Hoje venho aqui fazer uma confissão e eu vou explicar a relação com a economia global.
Confesso que, há exatamente um ano, fui um daqueles que subestimou os impactos do coronavírus na economia global. Não com relação à existência da doença – não sou um dos negacionistas – mas sim com relação à duração dessa crise e o tamanho dos impactos que ela geraria.
Inicialmente achei que era mais um dos tantos exageros que a mídia faz com o intuito de gerar clicks e views. Em segundo lugar porque as informações eram esparsas, o que dificultava fazer uma previsão sobre seus desdobramentos.
Mas posteriormente o mercado financeiro reagiu. Entrou em pânico. Sangrou. Embora ele seja um maníaco-depressivo convicto (hora eufórico demais, hora medroso demais), era um sintoma. Um sintoma que não podia ser ignorado, e que a pandemia poderia alterar os rumos da economia global e acelerar mudanças que já estavam em curso.
Passado pouco mais de um ano desde o início da crise, podemos visualizar com mais clareza essas consequências e compreender quais são as principais mudanças econômicas, comportamentais e geopolíticas.
Portanto, trago hoje as 5 maiores mudanças estruturais que irão nortear nossa humanidade e nossa economia daqui para frente.
1 – UMA ECONOMIA MAIS DIGITAL
Sem dúvida essa é uma das mudanças mais obvias e percebidas em nosso dia-a-dia. Com a maior necessidade de permanecer em casa, nos vimos forçados a recorrer à internet para efetuar nossas compras.
Embora esse hábito já fosse natural para os nascidos a partir da Geração Y ou Millennials, ainda assim não era uma ação predominante. E quando observamos as gerações anteriores a essa, o e-commerce ainda sofria resistência.
Mas o ser humano é um ser adaptável, e os números refletem essa adaptação. O gráfico abaixo mostra que o número de americanos que não usam internet, que já foi de 48% há 20 anos, caiu para apenas 7% do total.
Comprar pela internet deixou de ser uma opção e passou a ser uma necessidade. Essa mudança estrutural já estava em curso, mas foi drasticamente acelerada com a pandemia, representando um aumento de 27,6% ao redor do mundo em 2020.
E quando a atenção do consumidor muda de foco, obviamente mudam também as estratégias das empresas para atraí-lo. Nesse interim, os recursos alocados em publicidade também tiveram uma mudança estrutural acelerada.
Hoje, mais da metade dos gastos com publicidade nos Estados Unidos já são alocados nas três maiores gigantes do mundo digital: Google (NASDAQ:GOOGL) (SA:GOGL34), Facebook (NASDAQ:FB) (SA:FBOK34) e Amazon (NASDAQ:AMZN) (SA:AMZO34). Tal tendência também foi observada no restante do mundo. Mais uma mudança que veio para ficar.
2 – MUDANÇA NA HEGEMONIA ECONÔMICA
A economia dos EUA certamente foi uma das que mais sofreu com a pandemia. Não é à toa que obteve seu pior desempenho em 76 anos, contraindo 3,5% em 2020, pior resultado desde a Segunda Guerra Mundial, em 1946.
Tanto que, pela primeira vez em décadas, o país perdeu a primeira posição no ranking de maior PIB do Mundo para a China, um dos poucos países a crescer mesmo em meio à pandemia. Para que se tenham uma ideia, essa alternância no topo era prevista somente para 2025, mas a pandemia a antecipou em 5 anos.
Além disso, a China vem se consolidando como um novo polo de tecnologia e inovação, além de ter mudado sua estratégia nos últimos anos, fortalecendo seu mercado interno, já que possui a maior força consumidora do mundo, com seus mais de 1,4 bilhão de pessoas.
3 – ENFRAQUECIMENTO DO DÓLAR NA ECONOMIA GLOBAL
Em 2020 o mundo também viu ocorrer uma inundação de dólares no sistema. Para amenizar os efeitos da pandemia em sua economia, o Banco Central norte-americano, o FED, decidiu imprimir alguns trilhões de dólares, praticamente dobrando sua base monetária em um único ano.
Em paralelo, o FED também manteve a taxa de juros americana próxima de 0%, tornando o país menos atrativo aos olhos de investidores estrangeiros.
Com uma oferta muito maior e com juros no chão, o dólar se desvalorizou significativamente perante as principais moedas do mundo, o que põe seriamente em risco sua liderança como principal moeda global. O índice DXY, que mede a cotação do dólar perante outras moedas, reflete claramente esse cenário.
A moeda americana segue sendo o principal meio de troca do mundo, mas já não é mais uma unanimidade, estando inclusive ameaçada por outras alternativas, como por exemplo o ouro, ou até mesmo o Bitcoin.
4 – GOVERNOS SUPERENDIVIDADOS
Injetar dinheiro na economia e derrubar suas taxas de juros não foi um movimento efetuado somente nos Estados Unidos. Ao redor do mundo, os países precisaram deixar de lado a austeridade fiscal em detrimento de um socorro emergencial ás suas economias.
