O movimento de apreciação abrupta do real frente ao dólar ocorrida na terça e ontem pode dar a impressão de que algo efetivamente tenha mudado no contexto do câmbio.
Ocorre que tivemos a queda abrupta de preço de algumas “blue ships” na Bovespa, com destaque para a Vale (SA:VALE3) que chegou a perder ¼ do seu valor face à tragédia ocorrida em Brumadinho, e este fato criou uma janela de oportunidade para que, de forma pontual, investidores estrangeiros tenham ingressado com recursos direcionados para aquisição destes papéis, e isto, ocorrido de forma intempestiva, causou impacto imediato no preço da moeda americana.
Por outro lado, aproveitando o “clima do momento”, o BC anunciou ontem dois leilões de linhas de financiamento em moeda estrangeira com recompra de US$ 3,2 Bi, realizado ontem, e US$ 3,0 Bi, hoje, mas que efetivamente não se trata de atitude para incrementar a liquidez do mercado a vista, já que tem a finalidade de rolagem de posição vincenda em 4 de fevereiro próxima.
Esta intervenção, embora para fins de rolagem, por parte do BC é inadequada, pois interfere na formação do preço no dia da fixação da Ptax, o que não é recomendável, pois pode beneficiar os “vendidos” no mercado futuro, pois provoca no dia estímulo à apreciação do real frente ao dólar, insustentável nos dias subsequente até porque o fluxo cambial persiste desapontador para o Brasil, contrariando todas as expectativas intensas que predominavam, deixando evidente que os investidores estrangeiros, exceto pela atitude pontual no evento Vale, continuam retraídos e mantendo postura bastante cautelar em relação ao país, embora com olhar otimista, mas sem tomar a decisão de investir enquanto não verificar sinais concretos de viabilização das reformas imprescindíveis ao país, que têm sido sinalizada pelo novo governo.
Os bancos estão com posições “vendidas” da ordem de US$ 25,776 Bi e o fluxo deste ano até o dia 25 revela saldo negativo de US$ 911,0 Mi sendo negativo US$ 698,0 Mi no comercial e negativo US$ 213 Mi no financeiro, tendo registrado fluxo negativo de US$ 2,084 Bi na semana passada, sendo negativo comercial em US$ 339,0 Mi e negativo financeiro em US$ 1,745 Mi . Os bancos detém neste momento tão somente US$ 12,250 Bi de linhas de financiamento em moeda estrangeira com recompra, que tende a permanecer, visto que as ofertas de ontem e de hoje se destinam a rolagem de posições vincendas em 4/2 próximo.
No nosso entender ainda vai demorar muito para o esperado fluxo de investimentos estrangeiros ganhar tração, podendo até ser menor em volume do que as expectativas presentes, pois há em perspectiva uma longa discussão na forma de embate ou debate com o novo Congresso Nacional, que elege os seus Presidentes da Câmara e do Senado amanhã, em torno das propostas de reformas previdenciária e tributária que serão apresentadas e que devem ser fundamentais para atenuar a relevante crise fiscal com a qual convive o país.
Não será tarefa fácil para o governo enfrentar o forte corporativismo opositor e ainda não passam despercebidos eventos que ocorrem no país focando obstruir o avanço e a viabilização das reformas, como a intensificação de denúncias em torno da família Bolsonaro, guerrilhas no Ceará incitando o governo a uma intervenção que o deixaria sem capacidade de evoluir com as reformas, enfim forte patrulhamento ideológico sobre todos os atos do governo procurando desgastá-lo, etc...
Certamente haverá um forte acirramento e isto poderá postergar as decisões e aprovações imprescindíveis.
Na realidade temos uma visão bastante cética a respeito do prazo em que o governo poderá alcançar os seus objetivos que são imprescindíveis para o país, acreditando mesmo que poderá “consumir” o 1º trimestre, na melhor hipótese.
Tudo isto influenciará o mercado de câmbio, pois deve retardar fluxos de recursos, e isto poderá reconduzir o preço da moeda americana para o patamar de R$ 3,75 a R$ 3,77, que parece compatível com o contexto atual, pois há um prêmio de risco de deve estar contido no preço, ou, até um pouco mais, para depois de tudo resolvido e se for a contento, então ocorrer a intensificação do fluxo de recursos externos e o preço retroceder ao entorno de R$ 3,45 a R$ 3,55, no nosso ponto de vista.
É relevante destacar que o país continua com situação extremamente confortável no câmbio, detendo substantivo estoque de reservas cambiais, contas externas tranquilas e com um déficit em transações correntes de tão somente 0,77% do PIB, mas há o peso do prêmio de risco na composição do preço da moeda americana que não pode ser expurgado agora.
De outro lado continua com a inflação absolutamente controlada e juros baixos.
Está pronto, portanto, para receber investimentos produtivos ou no mercado financeiro, mas a crise fiscal é uma trava.
Sem vislumbrar em termos efetivos solução para a crise fiscal, tudo o mais fica indefinido e as expectativas passam a refletir esta realidade estagnante.
O investidor nacional atuou na Bovespa procurando se antecipar ao que estava no radar como perspectiva de ingressos expressivos do exterior, mas o retardamento das decisões efetivas pró solução da crise fiscal poderá causar algum desconforto. A recuperação dos últimos 2 dias se devem ao efeito Vale.
O mercado global também está eivado de problemas com o FED emitindo sinais de preocupação com o comportamento da economia americana, não se descartando que até possa vir a reduzir a taxa de juro americana contrariando todas as expectativas precedentes e, por ironia, dando razão do Presidente Trump nas suas desavenças com o Presidente do FED.
As bolsas americanas fortalecem esta percepção e subiram forte ontem, enquanto a Bovespa repetiu o comportamento de terça-feira alavancado pelos papéis da Vale com menor intensidade e tende a ir perdendo fôlego.
A China já não está “bombando” como antes, há preocupações e os dados nem sempre são merecedores de ampla credibilidade, mas deve evoluir nas discussões com os Estados Unidos, já que já sente reflexos do embate comercial. Muitos analistas já evidenciam preocupação de que o crescimento chinês esteja atingindo o esgotamento.
Por enquanto, consideramos insustentável o movimento de apreciação do real frente ao dólar, não há fundamentos e há incertezas que pesam como prêmio de risco.