O mercado de criptomoedas, com centenas de bilhões de dólares em ativos, é grande demais para ser ignorado. O que começou há mais de 12 anos como um conceito utópico para substituir o sistema financeiro existente, agora se tornou um investimento popular para investidores institucionais e de varejo. Embora o Bitcoin possa, teoricamente, soar como "ouro digital", ele não funciona dessa forma. Em vez disso, é mais um típico ativo de risco e, portanto, exibe a característica de melhor desempenho em períodos de alta de preços com volatilidade baixa ou decrescente.
O mundo dos blockchains e criptomoedas percorreu um longo caminho nos mais de 12 anos desde que Satoshi Nakamoto publicou pela primeira vez o white paper inicial do Bitcoin em 2008, no auge da Grande Crise Financeira. Foi o ano da queda do banco americano Lehman Brothers, o ano da crise das hipotecas e de fortes aumentos da taxa de desemprego. Enquanto isso, sob o pseudônimo de Satoshi Nakamoto, o white paper de blockchain Bitcoin foi publicado, introduzindo um sistema que poderia tornar obsoleto todo o sistema financeiro existente.
Agora, mais de 12 anos depois, refletimos sobre a tecnologia blockchain e o panorama atual das criptomoedas, e apresentamos uma breve análise do Bitcoin sob uma perspectiva de investimento.
O trilema blockchain
O blockchain Bitcoin não substituiu o sistema financeiro, como Nakamoto imaginou, mas e quanto a outros empreendimentos de blockchain e outras criptomoedas? Eles criarão mudanças sociais massivas e eliminirão o sistema financeiro?
Embora muitas inovações tenham sido alcançadas desde 2008, o maior problema, o trilema blockchain, infelizmente persistiu teimosamente e ainda é uma grande preocupação hoje. Para que qualquer blockchain funcione realmente como um útil banco de dados descentralizado, ele precisa ser três coisas: seguro, descentralizado e escalonável. No entanto, o trilema afirma que, na maioria das vezes, os blockchains serão forçados a sacrificar um desses aspectos pelos outros dois.
É por esse motivo principal que vemos a recente tendência de arrefecimento na oferta de recursos para negócios de investimentos relacionados a blockchain não como algo temporário, mas como uma linha de base daqui para frente. Além disso, é bastante revelador para nós que todos os três maiores eventos de financiamento do ano passado foram feitos por empresas que estão muito mais focadas em gerar receitas a fora do sistema atual de criptomoedas do que trabalhar em qualquer tipo de visão tecnológica inovadora destinada a mudar o mundo como o conhecemos.
A criptomoeda mais relevante é o Bitcoin e tem uma boa pontuação em termos de segurança e descentralização, mas tem enormes dificuldades quando se trata de escalabilidade. Dependendo de certos fatores, o Bitcoin permite executar entre 5 a 15 transações em cadeia por segundo. Isso está muito longe do que é necessário para atuar como uma solução útil de pagamento global. Como exemplo, Visa (NYSE:V) (SA:VISA34) e Mastercard (NYSE:MA) (SA:MSCD34) são capazes de processar atualmente dezenas de milhares de transações por segundo. Embora o Bitcoin consiga pontuar bem em dois dos três pontos do trilema Blockchain, isso não é necessariamente verdadeiro para todas as outras criptomoedas em atividades. Feathercoin, Vertcoin, Bitcoin Gold, Verge, Grin, Firo e até Ethereum Classic sofreram a maioria dos ataques no passado. Muitas das pequenas criptomoedas em utilização operam em um ambiente onde são definitivamente descentralizadas, mas onde tanto sua escalabilidade quanto sua segurança não são absolutamente garantidas.
Investir em Bitcoin: não há almoço grátis
Foi um ano duro para o Bitcoin. Primeiro, caiu ainda mais do que ações em março de 2020 com a declaração de pandemia do coronavírus, mostrando mais uma vez que tende a se comportar muito mais como um ativo de risco do que como um porto seguro, como os títulos do Tesouro dos EUA ou ouro. Depois, começou a subir forte e atingiu novos recordes, antes de diminuir rapidamente novamente.
Embora muitos indivíduos estejam cientes da expressiva queda no valor do Bitcoin e de outras criptomoedas durante 2018, é importante lembrar que este "não foi o único show" pelo qual o Bitcoin deu em seus cerca de 12 anos de história. Em três ocasiões, ou aproximadamente a cada quatro anos, a criptomoeda mais proeminente experimentou uma queda em relação ao pico de 70% ou mais. As ações exibiram tal comportamento apenas uma vez durante todo o século passado, após o pico de 1929. Mas é claro também que as ações não exibiram a taxa composta de crescimento anual dos Bitcoins durante os últimos 12 anos, ou nem em qualquer período de 12 anos durante século passado.
Embora a queda recente em termos de dólares chame a atenção, sob uma visão histórica não é muito especial em termos percentuais. A principal conclusão é que o Bitcoin não apenas tem mostrado um perfil de retorno extremamente alto, mas faz isso com elevados níveis de risco e com perdas temporárias substantivas.
Do nosso ponto de vista, uma vez que o valor dos criptomoedas é, em sua maior parte, inteiramente influenciado pelos efeitos de rede, as criptomoedas constituem-se um ativo especulativo para investidores amantes do risco que não temem altas volatilidades, ao invés de um verdadeiro porto seguro.
Volatilidade
A volatilidade do Bitcoin é quase inteiramente influenciada pelo lado da demanda e, como o Bitcoin não está vinculado a nenhum valor do mundo real, o lado da demanda é quase inteiramente resultado do sentimento do mercado. E este sentimento, por sua vez, é o resultado da história em que os participantes do mercado depositam mais fé. Portanto, não é de se admirar que declarações de importantes reguladores ou mesmo tweets de pessoas famosas, como Elon Musk, possam ter implicações enormes no preço do Bitcoin e, portanto, tornar a criptomoeda extremamente volátil.
Durante 2017, foi a história de “Blockchain pode mudar o modo como as empresas operam. Precisamos comprar criptomoedas já!” e isso significou uma escalada do Bitcoin de 20 vezes. Quando a história mudou para "Onde estão todos os casos de uso revolucionários prometidos, talvez o blockchain não seja o futuro", o preço caiu de cerca de US$ 20 mil para algo em torno de US $ 3,5 mil. Avançando-se um pouco mais no tempo, a história se transformou em “Os bancos centrais estão desequilibrados. Eles estão imprimindo dinheiro em um esforço para combater a pandemia do coronavírus. Precisamos de Bitcoin para nos proteger da inflação”, e nova e importante valorização de preços aconteceu novamente. As preocupações recentes sobre a China proibindo criptomoedas como pagamento e questões sobre o impacto ambiental levaram o pêndulo de percepção de volta a um território negativo. Como resultado, o preço baixou fortemente. Embora o sentimento de amanhã seja quase impossível de ser previsto, é provável que o Bitcoin reaja fortemente e, portanto, continue exibindo níveis de volatilidade que fazem com que as ações dos mercados emergentes pareçam inofensivas.
A alta volatilidade exibida pelo Bitcoin reforça seu fracasso como moeda de reserva de valor. Poucos desejam usar um método de pagamento para transações do dia-a-dia com variações de valor tão amplas quanto as do Bitcoin. A estabilidade de preços é um dos pilares mais importantes para uma moeda e o Bitcoin nunca foi capaz de alcançá-la em seus mais de 12 anos de história.
(*) chefe de pesquisa Next Generation, Julius Baer