A Áustria tem uma gloriosa história no centro da Europa. Talvez isso explique por que seus títulos de 100 anos tiveram uma demanda de € 17,7 bilhões, nove vezes maior do que a oferta de € 2 bilhões, com um rendimento inferior a 1%: apenas 0,88% em um cupom de 0,85%.
Um século é muito tempo, e ninguém teria a pretensão de saber onde a Áustria estará daqui a cem anos. Se olharmos o último século, a pequena república que emergiu da divisão do Império Austro-Húngaro após a Primeira Guerra Mundial passou pela anexação de Hitler, ocupação por quatro potências, décadas de neutralidade e entrada na União Europeia.
Quem sabe onde o país estará no próximo século? Mas essa não é a questão. A recompensa por investir em um título de 100 anos é muito mais imediata.
Uma aposta na perspectiva fiscal e retornos mais altos
As peculiaridades dos valores dos títulos fazem com que eles atraiam não só os fundos de pensão com um horizonte de longo prazo, mas também especuladores de hedge funds em busca de lucro rápido.
Gráfico – cortesia de The Economist
O título de 100 anos da Áustria emitido em 2017 já gerou um retorno de 85% para os investidores, fazendo com que seu desempenho seja um dos maiores do mercado.
Embora representem apenas uma pequena parcela do mercado de títulos soberanos, os títulos ultralongos também são interessantes pelo que têm a dizer sobre a perspectiva fiscal. Os títulos são, ao fim e ao cabo, apostas de que as taxas de juros continuarão baixas ou em declínio; que os rendimentos negativos de dívidas de governos bem classificados não vão desaparecer tão cedo; que a inflação acabe se tornando uma deflação; e que os bancos centrais precisam encontrar novos instrumentos para administrar a economia.
A razão para o forte desempenho dos títulos ultralongos é a duração, um conceito-chave para compreender como esses papéis são avaliados. A duração, conforme sua definição, é uma média ponderada dos pagamentos que um investidor receberá com o tempo, corrigidos para o valor presente. Quando maior o período dos pagamentos, maior o retorno, mesmo com a correção.
Isso significa que os títulos superlongos e ultralongos são muito mais sensíveis a mudanças nas taxas de juros, inclusive as mais ínfimas, na medida em que a duração amplia as oscilações. Obviamente, essa é uma faca de dois gumes, pois a duração pode ampliar tanto as perdas quanto os ganhos, mas o interesse dos investidores por esses papéis é maior quando consideram que haverá um longo período de juros baixos, como agora.
Quem ganha?
Para o emissor – no caso, o país que oferta o título – o atrativo é óbvio. É uma chance de travar um juro baixo por cem anos, em vez de se arriscar a recorrer a taxas maiores no momento da rolagem da dívida. É como uma hipoteca prefixada de 30 anos, em vez de uma taxa pós-fixada.
Para investidores de fundos de pensão, a maturidade mais longa permite que estendam sua própria duração para que seus ativos fiquem mais próximos dos seus passivos. Quando adquirem títulos de prazo menor para passivos de 30 a 60 anos, ficam expostos ao risco da taxa de juros.
A Áustria emitiu seu título de 100 anos em 2017 com um cupom de 2,1% e arrecadou € 3,5 bilhões. O país reabriu a emissão há um ano para levantar mais € 1,25 bilhão, precificando os títulos desta vez a 154% com um rendimento de apenas 1,17%. A demanda por essa emissão superou em quatro vezes a oferta.
O programa de compra de ativos do Banco Central Europeu, ampliado agora por causa das compras emergenciais em combate à pandemia, fez com que Áustria voltasse ao mercado centenário novamente, desta vez com um cupom e um rendimento abaixo de 1%.
O cupom baixo oferece um benefício adicional aos investidores, por gera a chamada convexidade positiva: os preços sobem mais rápido durante a queda dos rendimentos e depois caem quando os rendimentos crescem.
A matemática por trás da duração e da convexidade pode ser complexa, mas o resultado não. A Irlanda e a Bélgica realizaram ofertas privadas de dívida de 100 anos, enquanto a França, Itália e o Reino Unido se aventuraram em com uma dívida de 50 anos. Por outro lado, o título de 100 anos da Argentina, emitido em 2017, com rendimento de 7,125%, está com um preço inferior a US$ 40, mostrando que pode ser uma via de mão dupla (ver gráfico acima).
Entre os emissores não soberanos, diversas universidades norte-americanas, como Caltech, USC, Universidade de Virgínia e Rutgers – também ofertaram títulos de 100 anos, com cupons mais altos e quantidades menores. Entre os emissores corporativos estão a Walt Disney (NYSE:DIS) e a Coca-Cola (NYSE:KO).
Com os emissores soberanos oferta um título centenário, inevitavelmente levanta a questão sobre se os EUA entrarão para o clube.
O secretário do Tesouro, Steve Mnuchin, arrefeceu essa especulação em seu depoimento ao Congresso no mês passado, quando declarou que o governo considerava emitir papéis de 50 ou 100 anos para quitar um déficit estimado em US$ 3,4 trilhões neste ano, mas houve pouca demanda por eles.
Alguns especularam que as instituições autorizadas a negociar diretamente com o Fed, mais interessadas na emissão frequente de títulos de curto prazo, convenceram Mnuchin de que não haveria demanda suficiente para títulos ultralongos. É difícil acreditar que os investidores que se dispuseram a colocar quase US$ 20 bilhões na pequena Áustria deixariam passar a chance de comprar papéis de 100 anos do Tesouro americano.
Os EUA chegaram a fazer um leilão de US$ 20 bilhões em títulos de 20 anos em maio, pela primeira vez desde 1986, e Mnuchin afirmou que o governo focaria em vencimentos de 10, 20 e 30 anos. Parece que esse é o maior prazo “ultralongo” que os títulos do Tesouro americano vão conseguir chegar por enquanto.