Nas últimas semanas, tenho sido questionada frequentemente sobre a valorização da nossa moeda, o real (R$), em relação ao dólar (US$), e gostaria de compartilhar minha perspectiva para explicar esse movimento e também discutir as perspectivas diante do cenário econômico esperado.
Ao longo do primeiro semestre deste ano, observamos uma valorização significativa da moeda doméstica em relação ao dólar, alcançando uma apreciação de 9,46%. Esse movimento de valorização continuou durante o mês de julho, chegando a superar a marca de 10%. Como resultado, a taxa de câmbio atingiu o patamar de R$ 4,75 por dólar, nível próximo ao observado em maio do ano passado, época que precedia as eleições presidenciais no Brasil, ao mesmo tempo que os EUA estavam passando por um período de aumento consistente de suas taxas de juros.
A partir do gráfico acima, podemos destacar o movimento mais significativo da queda do dólar, que ocorreu a partir da segunda quinzena de março deste ano. Esse movimento foi impulsionado por uma série de fatores, que listo abaixo:
-
Sinalização de compromisso com as contas públicas pelo governo federal: Em março, iniciaram-se as tratativas do novo arcabouço fiscal, substituindo o teto de gastos implementado desde 2016. O mercado reagiu positivamente à proposta, resultando em melhores expectativas para a economia nos próximos anos.
-
Processo de desinflação em curso: Apesar da alta mensal do IPCA no primeiro trimestre do ano, os dados após abril apresentaram arrefecimento ao longo dos meses subsequentes. O índice de difusão e o núcleo de inflação melhoraram na margem. No acumulado de 12 meses encerrados em junho, o IPCA atingiu 3,16%, abaixo da meta estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional para este ano, de 3,25%. Essa melhora nas expectativas de inflação para 2023 e 2024 contribuiu para o fortalecimento da moeda nacional.
-
Avanço da Proposta sobre a Reforma Tributária no Congresso: A discussão sobre a reforma tributária, que se estendia há décadas, progrediu no tocante à tributação sobre o consumo, com aprovação na Câmara e seguindo para o Senado. Embora outros temas precisem ser abordados, como a tributação sobre a renda e a propriedade, esse avanço inicial foi percebido positivamente pelo mercado.
-
Melhora do rating do Brasil: Duas agências renomadas de classificação de risco elevaram o rating soberano do país. A S&P melhorou o rating de estável para positivo, e a Fitch concedeu um grau considerado estável. Ambas as notas indicam que o Brasil se tornou menos arriscado aos olhos dos credores, o que aumentou a atração de capital estrangeiro.
-
Apesar da melhora da divisa cambial ser majoritariamente atribuída ao cenário doméstico, não podemos ignorar a influência dos movimentos da política monetária do Federal Reserve e a condução dos juros americanos. Observamos uma redução na magnitude do aumento dos juros ao longo dos últimos meses, e nas últimas duas reuniões do FOMC, tem ficado evidente que o fim do ciclo de alta está próximo, considerando a melhora da inflação ao consumidor nos EUA. Logo, menores pressões de uma valorização do dólar frente à outras moedas.
O que esperar para a taxa de câmbio
É fundamental enfatizar que as perspectivas futuras podem ser influenciadas por uma série de eventos, tanto internos quanto externos, que têm impacto nos mercados financeiros e cambiais. Flutuações na política nacional, mudanças nas políticas monetárias e fiscais, bem como acontecimentos globais, como o comportamento da economia dos EUA e a dinâmica geopolítica, desempenham um papel significativo na trajetória da nossa moeda.
Ao analisar a economia doméstica para o segundo semestre, o cenário ganhou força diante das expectativas de cortes na taxa Selic, que deverá começar já nesta quarta-feira. Os dados mais positivos de inflação e a perda de ímpeto na atividade econômica criam espaço para um aumento na magnitude dos cortes de juros nas próximas reuniões.
Inicialmente, poderíamos esperar uma desvalorização da nossa moeda frente ao dólar, já que as expectativas de cortes de juros no Brasil contrastariam com a expectativa de manutenção das taxas nos EUA ao longo do ano. No entanto, o fortalecimento das expectativas de estabilidade das taxas de juros do Federal Reserve na reunião de setembro, aliado a um cenário político e econômico estável, reduz os riscos de uma desvalorização mais acentuada no curto prazo.
Contudo, é importante acompanhar os desdobramentos geopolíticos, que podem aumentar a volatilidade do dólar em relação a outras moedas e afetar uma possível desvalorização, bem como impactar os preços das commodities, especialmente as agrícolas, podendo levar a uma deterioração da inflação brasileira e influenciar a desvalorização cambial pela saída de capital estrangeiro.
Além disso, ressalto que as atenções seguirão voltadas para as contas públicas, que mesmo com melhorias nos comunicados do governo quanto à política fiscal, uma deterioração mais severa do que o esperado na atividade econômica e/ou medidas de incentivo à demanda podem impactar na desvalorização da nossa moeda.
Por fim, é importante reconhecer que prever o comportamento do dólar nos próximos meses não é uma tarefa fácil, especialmente em uma economia emergente com câmbio flutuante como a nossa. No entanto, apresentei os principais fatores que os investidores poderão acompanhar ao longo dos próximos meses e lembro sempre da sábia frase do economista Edmar Bacha: "O câmbio foi criado por Deus para humilhar os economistas. Nunca se sabe para onde ele vai".