Desde a primeira bolha econômica da história até a crise do “subprime” em 2008, a humanidade se deparou com diversos episódios de descrença com o sistema financeiro tradicional e com a moeda fiduciária - sem lastro ou valor intrínseco - que rege nossas negociações e que se baseia totalmente na relação de confiança entre seu emissor, que é o Estado, e a população.
Com a criação da rede Bitcoin fomentada por essa insatisfação, o uso da tecnologia blockchain aplicada a um modelo de sistema financeiro eletrônico ponto-a-ponto (P2P) veio revolucionar a forma como entendemos e lidamos com dinheiro. Assim, é fato público e notório que o bitcoin, com “b” minúsculo mesmo, token nativo da rede, propôs-se a representar a descentralização dessa dinâmica.
Por um lado, a melhor doutrina de teoria econômica nos ensina que uma moeda, para ser considerada tecnicamente como tal, deve servir a três funções: (a) meio de troca ou pagamento; (b) unidade de conta ou medida de valor, e (c) reserva de valor. Não é nossa pretensão entrar em cada um dos tópicos neste artigo.
Em contrapartida, a melhor doutrina relacionada ao desenvolvimento de blockchains nos escancara um famoso trilema proposto pelo fundador da Ethereum, Vitalik Buterin. De acordo com ele, o Trilema das Blockchains estabelece que um dentre os pontos “segurança”, “descentralização” e “escalabilidade”, deverá ser sacrificado em prol de uma rede funcional.
E o Bitcoin, caros amigos, optou por “ofuscar” o aspecto da escalabilidade, o que o leva a ter relativa lentidão e altas taxas eventualmente. “E agora, José? A festa acabou, a luz apagou, o povo sumiu e a noite esfriou?”
Como poderemos continuar falando em função de “meio de troca” neste contexto? Teria o bitcoin, moeda que pretende substituir o dinheiro fiduciário tradicional, falhado em cumprir esse objetivo?
Com o perdão da brincadeira e já parafraseando alguns trechos do famoso poema de Carlos Drummond de Andrade, essas poderiam ser algumas de suas perguntas se ainda estivesse entre nós. E, realmente, este seria um grande problema para quem almeja o que almeja.
E é aqui que entra a importância da Lightning Network, uma solução de escalabilidade que permite que os usuários possam enviar transações quase instantâneas entre si, acelerando o tempo de processamento, eliminando o congestionamento e reduzindo custos. Tudo feito a partir da criação de uma segunda camada, acima da rede Bitcoin, que consiste em canais de pagamento entre partes.
Proposta inicialmente em 2015 por Joseph Poon and Thaddeus Dryja, a Lightning Network foi desenhada para permitir que o Bitcoin alcance os mesmos níveis de transações por segundo (TPS) do que as principais operadoras de cartão de crédito ou pagamento, como a Visa (NYSE:V) (BVMF:VISA34), por exemplo. Quer soubessem seus criadores ou não, eles estavam não só resolvendo um problema prático como também econômico e filosófico sobre o futuro do dinheiro.
E, hoje, mesmo com o cenário de queda sistêmica em razão do contexto macroeconômico adverso, a Lightning Network alcança máxima história atrás de máxima histórica. A última foi vista há dois dias:
Para efeitos de comparação, a SWIFT (Society for Worldwide Interbank Financial Telecommunication), sistema que tem como principal objetivo permitir a troca de informações bancárias e transferências financeiras internacionais de forma segura, processa cerca de US$ 5 trilhões de dólares por dia. Em razão da dependência de confiança em um sistema centralizado e da demora do sistema, no entanto, vários bancos russos, por exemplo, tem deixado de utilizá-lo.
Quando realizamos um raio-X dessas transferências, notamos que 5% das operações totais processadas representam 95% do valor transferido. Os dados são oriundos da Bitcoin Magazine a partir do artigo “Bitcoin Will Replace Swift Before it Replaces Visa”, do autor Shinobi. Excelente leitura, diga-se de passagem.
Portanto, ainda que esses pagamentos de valores muito grandes representem a maior parte das transferências da rede, o restante do pequeno percentual (5%) é distribuído entre uma densa variedade de atores individuais que fazem “pequenos” pagamentos, excelente nicho que poderá e deverá ser capturado pelo Bitcoin com o tempo e com o amadurecimento dos mercados dos mais variados países desde que haja liquidez.
Com um futuro descentralizado capaz de propiciar pagamentos transfronteiriços e facilitar o comércio internacional, com liquidação praticamente instantânea e com taxas mínimas, quem ganha é o indivíduo. Não estamos dizendo que isso acontecerá amanhã, pelo contrário: o processo é longo e requer uma série de amadurecimentos e fortalecimentos estruturais do ecossistema. Mas, se a possibilidade existe, e ela existe, a Lightning Network é uma das grandes responsáveis por ela.