No início do mês, o anúncio da chegada do Amazon (NASDAQ:AMZN) Prime causou um pânico nos acionistas das principais empresas de varejo no Brasil, com uma queda generalizada nos principais papéis do setor tomando conta da segunda semana de negociações de setembro. As ações da Magazine Luiza (SA:SA:MGLU3), Via Varejo (SA:VVAR3) e B2W Digital (SA:SA:BTOW3) acumularam quedas violentas de -5,28%, -6,37% e -9,44%, respectivamente, na semana em que houve o anúncio do fato relevante. Após toda a mudança que ocorreu no varejo mundial devido à Amazon, que dominou o segmento nos Estados Unidos, é necessário analisar a realidade um pouco mais a fundo para saber se o movimento da gigante americana deverá justificar essa desvalorização dos papéis do setor brasileiro.
Começando por uma análise do serviço a ser oferecido pela Amazon, o Prime é nada mais que um pacote que, custando R$ 9,90 ao mês, dá acesso a quatro serviços:
· Prime Video: serviço de streaming de séries da empresa;
· Prime Music: plataforma de streaming de músicas da empresa;
· Prime Reading: serviço de leitura, voltado principalmente a Kindles;
· Twitch Prime: Pacote premium da plataforma de streaming voltada a jogos eletrônicos;
Além disso, o Amazon Prime também garante frete grátis para qualquer pedido feito pelo site da empresa. Outro fator importante que joga a favor da empresa americana é o prazo de entrega de até 2 dias úteis, que foi difundido juntamente com as notícias da entrada dela no mercado brasileiro. O prazo não é algo extraordinário para a realidade brasileira atual, porém complementa bem o pacote e a colocaria à frente de algumas de suas competidoras, no caso Via Varejo e B2W, que prometem prazos maiores para a entrega de seus produtos.
Porém, o processo de expansão da Amazon (NASDAQ:AMZN) esbarra em uma realidade completamente diferente do que é visto no Hemisfério Norte do globo, com o mercado brasileiro obedecendo a um padrão de consumo diferente, um modelo de consumo diferente e uma questão um pouco mais delicada, que abordaremos ao final do texto.
Primeiramente, se você já abriu o site da Amazon e o site de empresas como a Casas Bahia, por exemplo, é possível notar algumas diferenças significativas na gama de produtos oferecidos. Enquanto o carro chefe da operação da multinacional aqui no Brasil é o segmento mais voltado para equipamentos eletrônicos e livros, enquanto o padrão de consumo observado nos Estados Unidos já começa cada vez mais a substituir os eletrodomésticos de linha branca por eletroportáteis. Esse movimento já começa a ocorrer aqui no Brasil também, porém de maneira mais lenta. Já as empresas nacionais têm um modelo de negócios que engloba a necessidade do consumidor amplo brasileiro, com seções dedicadas à linha branca e itens de utilidade doméstica. Ainda assim, devido ao processo de reformas que foi motivado nos anos anteriores pela expansão da Amazon nos mercados internacionais, as empresas brasileiras já apresentam uma participação relevante de produtos eletrônicos, como celulares e produtos de informática, não ficando tão atrás da gigante americana nesse quesito.
Em segundo lugar, o modelo de consumo brasileiro difere substancialmente do que é observado nos países desenvolvidos. A difusão do E-Commerce no Brasil, apesar de estar em uma trajetória ascendente, ainda está bem atrás do que é observado nos Estados Unidos e Europa e, tendo em vista que as operações da Amazon são realizadas unicamente por plataformas online, podemos projetar uma difusão limitada para o consumidor brasileiro. No caso da Via Varejo, as vendas online representam 21,78% do total vendido no ano passado. Já nos dois primeiros trimestres deste ano, as vendas online representaram somente 18,94% do total vendido. É possível argumentar que as operações da Via Varejo não servem de parâmetro para comparação, devido ao processo de turnaround pelo qual a empresa vem passando, após a administração desastrosa do Grupo Pão de Açúcar (SA:PCAR4) durante os últimos anos. Para evitar isso, podemos observar os números da Magazine Luiza, discutivelmente uma das varejistas com plataformas online mais avançadas atualmente. O resultado, no entanto, não gera uma conclusão muito diferente do que vimos com os números da Via Varejo: em 2018, o segmento de e-commerce da companhia representou 35,7% das vendas totais realizadas, enquanto os primeiros 6 meses de 2019 mostraram um crescimento substancial na participação das vendas online, que representam 41,4%. Apesar do número expressivo da Magazine, é fácil observar o peso que as lojas físicas ainda representam para o segmento varejista brasileiro, o que pode se tornar um desafio para a Amazon, no curto prazo. No longo prazo, porém, julgamos que o e-commerce tende a crescer cada vez mais no país, o que pode explicar a corrida das empresas brasileiras em integrar seus canais em omnichannel
A última argumentação diz respeito ao modelo de distribuição. O Brasil, como país continental que é, demanda um modelo logístico bem organizado para integrar as diversas regiões e suas características sob um modelo único de frete. Atualmente, as empresas do varejo dividem seus Centros de Distribuição (CD) em áreas estratégicas e também estendem o alcance através de “hubs”, que são como “mini-centros de distribuição”, em regiões mais específicas. A Magazine Luiza possui 12, a B2W possui 11 e a Via Varejo possui 26 CDs espalhados por todo o Brasil. Além disso, um fator que tem uma participação muito relevante na distribuição de mercadorias são as próprias lojas físicas, com as grandes varejistas brasileiras usando elas como apoio para a retirada de produtos livre de frete e em tempo reduzido – a
Via Varejo, por exemplo, permite retirar um produto comprado online em suas lojas 3 horas após efetuado o pedido. Nesse quesito logístico, a Amazon ainda tem um longo caminho a percorrer, já que a empresa possui somente um Centro de Distribuição no país, em Cajamar (SP) e nenhuma loja física. Além do mais, o prazo de frete prometido pela empresa, de dois dias úteis, é basicamente impraticável para pedidos feitos em regiões distantes do estado de São Paulo, como Manaus ou algumas capitais nordestinas. A presença de uma grande variedade de CDs e hubs logísticos das varejistas brasileiras, aliada com o grande número de lojas físicas integradas às operações online dessas empresas garantem uma vantagem competitiva no que se refere ao prazo de entrega ou retirada de seus produtos, frente à Amazon.
Apesar da fama conquistada pela Amazon durante os últimos anos, em que ela revolucionou o comércio varejista mundial, vemos o varejo brasileiro preparado para lidar com o avanço das operações da americana. Apesar de que a atual situação econômica do país deverá elevar as vendas do setor, vemos as grandes varejistas de capital aberto posicionadas em um segmento acima do escolhido pela Amazon para operar no Brasil; quem está correndo o risco de desaparecer por completo são as livrarias, como Saraiva (SA:SLED4), Livraria Cultura e outras livrarias independentes. Quanto às grandes varejistas, pouca coisa muda em nossa avaliação e seguimos esperando uma boa valorização para os próximos meses, reflexo das taxas de juros mais baixas e do aumento do consumo pessoal.