Recentemente, o debate em torno da necessidade de um BACEN independente voltou a ganhar espaço. Isto aconteceu depois que o projeto de autonomia do BACEN, do deputadoFrancisco Dornelles, foi aprovado na Comissão Econômica do Senado, ficou de ser enviado ao Congresso Nacional para ser sancionado pela presidente, mas acabou “morrendo na praia”, por divergências entre o governo e os congressistas.
Importante lembrar que embora com definições distintas, autonomia e independência servem ao mesmo objetivo: afastar o BACEN de possíveis pressões político-eleitorais ou tentações de gastos em períodos eleitorais. Em ambos os casos, seria dada a autoridade monetária a capacidade de preservar o “poder de compra da moeda”, atuar como “emprestador de última instância” ou como fiscalizador do sistema financeiro, sem passar pelo “crivo político do governo de ocasião”.
Neste episódio descrito, o ex-presidente Lula, a princípio, foi favorável a medida, por considerar importante sua aprovação na ancoragem da credibilidade do governo, mas depois se colocou contrário, por considerar que seu governo conseguiu atravessar algumas crises sem a necessidade do BACEN independente (ou autônomo formalmente). Na verdade, na época o BACEN era autônomo operacionalmente, sem o crivo da aprovação em lei. Era, digamos assim, uma “autonomia informal”. Dilma também se mostrou favorável no início, mas, atropelada pelos fatos, pelo ex-presidente, acabou recuando, diante do risco de acharem que quem governa era ele e não ela.
Coloquemos então este debate em pauta. Afinal, o nosso BACEN deve ser independente ou ter autonomia formal? Como é em outros países? Qual o debate teórico? Iniciemos então com esta última indagação.
Debate teórico. Para se ter um BACEN independente (BCI), a condução da política monetária precisa estar livre das pressões do governo, interesses políticos, ciclos eleitorais, etc. O presidente do BACEN deve ser escolhido entre pessoas de reconhecida capacidade técnica, assim como os diretores, nomeados pelo presidente e “homologados” pelo Congresso.
O objetivo primordial de um BCI deve ser tão somente operar uma política monetária que garanta inflação baixa, ou seja, a manutenção do poder de “compra da moeda”. A credibilidade e a reputação estariam garantidas por este objetivo. Dois são os arcabouços institucionais possíveis para um BCI. No primeiro, chamado de “Independência (ou autonomia) por Objetivos”, o BACEN pode livremente definir sua meta quantitativa de inflação e utilizar os instrumentos monetários com plena autonomia. No segundo, conhecido como “Independência (autonomia) por Instrumentos”, o BACEN atua livremente para definir quais instrumentos monetários serão utilizados para alcançar a taxa definida em contrato, por outra instituição, Congresso ou Executivo. Caso o presidente e sua diretoria não sejam capazes de manter esta política, podem ser demitidos.
Sendo assim, o objetivo deve ser tornar o BACEN independente por objetivos ou por instrumentos. Existe, no entanto, uma diferença sutil entre autonomia e independência. A primeira significa que a autoridade monetária teria autonomia para utilizar os instrumentos de política monetária. Ou seja, o BACEN se submeteria ao objetivo determinado pelo governo eleito, e não seria independente da orientação de política econômica deste governo. Já no caso da independência haveria este descolamento da política econômica do governo. O fato é que tanto independência como autonomia, não obstante diferenças de atuação são faces da mesma moeda do ponto de vista da política econômica, uma vez que a autonomia do Banco Central coloca a política monetária como tendo um patamar “superior” ao da política fiscal na condução da política econômica.
Debate no Brasil. Muitos consideram que o Brasil não possui maturidade suficiente para conviver com um BACEN independente (ou autônomo formalmente). Acham que o presidente do BACEN pode até ter a prerrogativa de autonomia de decisão, mas o cerne da política monetária precisa estar, em última palavra, com a Fazenda. Na prática, predomina no Brasil a “autonomia por instrumentos”. O governo, em reunião do Conselho Monetário Nacional, define a meta de inflação, hoje no centro em 4,5% com tolerância de dois pontos para cima e para baixo, e o BACEN define os instrumentos para atingir esta meta, na maioria das vezes, através da taxa de juros de curto prazo, sem esquecer os recolhimentos compulsórios, o open market e a taxa de redesconto.
Outros países. Nos EUA, por exemplo, o Fed atua através da “autonomia por objetivos”. O Congresso Nacional define os objetivos, como a meta de inflação e de pleno emprego, e o Fed decide qual deles é prioritário. No Banco Central Europeu predomina o sistema de “autonomia por metas”. A autoridade monetária define qual a inflação perseguir (2%) e usa os instrumentos para atingi-la.
Favoráveis. Em sua defesa, uma maior “blindagem” contra ruídos externos, interesses eleitorais, tentações políticas por aumento de gastos, ainda mais em época eleitoral. Muitas vezes, o presidente do BACEN pode ser tentado a reduzir juro em períodos eleitorais, para estimular a economia e ganhar votos, adiando o combate à inflação.
Contrários. Outros, no entanto, são contrários a esta autonomia da autoridade monetária. Daron Alemogun, da MIT nos EUA, por exemplo, acha que apenas em alguns casos a autonomia do BACEN gera ganhos. Para ele, este arranjo de BACEN autônomo (ou independente) tende a ter pouca eficácia em países onde os governantes não são obrigados a prestar contas, como nas ditaduras.
Basta lembrar Zimbábue, na qual o ditador Robert Mungabe, há anos no poder, aprovou em 1995 a autonomia do BACEN, mas nem assim conseguiu a estabilidade inflacionária. Nos anos seguintes, o país acabou engolfado por uma hiperinflação que até hoje cobra seu preço pelo caos gerado, desorganizando a economia e acabando com o horizonte de planejamento dos agentes. Isto significa dizer que a autonomia do BACEN não muda o fato de quem manda de fato é o ditador e não o “presidente de uma instituição independente”.
Comentários finais. Nossa opinião é que o país está preparado para ter um BACEN independente (ou autônomo, pela interpretação da lei), desde que o governo defina um arcabouço de políticas econômicas equilibradas, complementares e consistentes. Não dá para manter uma política monetária independente e uma fiscal totalmente improvisada, se guiando aos sabores do humor do governo e das pressões políticas. Além disto, os mandatos dos diretores devem ser definidos a partir da nomeação do presidente do BACEN, numa indicação em sintonia entre os poderes, legislativo e executivo. Na verdade, a autoridade monetária deve atuar como uma agência de regulação, técnica e apolítica, com quadros qualificados atuando a margem das pressões políticas, intervindo quando necessário, e não quando conveniente para o governo de ocasião.