A poucos dias do final de 2018, chegou o momento de olhar para o retrovisor e analisar quais as lições deixadas pelo mercado de Bitcoin e criptoativos ao longo deste turbulento ano. Também parece válido consultar a “bola de cristal” para tentar entender o que pode vir por aí em 2019.
1) O Bitcoin (ainda) não é para qualquer um
Em janeiro de 2018, no ápice da euforia descomunal do mercado de ativos digitais, muita gente parecia acreditar que o Bitcoin e, principalmente, as shitcoins tratavam-se de invenções tecnológicas que serviriam para mil e uma utilidades.
Comuns eram aqueles que pensavam que o “tio Joaquim” e a “vovó Maria” poderiam utilizar o Bitcoin para, por exemplo, pagar o cafezinho na esquina.
Outros tantos se iludiram com a ideia de que esses ativos digitais eram coisas que se compravam por um preço X e, dias ou semanas depois, poderiam ser vendidas por valores dezenas ou centenas de vezes maiores. Muitas pessoas sonharam em se tornar milionárias depois de ler um artigo qualquer na internet que descrevia com palavras pomposas aquelas tecnologias supostamente revolucionárias que mudariam o mundo da noite para o dia.
Não afirmo que jamais utilizaremos o Bitcoin para comprar café na esquina, tampouco que o mundo todo irá adotá-lo como meio de troca, mas posso, com certeza, garantir que isso não ocorrerá da forma fácil e rápida que as pessoas pensaram e a mídia alardeou.
Afinal, como seria possível acreditar em tal revolução se as carteiras de Bitcoin, que são a principal infraestrutura de interação entre os usuários e a rede, continuam sendo os principais gargalos do setor. Se pararmos para pensar, o manuseio das carteiras é complexo e a segurança delas é frágil. O usuário médio ainda não consegue entender toda essa relação entre chaves pública e privada, seed, fee de transação etc. Não evoluímos muito nessa questão ao longo dos últimos 10 anos.
Acho que o ano de 2018 mostrou, mais uma vez, que o Bitcoin tem utilidades bastante específicas e que a dificuldade em manejá-lo de forma segura o restringe a um pequeno e seleto grupo de pessoas. Em outro post, explico em detalhes por que acredito que o Bitcoin atualmente serve apenas como uma forma de mandar dinheiro de um lado para o outro do mundo. Isso não quer dizer que ele não poderá no futuro alcançar novos casos de uso, mas atualmente ele tem servido primordialmente para mover grandes quantidades de dinheiro de um país para outro.
2) A Blockchain do Bitcoin precisa escalar
Se o mundo quiser usar o Bitcoin como meio de pagamento na lojinha da esquina, precisaremos criar as condições tecnológicas para isso acontecer. Na verdade, já temos algumas alternativas sendo desenvolvidas, como a Lightning Network, uma espécie de segunda camada do Blockchain do Bitcoin que permitirá aos usuários realizar micropagamentos de forma realmente rápida e barata.
Mas 2018 nos mostrou que ainda estamos vivendo os primórdios do desenvolvimento deste protocolo. Apesar de todo hype e crescimento exponencial do número de canais abertos e do volume de Bitcoins depositados nestes canais, é evidente que estamos diante de um experimento tecnológico que demandará incontáveis horas de trabalho dos times de desenvolvimento por trás das implementações propostas para que pessoas comuns possam utilizá-la.
Entretanto, tenho certeza de que em 2019 veremos muitas aplicações experimentais sendo construídas em cima da Lightning Network e isso é muito positivo para o futuro do Bitcoin.
3) A regulação está no forno
Quem acompanhou de perto o mercado de ativos digitais em 2018 vai se lembrar que a primeira grande derrapada do preço do Bitcoin, quando ele despencou dos US$20 mil para cerca de US$6 mil, entre o final de dezembro de 2017 e fevereiro de 2018, teve relação com notícias provenientes dos mercados asiáticos, como China e Coreia do Sul, que davam conta de que as autoridades regulatórias locais iriam proibir algumas atividades, como as ofertas iniciais de tokens (ICOs, na sigla em inglês) e até mesmo a operação das exchanges.
Alguns pensam que o Bitcoin é uma tecnologia subversiva que não deve nada aos governos e que existe em ambiente hermético. De certa forma, isso até pode ser verdade, mas o fato é que a atuação dos governos e órgãos reguladores tem peso muito relevante no mercado como um todo.
No Brasil, por exemplo, vimos a movimentação pré-eleitoral na Câmara dos Deputados que discutiu (de forma rasa, é preciso dizer) a questão dos criptoativos em diversas sessões de audiência pública ligadas a uma proposta de projeto legislativo para regulamentar a matéria no país. Obviamente que, depois das eleições, ninguém mais falou nisso. Contudo, no final de 2018, como escrevi neste post, a Receita Federal deu o ar das graças e mandou um recado ao mercado dizendo que em 2019 a festa deve vai acabar.
Tanto no Brasil, quanto no exterior, deveremos ver algum tipo de regulamentação surgir em 2019. Talvez, inclusive, o grupo que discute o tema no G20 proponha uma regulamentação global para o tema. É preciso ficar atento a isso.
4) As ICOs morreram, mas os STOs vêm aí
Se as ICOs fossem seres humanos, certamente elas teriam entrado para as estatísticas de mortalidade infantil em 2018. A maioria dos projetos que surgiu na crista da onda do hype acabou indo para o caixão ou sobrevive como zumbi em um cidade governada pelo “rei Bitcoin”. Quem comprou aquele token que tinha por trás apenas uma bela apresentação de Power Point, nesta altura do campeonato está amargando perdas de pelo menos 95% do capital investido.
