Vale comparar o comportamento do Banco Central americano com o brasileiro.
Comecemos pela semelhança entre as duas economias: ambas em processo de recuperação econômica, mas com pressões inflacionárias impostas pela disparada dos preços de commodities.
Lá, a demanda agregada dá indícios de um aquecimento em desenvolvimento. Aqui, com mais de dez milhões de desempregados e empresas com ociosidade, a pressão é basicamente de custos, ainda que se deva reconhecer que a importância dos preços de commodities na nossa economia é maior do que na americana.
Agora, uma constatação empírica: apesar de já terem subido algo entre 20 e 60 por cento, os preços internacionais tanto de produtos agropecuários como minerais estão francamente em queda, quando comparados ao pico alcançado no começo deste ano. Como há uma defasagem de mais de ano entre uma subida de juros e seu impacto sobre a inflação, atacar agora a alta passada dos preços de commodities pode vir a ter efeito quando eles já estiverem em queda. Neste caso, a subida de juros terá sido meramente punitiva.
O Banco Central americano assume seu duplo mandato. Ou seja, ele age maximizando o emprego e o crescimento do PIB, sujeito à restrição que a inflação se mantenha em níveis aceitáveis (no caso, em 2% ao ano). Consequentemente, sua atuação é consistente: apesar da pressão de custo, ele insiste em manter os juros de curto prazo próximos a zero porque sabe que, se alguns preços importantes da economia sobem por causas passageiras, a reversão é inevitável, desde que não se esteja em pleno emprego.
Resumindo: lá o Banco Central, mesmo com indícios de pressão de demanda, escolhe uma estratégia que realmente privilegia a continuidade do processo de recuperação econômica, decidindo retardar ao máximo a elevação de juros ou a interrupção da recompra de papeis do mercado. Mesmo com a política fiscal sendo expansionista, com investimentos públicos volumosos, em aprovação no Parlamento deles. O duplo mandato, então, está priorizando a sustentação do crescimento, até que as provas de que há um processo inflacionário sejam irrefutáveis.
Aqui, a opção do Banco Central vem sendo diametralmente oposta. Apesar da inflação anualizada de serviços – o indicador mais relevante para a formulação da política monetária – estar em queda a cada mês que passa, caminhando para algo próximo de 2% ao final do ano, o indicador que prevalece nas decisões do COPOM tem sido a evolução dos preços administrados, em alta ainda forte e com perspectiva de ganhar apoio dos reajustes de energia elétrica, que a escassez de chuvas vai impor.
Mesmo sabendo que a alta dos juros só é instrumento poderoso no combate à inflação quando sua causa é excesso de demanda, a única discussão dentro da Autoridade Monetária é se os juros devem subir muito ou muito mais. Apesar de estarmos com uma política fiscal contracionista, pois o déficit neste ano será menor do que o do ano passado.
Com medo de ser taxado de frouxo, o Banco Central faz nitidamente uma opção por errar para mais, na fixação dos juros. Lamentável, mormente quando se lembra que para aprovação da independência do Banco Central, o Congresso incluiu o duplo mandato mitigado: em vez de cravar que o objetivo da política monetária deva ser maximização do crescimento com a restrição de manter a inflação sob controle, como reza a norma americana, aqui a lei estabelece que o objetivo é cumprir metas inflacionárias, tomando em conta, “subsidiariamente”, a busca do crescimento do emprego. Nem mesmo esta restrição atenuada, o Banco Central está respeitando.
Será lamentável se este excesso de zelo anti-inflacionário vier a abortar a recuperação econômica que se concretiza no momento, agravando o déficit fiscal pelo pagamento de juros excessivos, encarecendo a produção e desestimulando o investimento.
O fio de esperança é termos uma queda rápida dos preços internacionais (complementada pela valorização do real) que acorde a Autoridade Monetária para o erro que pode estar cometendo.