A ideia de que os mercados costumam estar certos é intuitiva mesmo para o investidor leigo. A sabedoria das massas é resultado conhecido em vários campos da ciência. Individualmente, os investidores podem manter opiniões enviesadas ou ruidosas. Na média, porém, esses vieses e ruídos se cancelariam.
Sob determinadas premissas, a percepção popular encontra fundamentação matemática no Teorema do Limite Central. É um resultado bastante conhecido e, por isso, trabalhamos, no dia a dia, com amostras grandes de estimativas econômicas e financeiras — o relatório Focus é talvez o mais elementar exemplo.
Francis Galton, primo de Darwin e famoso polímata, realizou experimentos importantes sobre o tema. Em 1907, pediu a 787 pessoas para estimarem o peso de um boi premiado em uma feira rural. Ninguém acertou em cheio, mas a média das estimativas errou por menos de um quilo, enquanto a mediana também chegou perto. Ali estavam as bases do que viria a ser conhecido como “multidão sábia”, no que era uma surpresa para o próprio Galton, descrente na capacidade do leigo em fazer estimativas confiáveis.
Vários outros estudos foram conduzidos, com resultados semelhantes. A média de diversas projeções ou diversos julgamentos produz um resultado menos ruidoso do que julgamentos individuais.
Até aí, beleza. Todo mundo está acostumado com essa ideia — ou, ao menos, todo mundo com lições triviais de estatística. Mas tem uma coisa mais legal, que, de certo modo, deriva da anterior. Edward Vul e Harold Pashler quiseram estudar outra coisa, ligada ao que chamaram de “multidão interior”.
Se a multidão era sábia, no sentido de que várias opiniões coletadas tendem a representar, na média, a realidade de maneira mais precisa do que avaliações individuais, será que poderíamos chegar mais perto da verdade combinando duas conjecturas de uma mesma pessoa?
Se já há material suficiente em Finanças Comportamentais mostrando como nossas decisões são influenciadas por vieses e ruídos, não poderíamos melhorá-las se fôssemos uma amostra de nós mesmos, repetindo experimentos independentes antes de efetivamente decidir?
A resposta é positiva. A média de duas conjecturas de uma mesma pessoa melhora seus julgamentos. Essa melhoria não é tão intensa quanto aquela decorrente de uma segunda opinião independente, mas, ainda assim, é positiva. E, segundo os autores, se você aguardar três semanas para fazer o mesmo julgamento sobre a questão original (assumindo que consiga fazê-lo de maneira independente, ou seja, sem se influenciar pela opinião germinal), consegue resultados ainda mais eficientes.
Nas palavras de Vul e Pashler: “A pessoa ganha cerca de um décimo fazendo-se a mesma pergunta duas vezes do que ganharia se pedisse uma segunda opinião de alguém”. Se pudermos esperar três semanas entre um julgamento e outro, o benefício sobe para um terço, de acordo com os autores.
É um ganho expressivo se você pensar que há muito pouco trabalho marginal em se colher uma segunda opinião de si mesmo — e ajuda a explicar os benefícios de se esperar um pouco para tomar uma decisão (além de dar razão a meu sócio Caio sempre que ele responde “let's sleep over it”).
Stefan Herzog e Ralph Hertwig avançaram sobre o tema com uma proposta ligeiramente mais sofisticada, sugerindo uma segunda estimativa que confrontasse de frente a primeira, sendo a mais diferente possível da anterior (embora ainda plausível). Para essa segunda rodada, exigia-se que pensassem ativamente em informações que não haviam contemplado da primeira vez.
O “bootstrapping dialético”, conforme eles mesmos chamaram, alcançou maior precisão do que a simples orientação de fazer uma nova estimativa imediatamente depois da primeira. Uma versão diferente de si mesmo ou, com mais rigor metodológico, a aplicação do método científico em que se coloca uma antítese à sua própria tese melhora ainda mais destacadamente as avaliações.
Há um corolário prático para o investidor. Antes de montar suas posições, tente obter opiniões independentes de outros. A sabedoria das multidões tem alta probabilidade de melhorar seu julgamento. Agora, se não puder fazer isso, faça você mesmo um segundo julgamento, produzindo uma multidão interior. Para isso, deixe que versões diferentes de si mesmo e de seus julgamentos venham à superfície.
Dentro de nós, coexistem várias versões e o confrontamento interno de ideias pode ser muito rico. Encerramos o texto de segunda-feira com a sabedoria de Clarice Lispector: “Posso ser leve como uma brisa ou forte como uma ventania, depende de quando e como você me vê passar”.
Ou melhor, em comemoração aos cem anos da Semana de Arte Moderna, vamos terminar com Mário de Andrade:
“Eu sou trezentos, sou trezentos-e-cinquenta,
As sensações renascem de si mesmas sem repouso. (…)
Eu sou trezentos, sou trezentos-e-cinquenta,
Mas um dia afinal eu toparei comigo...
Tenhamos paciência, andorinhas curtas,
Só o esquecimento é que condensa,
E então minha alma servirá de abrigo.”