Além de aumentar seus gastos, os governos também viram suas receitas caírem drasticamente com a paralização de suas economias e uma consequente arrecadação menor. Com menor arrecadação e maiores gastos, o déficit fiscal disparou.
O resultado não poderia ser diferente: a relação Dívida/PIB Pública global fechou em 101,2%, o maior patamar da história.
Fonte: Euromonitor International from International Monetary Fund (IMF). Note: Data for 2020 and 2021 are forecasts.
O cenário mais preocupante fica por conta dos países emergentes – em que se inclui o Brasil – pois esses países, por estarem altamente endividados, poderão ter dificuldades em se financiar ou em rolar suas dívidas. Dessa forma, as vulnerabilidades da dívida de curto prazo pressionarão ainda mais esses países a efetuarem ajustes fiscais severos, prejudicando os investimentos e consequentemente uma retomada mais acelerada.
O superendividamento dos governos é, sem dúvida, o maior desafio para o sistema econômico global no mundo pós-covid, sendo apontado inclusive por alguns como a próxima grande crise.
5 – A ASCENSÃO DO BITCOIN NA ECONOMIA GLOBAL
Por coincidência (ou não) o Bitcoin é fruto da última grande crise antes da que estamos vivendo atualmente.
A crise de 2008 teve como origem o sistema financeiro. Na época, os Bancos Centrais precisaram salvar muitas das instituições financeiras que foram as próprias originadoras de crise, temendo que o impacto fosse ainda maior.
Acontece que “salvar os vilões” gerou muitas críticas e revoltas na época. E um dos resultados dessa revolta foi o surgimento do Bitcoin, primeira moeda digital, que tinha como intuito substituir as moedas físicas e principalmente descentralizar o poder sobre o dinheiro, hoje exercido pelos bancos centrais.
A base do Bitcoin vem de uma tecnologia chamada blockchain, um sistema que permite rastrear o envio e recebimento de informações pela internet. Essa tecnologia pode ter usabilidade em todos os outros setores da economia global, pode gerar uma verdadeira revolução.
O que ninguém esperava é que, depois de pouco mais de 13 anos, o Bitcoin atingisse o valor de mercado de mais de US$ 1 trilhão, para euforia de uns e preocupação de outros. Não é à toa que alguns investidores o chamam de “Ouro Digital”.
Podemos concluir que a ascensão do Bitcoin tem relação direta com as mudanças apresentados anteriormente. O despejo de dólares na economia, o enfraquecimento dos governos e os juros muito baixos despertaram grande preocupação dos agentes econômicos, que passaram a buscar uma nova reserva de valor para o seu dinheiro.
Além disso, com as atenções das pessoas voltadas à internet, o interesse nas criptomoedas cresceu exponencialmente, como mostra o gráfico abaixo do Google Trends.
Por muito tempo, as criptomoedas foram objeto de muitas dúvidas e incertezas. Afinal, uma moeda é um meio de troca. E um meio de troca para cumprir seu principal papel precisa ser aceito universalmente pelos agentes de mercado, caso contrário, perde sua utilidade.
Entretanto, nos últimos meses muitos agentes poderosos do planeta passaram a aceitar o Bitcoin como meio de pagamento, como por exemplo o Paypal (NASDAQ:PYPL) (SA:PYPL34), a Microsoft (NASDAQ:MSFT) (SA:MSFT34) e a Tesla (NASDAQ:TSLA) (SA:TSLA34). Na última semana vimos também o primeiro IPO de uma corretora de criptomoedas, a CoinBase (NASDAQ:COIN), que gerou alvoroço no mercado financeiro, fortalecendo ainda mais o mundo das moedas digitais.
UM NOVO MUNDO SE DESENHA
Encontraremos vários desafios no mundo pós-pandemia, como a retomada da economia e do emprego, a compensação pelo déficit de um ano na educação, e as elevadas dívidas públicas ao redor do mundo.
Mas também encontraremos diversas oportunidades. O acesso maior à internet pode democratizar ainda mais a educação e reduzir a diferença entre o ensino público e privado. Devemos ter uma maior preocupação dos países com relação a nossas pandemias, então o cuidado com saúde deverá ser redobrado. O trabalho remoto também deverá mudar as relações das pessoas e empresas, levando a uma descentralização urbana.
Concluindo, se você ainda tem esperanças que o mundo volte a ser como era antes, é preciso encarar a realidade. Até mesmo eu, que fui cético há um ano atrás, precisei me render aos dados que acabei de apresentar, afinal, essa é minha linha de análise: os dados são os mensageiros da verdade. Mas isso não significa que o mundo será melhor ou pior, apenas será diferente. E todos nós precisaremos fazer valer nosso histórico como seres humanos, nos adaptando a um novo mundo.
Te espero no próximo artigo!