A inflação acumulada nos últimos 12 meses está acima de 4,5%. Pior: como da base de 2020 vão, em seguida, sair 3 meses que acumularam uma variação negativa do IPCA de cerca de 1,5%, antes do final do semestre a acumulada de 12 meses deverá estar rondando 6%, rompendo o limite superior estabelecido pela política de meta inflacionaria.
Como cachorro picado por cobra tem medo até de linguiça, está bombando no mercado a algaravia quanto ao repique da inflação e à morosidade do Banco Central em agir. Já há quem demande que a taxa Selic suba de 2% para 5%, antes do final do ano.
Reflita, entretanto, sobre os seguintes aspectos, antes de acreditar em alta brusca da Selic:
1. A pandemia, no plano existencial, trouxe uma sensação trágica de vulnerabilidade, que nos fará repensar a vida e como nela nos conduzir. No plano econômico, provocou uma queda dramática da demanda privada e uma ruptura das cadeias produtivas, consequências do distanciamento necessário. Vale dizer, dificuldades no deslocamento de pessoas e mercadorias produziram vários pontos de estrangulamento, que geraram desabastecimento e elevação dos custos de produção de alguns produtos. Temos então, ocorrendo simultaneamente, queda de demanda e encarecimentos localizados da produção.
2. Consequentemente, sobem imediatamente os preços dos bens afetados mais fortemente pela ruptura produtiva. Ensina a boa teoria econômica que, na dinâmica, a alta dos índices de preço decorrente implicará em rearranjo de preços relativos, sendo a pressão inflacionaria inicial absorvida pelo próprio sistema, desde que não haja um regramento generalizado de indexação. Simplificando, é uma “inflação de oferta,” transitória, para a qual não há necessidade nem instrumentos eficazes de intervenção por parte do Banco Central.
3. Mas, e a ação fiscal recente, espalhando generosamente subsídios para empresas e famílias? Realmente, foi universal e muito bem-vinda. Contudo, apenas um paliativo e não uma compensação integral pela perda de renda gerada pela praga. Se antes deste gasto público não havia pressão de demanda, não seria agora que ela surgiria.
4. O IPCA de janeiro foi animador, não só por ser baixo (0,25%), mas por mostrar que mesmo os itens que estão em alta significativa, como alimentos, arrefeceram substancialmente. A Autoridade Monetária, então, deverá estar observando apenas a variação na margem dos preços, cuja tendência será de queda, e não olhando pelo retrovisor, preocupando-se com o surto que afetou o IPCA, no segundo semestre de 2020.
5. Livramo-nos quase totalmente, do vicio da indexação impositiva, que transformava mudança de preço relativo em inflação permanente. Resta enterrar o dogma de que uma aplicação de curto prazo deve render juros reais positivos, uma jaboticaba criada como antídoto à hiperinflação, que nos ameaçava no século passado. Selic deve subir quando houver no horizonte uma perspectiva de pressão inflacionária originada por excesso de demanda e não porque o investidor se acomodou em uma posição de renda fixa de curto prazo e exige um “salário mínimo,” a remunerar sua inércia.
Conclusão: se estamos passando por um processo de pressão de custos com inflação importada, sem respaldo de uma demanda agregada gulosa e mostrando sinais de que o pior ficou para trás, por que esperar, da melhor gestão que o Banco Central já teve, uma subida substancial da Selic?