Em 2019, entretanto, parece que veremos a popularização das Security Token Offers (STOs), que são ofertas de valores mobiliários tokenizados e que, aparentemente, seguirão as regulamentações vigentes em cada jurisdição por se tratarem de instrumentos financeiros altamente regulados.
O impacto da proliferação das STOs no mercado de Bitcoin ainda é um pouco nebuloso de se prever, mas é bom ficar de olho para ver como se comportará o tabuleiro das ofertas de tokens no ano que vem.
5) A Bitmain controla o mercado?
A Bitmain, fabricante chinesa de máquinas de mineração de Bitcoin e ativos digitais, esteve no centro das atenções ao longo de todo ano de 2018, principalmente depois que anunciou planos para realizar uma oferta pública de ações bilionária na bolsa de Hong Kong. Muito se fala sobre o poderio da empresa de Jihan Wu, um dos acionistas, e o controle que ele exerce sobre o mercado de mineração, além das guerras criadas entre o Bitcoin e o Bcash (BCH) e, posteriormente, o hard fork que originou o Bcash ABC e Bcash SV.
Realmente, é um pouco desconcertante pensarmos que a Bitmain talvez detenha em torno de 40% do poder de mineração da rede do Bitcoin, o que coloca por terra o discurso de descentralização atrelado à tecnologia. Com a derrocada do mercado de mineração mundial nos últimos meses de 2018 que inclusive culminou com o desligamento das minhas máquinas de mineração da China, nos resta aguardar o ano de 2019 para sabermos como será a reconfiguração do jogo de poderes sobre esse importante nicho da indústria, que garante o poder computacional e a segurança da rede do Bitcoin.
A chegada de novos fabricantes de máquinas de mineração que ainda não estão consolidados no mercado e que também não passaram por testes de fogo da performance de suas máquinas, além da dificuldade da Bitmain em realizar o seu IPO poderão jogar novos temperos nessa salada que é o mercado de mineração mundial.
6) As stablecoins não são tão estáveis, mas quem se importa?
Com a lenta e dolorosa morte das ICOs, o novo hype criado em 2018 e que deverá se arrastar ao longo do próximo ano diz respeito às stablecoins. Depois da polêmica envolvendo a Tether (USDT), a maior e mais utilizada stablecoin, que muita gente achava ou ainda acha que não detém as reservas em dólares americanos, surgiram uma série de alternativas de tokens centralizados pareados em alguma moeda fiduciária, geralmente o dólar americano.
A tendência é que em 2019 vejamos muitos outros surgirem e que alguns deles cheguem ao Brasil. A volatilidade atrelada ao Bitcoin e aos ativos digitais pode ser remediada com a utilização desses tokens supostamente estáveis. O problema, contudo, é garantir que esses tokens permaneçam realmente estáveis. Essa ainda é uma conta em aberto, pois a maioria deles não consegue manter um pareamento perfeito frente a uma moeda fiduciária.
7) Proliferação de exchanges e o mercado OTC
Em 2018, no Brasil, surgiu quase uma centena de exchanges de Bitcoin. Pouquíssimas delas possuem algum volume relevante. As negociações bilaterais realizadas em balcões organizados (OTC) ou no mercado P2P certamente superaram o volume o total negociado nas exchanges brasileiras, mas pouca gente sabe disso.
Acredito que em 2019, o mercado bilateral continuará crescendo e que muitas das exchanges que surgiram em 2018 fecharão as portas.
8) Os especialistas fajutos de Blockchain
Em 2018, vimos também a “consolidação” daquilo que algumas pessoas próximas a mim denominaram como os “especialistas de Blockchain do WhatsApp”, que são pessoas que leram meia dúzia de artigos por aí e começam a regurgitar abobrinhas em grupos de WhatsApp e depois criam perfis no LinkedIn e se auto intitulam “especialistas de Blockchain”. É preciso tomar muito cuidado com esse tipo de gente, que se alastrou pela esfera virtual no bojo do hype do Bitcoin. Em outro post, eu escrevi sobre esse problema. Mas vale a pena ler também um outro artigo sobre aquele que realmente considero um grande especialista no tema, meu amigo Hamilton Amorim, o algorista.
9) Os grafistas cartomantes e as projeções lunáticas
Se voltarmos a fita de 2018 e recuperarmos as previsões dos “especialistas” em janeiro, o Bitcoin era para estar valendo entre US$40 mil e US$250 mil agora em dezembro. Muita gente que quis fazer as vezes de cartomante acabou errando feio nas previsões sobre o preço do Bitcoin. Muita gente se baseia em gráficos para tentar prever o futuro do Bitcoin, mas a verdade é que isso não funciona. Em 2019, continuaremos a ver esse tipo de previsão. Mas pelo menos não diga que não avisei que ninguém é capaz de prever o preço do Bitcoin.
Alguns dados provenientes do Blockchain do Bitcoin podem ser acessados de maneira transparente, mas a essência da movimentação do mercado e, principalmente, os negócios realizados de maneira bilateral nos diversos mercados OTCs pelo mundo não podem ser mensurados de maneira precisa. Além disso, o próprio conhecimento em torno do Bitcoin é algo impreciso. Não existe uma definição única sobre o Bitcoin e pouquíssimas pessoas conseguem compreendê-lo de maneira geral. O fato também da existência de muitas notícias da mídia que não possuem embasamento verídico, escritas por pessoas com conhecimento discutível sobre a matéria, e a própria interpretação defasada das notícias por parte das pessoas com pouco conhecimento sobre a tecnologia e o ecossistema acabam contribuindo para essa imprecisão geral em torno do Bitcoin, o que culmina na falta de racional por trás das previsões de preços e das projeções futuristas sobre o assunto.
Boas festas aos leitores e leitoras do blog!