O mercado financeiro vive de dados. Aliás, verdade seja dita, o mercado financeiro é viciado em dados. E eles existem aos montes e servem para suprir, como em uma simbiose, a necessidade dos analistas financeiros em tentar encontrar padrões que os leve à aquele 0,X% maior na rentabilidade, os façam descobrir o momento exato de entrar e sair de uma ação ou que os faça entender quado os mercados vão subir ou derreter.
Mas no Brasil, fora todos os dados que temos de acompanhar para tentar sobreviver minimamente neste mercado, aqui em terras tupiniquins precisamos, mais do que em qualquer outro país, ficar atento também aos movimentos políticos que se sucedem e que levam a Bovespa do céu ao inferno em poucas frases (ou atualmente em poucos twetts).
E já que estamos falando de dados e de política, você sabia que existe um importante dado político-econômico que diversos analistas acompanham e que é importante, principalmente a cada 4 anos?
Trata-se do índice que mede o nível de satisfação dos primeiros 100 dias de governo de novos presidentes e primeiro-ministros e ele mede o quão está satisfeita a população de um país para com o governante que acabou de ser eleito a fim de medir se a moral com o qual o candidato foi escolhido permaneceu após os primeiros 3 meses ou se as promessas de campanha não passaram daquilo que elas por si são: promessas.
100 dias, muita coisa para provar, pouco tempo para fazer!
Cem dias podem parecer de fato muita coisa, mas afinal, ele é muito tempo mesmo?
Tome a si mesmo como exemplo, você já alcançou algum feito extraordinário ou cumpriu alguma auto promessa que você fez na virada do ano? Já está mais magro? Ainda está frequentando a academia? Se matriculou no inglês?
Diferentemente de você, que fez poucas ou algumas promessas que, se não cumpridas afetam pouco mais de 2 ou 3 vidas, as promessas de um candidato à Presidência mexem com a vida de mais de 200 milhões de pessoas e, portanto, são potencialmente mais danosas caso não realizadas.
Em que pese 3 meses parecerem pouca coisa, e de fato ser, afinal 100 dias são menos que 7% do total do mandato de aproximadamente 1.400 dias, é justamente nesse primeiro trimestre que nós, cidadãos e analistas conseguimos ter uma impressão melhor do que estará por vir no restante dos 4 anos.
Vale ressaltar também que, às vezes, quado um governo anterior foi economicamente destrutivo ou modificou bruscamente alguma situação sócio-econômica, o trabalho do presidente eleito com certeza se torna mais complicado e severo, sendo difícil mostrar um resultado tão significativo num prazo como esse.
Mas falando agora no Bolsonaro, qual o sentimento que ficou?
Novo governo: 100 dias de (quase) nada!
Antes de começarmos a falar do que o novo governo tem feito acho que, até para nível de comparação, valha a pena fazer um breve comentário...
No início do governo Temer, em 31 de Agosto de 2016, ele pegou uma inflação acumulada de 8,97% e entregou uma de 3,75%, a Selic estava em 14,25% e hoje encontra-se em 6,50%. Já pelo desemprego, nesse quesito ele não foi tão efetivo quando assumiu com 11,8% e deixou o cargo com 11,6%. À respeito da balança comercial o valor era de um superávit de US$ 47,7 bilhões e terminou em US$ 58,7 bilhões, o PIB que estava caindo -0,8% naquele trimestre fechou com 1,1% em 2018 e o dólar ficou mais ou menos no mesmo lugar (de R$ 3,22 para R$ 3,87).
Vamos também lembrar que, além de dados, o mercado gosta de prever movimentos e por isso, muito do cenário que o Temer deixou se deu graças às esperanças que o novo governo seria voltado ao velho liberalismo econômico e deixaria enfim o aparatismo estatal de governos anteriores.
Não é tirando o mérito do grande Meirelles, é claro, mas mais para o final de 2018 muito do que se encerrou ali veio com a nova onda de otimismo.
Otimismo esse que conforme as pesquisas estava nas alturas!
Quando pegamos as pesquisas antes do começo do mandato do Bolsonaro, se via que quase 60% das pessoas acreditavam que o país estava no rumo certo e que o presidente entregaria um bom resultado até o fim do mandato. E isso se traduziu no gráfico que diz o nível de expectativas que se formou com o discurso do presidente.
Mas conforme os primeiros dias foram passando, esse gráfico começou a apontar para baixo, ainda que, verdade seja dita, ele ainda permanece em níveis bastante consideráveis, levando em conta o quanto de atrapalhada e apuros o governo já passou.
Repare que eu não estou sendo partidarista, mas sim fazendo uma análise crua de que sim, esse governo vem gastando grande parte do seu capital político em eventos que causam repercussões midiáticas negativas, coisa que qualquer pessoa menos fanática pelo atual presidente conseguirá reconhecer.
De tweets polêmicos sobre o carnaval paulista, passando por conflitos seculares que envolvem trocas de embaixadas do outro lado do mundo, até a criação de um dia de comemoração para o ‘Golpe de 64’, o governo vem gerando polêmicas suficientes para nenhum tabloide botar defeito.
E não é apenas o próprio Bolsonaro que vem tendo de se retratar publicamente. Diversos ministros como o da Educação, por exemplo, já tiveram que se desculpar por ter enviado um e-mail polêmico envolvendo vídeos de crianças cantando o hino e repetindo o mote de campanha do Bolsonaro, além de diversas demissões seguidas devido à desavenças dentro da casa.
