A temida inversão da curva de juros acabou acontecendo na semana passada, diante de um consenso incipiente de que o Federal Reserve será mais agressivo na elevação dos juros. Isso provocou uma liquidação nos títulos do Tesouro americano, com a nota de dois anos sendo a mais atingida, a ponto de superar o rendimento da nota de dez anos.
Uma inversão como essa na curva de juros historicamente prenuncia uma recessão, mas sem indicar um momento preciso. A ideia é que o aperto monetário, refletido nos juros maiores no curto prazo, arrefecerá a demanda e provocará uma recessão. No longo prazo, isso permitiria uma flexibilização da política monetária e uma redução dos juros.
A presidente da sucursal do Fed em São Francisco, Mary Daly, que defendia um aumento mais gradual dos juros, passou a entoar o coro dos que desejam uma ação mais firme do Fed. Na sexta-feira, em uma entrevista ao Financial Times, ela afirmou que eram maiores as chances de um aumento de 50 pontos-base na próxima reunião de política monetária.
“A perspectiva de 50 pb cresceu, desde que não haja qualquer surpresa negativa até a próxima reunião. Estou mais convencida da necessidade de realizar esses ajustes mais cedo”.
As fortes contratações do mês de março, responsáveis por fazer a taxa de desemprego cair de 3,8% para 3,6%, sugerem que a robustez do mercado de trabalho pode resistir a uma política monetária mais rígida, mesmo com a indicação de pressão contínua sobre salários e preços.
O índice de gastos com consumo pessoal, medida de inflação usada pelo Fed, registrou um aumento ano a ano de 6,4% em fevereiro, quando da sua divulgação na última quinta-feira. Até o chamado núcleo da inflação, bastante acompanhado pelas autoridades do Fed por eliminar os preços voláteis de energia e alimentos, subiu 5,4% no ano. Ambos registraram uma alta em relação aos números anteriores.
O presidente do Fed de St. Louis, James Bullard, que teve um voto dissidente na última reunião do Comitê Federal de Mercado Aberto (Fomc, na sigla em inglês) por defender uma elevação maior nos juros do que os 25 pontos-base aprovados, repetiu seu pedido de aperto monetário. Ele escreveu no site do banco regional na semana passada:
"O mercado de trabalho se recuperou totalmente da recessão em quase todas as medidas e foi além dos níveis pré-recessão em várias medidas. Além disso, a inflação está bem acima da taxa de 2% que o Fomc equipara à estabilidade de preços, e a política monetária não foi reajustada para essas condições macroeconômicas. É por isso que é necessário que o comitê remova a acomodação da política monetária."
O Fed disse que permitirá que a inflação fique acima da meta por algum tempo, a fim de buscar uma taxa média de preços, mas Bullard calcula que a inflação média do núcleo dos gastos com consumo pessoal seria de 2,9% para o período de 2019 a 2023, significativamente maior do que o alvo. E tomou como base as previsões dos próprios formuladores da política monetária. Se o Fed não agir rapidamente para aumentar os juros e enxugar seu portfólio de títulos de US$9 trilhões, “podemos colocar em risco a credibilidade da política monetária, no que tange à meta de 2% para a inflação”, prosseguiu.
As autoridades do Fed ainda pregam que seu objetivo é permitir que a economia tenha um “pouso suave". O presidente da sucursal do Fed em Nova York, John Williams, sempre um otimista, ainda considera que esse resultado seja factível se o Fed apertar a política monetária em conjunto com outros países:
“Essas ações nos permitiriam concluir o proverbial pouso suave, sem prejudicar o vigor sustentado da economia nem o mercado de trabalho. Ambos estão bem posicionados para resistir a uma política monetária mais rígida. De fato, minha expectativa é que a economia continue crescendo neste ano e que a taxa de desemprego siga perto do seu nível atual”.
Alguns analistas não são tão otimistas. Lisa Shalett, CIO do Morgan Stanley (NYSE:MS) Wealth Management, listou três razões pelas quais acredita que as esperanças de um pouso suave não se concretizem: ações supervalorizadas, impacto subestimado da redução do portfólio de títulos do Fed e crença equivocada de que o Fed intervirá para proteger os investidores do mercado acionário.
De qualquer forma, o Fed não tem um histórico muito bom de realizar pousos suaves e desta vez enfrenta o desafio adicional dos choques externos da invasão na Ucrânia e dos subsequentes distúrbios às cadeias de fornecimento.
Alan Blinder, ex-presidente do Fed, disse que o banco central só conseguiu fazer um pouso suave nos últimos 11 ciclos de aperto monetário. Mesmo que outras duas ocasiões não se qualifiquem como uma recessão oficial, ainda restam oito eventos de pousos forçados. Não é um bom presságio.