covid-19, que se transformou na pandemia que todos nós estamos vivenciando.
Sua personalidade forte e polêmica, quase sempre forjada por diferentes conflitos, ficou evidente nas recomendações de tratamento precoce com cloroquina e na falta do uso de máscara, sem contar outras tantas atitudes, como causar aglomerações por onde passou, em total dissintonia com a postura adotada por dirigentes de todo o mundo. Boris Johnson, do Reino Unido, e Donald Trump, dos Estados Unidos, chegaram a adotar uma linha de pensamento parecida, porém mais branda. Trump foi embora, e Johnson, após ter contraído a covid-19, seguiu o protocolo global de isolamento, lockdown e vacinação massiva da população.
Agora, o presidente sofre forte pressão dos demais poderes por sua postura, não tem resultados de fato na economia, o desemprego segue aumentando, o quadro fiscal é grave e, para completar, está tendo que se submeter aos ditames do centrão. Como resultado disso, o STF mandou instalar a CPI da Covid, o governo perdeu a maioria na comissão e ainda teve que ceder no orçamento recém-aprovado de 2021, quando foi obrigado a cortes de R$ 29 bilhões em ministérios e manutenção de emendas parlamentares de R$ 35 bilhões.
Seguindo na pressão, o noticiário dá conta que pode ter que desmembrar o Ministério da Economia, recriando o Ministério do Planejamento. Isso parece ter deixado Paulo Guedes insatisfeito e muitos outros ministros também. Os maiores cortes absolutos foram na Educação e no Desenvolvimento Regional, com gritaria uníssona da Infraestrutura e da Ciência e Tecnologia. As notícias são de que o Minha Casa Minha Vida, agora chamado de programa Casa Verde e Amarela, vai ter que paralisar por conta de insumos em forte alta. Dessa maneira, as obras de infraestrutura serão empurradas para 2022, e o ministro da Ciência e Tecnologia diz ser impossível trabalhar e planejar diante do stop and go.
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No meio de tudo isso, o presidente continua repetindo seu credo sobre a covid-19, enquanto o ministro da Saúde prega o uso de máscaras e pede para evitar aglomeração. Primeiro, há absoluta necessidade de o governo mudar seu discurso sobre temas relevantes, incluindo aí as mudanças climáticas, e depois unificar esses discursos. Em segundo lugar, deve tentar fazer as reformas imprescindíveis para tentar organizar a economia, ainda que de forma mínima e mostrando sinais concretos ao exterior (inclusive no clima). Concessões e privatizações são certamente boas, mas também finitas, já que é preciso organizar a economia.
Mudar a postura do presidente que conviveu no conflito durante 30 anos ou mais parece algo pouco provável. Mas assim como o presidente veio melhorando seu discurso sobre o clima, poderia aplainar um pouco sua postura sobre pandemia e reformas estruturantes.
Vamos torcer para que isso ocorra nos poucos meses que ainda restam para que as eleições entrem definitivamente no cenário local e empanem quase tudo ao redor.
Alvaro Bandeira é economista-chefe e sócio do banco digital modalmais