Nunca lhe pareceu estranho um sistema que se intitula “capitalista” derrotar o “socialismo”? Como pôde uma forma de organização, que declara sustentar-se na defesa do capital, vencer uma causa que se mobiliza pelo social, o bem-estar de todos, a igualdade?
Na minha juventude, quando o socialismo se expandia no mundo como azeite derramado na toalha, a única ameaça percebida pelos idealistas à continuidade desta marcha seria a vitória do capitalismo pelas armas, pois, pela vontade popular, a doutrina igualitária seria universalizada.
Surpreendentemente, a derrocada começou com a guardiã do socialismo internacional, a União Soviética, permitindo um processo de abertura que desaguou em um capitalismo envergonhado. Na Alemanha, o Muro de Berlim caiu, derrubado pelos habitantes “socializados” da Alemanha Comunista, não pelos “explorados” da Alemanha Ocidental. E o pior: a ortodoxa China, criou um capitalismo com fantasia de socialismo que a tornou a segunda economia do mundo. Os países socialistas, todos – com exceção dos românticos Cuba e Coreia do Norte –, cambiaram-se para o capitalismo, sem que um tiro fosse disparado: seus povos, - teoricamente, os beneficiados pelo fim da exploração do homem pelo homem – exigiram a implantação do capitalismo.
A explicação da virada é de uma simplicidade franciscana: este regime não deveria ser chamado “capitalista”. Ele é “consumidorista”, por ser todo voltado ao benefício do consumidor. Repare que, na economia de mercado, a violação dos direitos do consumidor é punida com severidade, como comprovam as instituições Procon, Banco Central, CVM e todas as agências reguladoras. Já a quebra de empresas é acolhida com naturalidade, até regozijo, por indicar que está em ação um movimento histórico darwiniano de modernização empresarial.
A arma secreta do capitalismo para derrotar o socialismo chama-se “mercado”, o santuário onde empresários se digladiam, incorporam tecnologias e transferem ao consumidor seus ganhos de produtividade, seja pela adequação crescente dos produtos aos anseios da demanda, seja pela continua redução de preços que a modernização propicia. No socialismo, a decisão do que produzir, com que tecnologia e a que preço era tomada de forma centralizada por meia dúzia de iluminados do Partido: só poderia acabar mesmo em fracasso retumbante.
Toda esta introdução foi para extrair o seguinte teorema: cada vez que se cria um mercado novo, o consumidor se beneficia, como nos casos de Uber (NYSE:UBER) (SA:U1BE34), Netflix (NASDAQ:NFLX) (SA:NFLX34), Ifood, Plix; cada vez que se esfaqueia um mercado, seja intervindo em preços, seja proibindo sua existência, o consumidor perde.
O consumo recreativo da maconha ilustra bem esta implicação. Não cabe a um economista avaliar se a maconha eleva o bem-estar de seus usuários sem causar danos comprovados para sua saúde, nem se seus consumidores estariam melhor protegidos do covid. Para focarmos na natureza econômica do problema, admitamos que a maconha seja um vício similar ao cigarro ou à bebida.
Por que a proibição do seu consumo? Jogar na ilegalidade jovens e adultos que usufruem da serenidade que a cannabis induz é atitude medieval. Se um produto desejado é jogado na marginalidade, seu consumo não desaparece, mas ele fica mais caro e o lucro da sua comercialização é apropriado por contraventores que desfrutam do um ganho extraordinário, já que se dispõem a correr o risco de prisão. Lotam-se os presídios com operadores deste mercado-negro, a qualidade do produto é abastardada, o custo da ilegalidade é repassado ao consumidor e bandidos que operam o setor encontram nele o funding para praticar crimes muito mais danosos do que o de dar alívio ao stress dos usuários da erva.
No começo do século passado, os Estados Unidos proibiram a produção de bebidas alcoólicas e o gangsterismo se alastrou, sem extinguir o consumo. Na ponta oposta, temos no Brasil um exemplo de enfrentamento de um vício via mercado, o do cigarro: sem proibir, meramente regulando e ensinando, conseguimos eliminar 100 por cento do envenenamento do não-fumante, por proximidade a viciados e reduzimos a porcentagem de fumantes na população de 30 para meros 10 por cento.
Deveríamos seguir o exemplo de várias nações que liberaram o consumo recreativo da maconha na Europa. Também o dos americanos, cujos estados estão, um a um, legalizando o consumo: Nova Iorque o fez na semana passada.
Com uma regulamentação inteligente, vamos autorizar laboratórios profissional e eticamente gerenciados a oferecer um produto de qualidade controlada aos seus consumidores. Vamos arrecadar como impostos o que hoje é lucro da criminalidade e aplicar tais recursos em benefício da sociedade.
Vamos substituir o acordo operacional entre traficantes pela competição entre empresários respeitadores da lei, com benefícios para todos.