Isso tudo gera basicamente 2 tipos de problemas, são eles:
1) PERDA DE CAPITAL POLÍTICO:
Capital político é como se fosse a energia inicial que um governo tem para gastar em suas atividades, mas assim como as leis da física nos ensinaram, energia se perde.
Como no início do mandato, tanto do próprio presidente, mas também dos demais parlamentares, o clima tende a ser mais positivo à novos ares e com esse clima se torna mais fácil (pelo menos na teoria) apresentar projetos que alteram significativamente o status quo da economia brasileira e de outras áreas.
Isso em grande parte porque como estão no início do mandato, os deputados e senadores tem menos desgaste de imagem caso precisem votar em algum projeto mais polêmico e que ‘retire’ benefícios da população, como as reformas trabalhistas e da previdência, por exemplo. E era assim mesmo que estava o bom relacionamento entre executivo (presidência) e o legislativo (deputados e senadores), conforme pesquisa da consultoria Arko Advice no final de março agora, que capturou as seguintes opiniões:
Com as recentes polêmicas criadas pelo presidente e o resto do clã Bolsonaro, para não citar o estresse midiático junto do Rodrigo Maia, o qual ameaçou abertamente abandonar o projeto de angariar votos para a reforma da previdência, vimos que de um estado positivo com uma visão mais favorável de relacionamento, migramos para um crescimento expressivo nos índices de rejeição ao presidente, com o RUIM e o PÉSSIMO disparando em ambos os cenários.
E isso se traduz diretamente na probabilidade de importantes projetos serem aprovados, como podemos ver na opinião dos entrevistados acerca da reforma da previdência:
A verdade é que o governo se assustou e recuou de suas posições mais enfáticas, quando percebeu que ‘sozinho não se chega longe’ e que, à despeito do presidente se colocar totalmente contra aquilo que chama de velha política, vai ter de saber negociar melhor suas posições nesse xadrez que serão os próximos meses na discussão destes projetos.
2) PERDA DE POPULARIDADE:
E se convencer os políticos, que em teoria não são tão afetados pelas novas medidas econômicas, já é uma tarefa hercúlea, o que dizer então sobre convencer a população que o remédio amargo hoje vai ser a salvação de amanhã?
Foi-se o tempo que a população sofria calada e aceitava os percalços que os governos nos criavam e aprendíamos simplesmente a conviver com a nova situação. Hoje, com o advento das redes sociais e a facilidade de mobilização de grandes massas, os governantes precisam pensar muito mais em como desenvolverão a comunicação para convencer a aprovação entre as massas de medidas polêmicas que mexem com os seus benefícios.
Se com a popularidade em alta isso já é trabalhoso, imagina então quando o presidente é rejeitado por grande parte da população. Exemplo recente temos o fim do segundo mandato da ex presidente Dilma e também do Temer que, com pouco apoio da população, afundaram em suas próprias capacidades.
Isso porque os eleitores hoje acompanham como nunca o desenrolar destas medidas e cobram dos representantes populares (deputados e senadores) que estes se posicionem contra tais medidas.
Esse poder popular fica mais evidente ainda em períodos pré-eleitorais, quando os políticos não arriscam de jeito nenhum perder sua bocada e, portanto, preferem fazer um banho maria nos projetos mais polêmicos, aguardando sua reeleição e novamente a entrada no ciclo que já citei acima.
Falando na troca de faixa do presidente Temer para o Bolsonaro, vimos que o novo presidente até começou com algum ímpeto, mas o povo anseia por mudanças rápidas e todo esse ânimo vem se perdendo com incrível rapidez.
Os indicadores ‘bom/ótimo’, ‘regular’ e ‘ruim/péssimo’ vem convergindo todos a uma média única e, caso o governo não se mexa logo, teremos um feito nunca atingido tão cedo, um presidente com a perda de popularidade mais rápido da história.
Isso pensando que o Bolsonaro ainda tem muito prestígio com um tipo específico de eleitor que o tem como salvador da pátria e, portanto, vai demorar mais para demonstrar descontentamento, algo que os dois últimos presidentes não tinham.
Ainda assim, vale destacar que o presidente tem hoje menos percentual de aprovação do que a Dilma possuía em seu segundo mandato e, conforme gráfico abaixo, parece que por hora esse é o pico de popularidade que o presidente vai alcançar. A ver as próximas semanas.
Mas e o mercado?
Como dito no começo deste artigo, o mercado vive de dados e com eles vai expressado a sua mudança na visão de mundo. E ele é rápido, é dinâmico.
Sem paciência, hoje as principais casas de análises e economistas já demostram que a outrora euforia pré-eleição vem se perdendo e que, caso o governo brasileiro não pare de se autoflagelar e comece logo a impor planos concretos de ação, teremos mais um ano de ‘vai-não-vai’ com uma recuperação minguada e uma economia andando de lado.
Prova disso é a diferença discrepante entre as previsões observados no Relatório Focus de Dez/18 e o último de Mar/19. Principalmente no principal indicador, o PIB, que começou o ano com uma expectativa de 2,50% e já está abaixo de 2,00% (com tendência de queda para os próximos relatórios).