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Americanas: O que fazer quando os mecanismos de controle da companhia falham?

Publicado 15.02.2023, 10:13

*Com a colaboração de Thiago Nudi, Mychely Mykelyni e Simone Henrique

Nosso intuito é provocar os acionistas, a comunidade atuante no gerenciamento da segunda e terceira linha de defesa, para articularem como poderíamos nos respaldar em situações semelhantes ao ocorrido na Americanas (BVMF:AMER3).

O caso das Americanas nos permite fomentar inúmeros pontos de atenção que acionistas e empresários devem observar e monitorar. Nosso objetivo não consiste em apontar as possíveis falhas, pois trata-se de muitas nuances e qualquer abordagem será inconsistente diante dos fatos. Objetivamos elencar itens importantes na Gestão de Riscos, Controles Internos, Processos, Governança, Compliance, e Auditorias, que apoiam no conjunto de procedimentos internos voltados à promoção da integridade. Além de incentivar seus participantes a adotarem mecanismos para detectar e prevenir desvios de conduta, fraudes, irregularidades e atos ilícitos. Mas, vale lembrar que cabe a cada indivíduo inserido na organização apoiar nas barreiras que permitirão prevenir a ocorrência de incidentes e atuar na melhoria contínua de seus processos e identificar se as barreiras estabelecidas foram suficientes. 

Entretanto, através do caso da Americanas, ficou evidente a importância do 4Ks, KYP (Conheça o seu parceiro), KYC (Conheça o seu cliente), KYE (Conheça seu funcionário), KYC(Conheça seu fornecedor), mas podemos dizer que dentro destes 4Ks podemos incluir mais um item como KYB (Conheça o seu negócio)? 

O ex-CEO Sergio Rial transmitiu uma grande lição, pois fez o seu processo de due diligence, e teve a expertise de querer conhecer mais sobre o negócio da Americanas, e ao identificar uma inconformidade em relatórios financeiros, teve a atitude de honrar a resolução CVM nº 44/21, o art.4 da resolução informa:

‘’§ 1º Os acionistas controladores, diretores, membros do conselho de administração, do conselho fiscal e de quaisquer órgãos com funções técnicas ou consultivas, criados por disposição estatutária, devem comunicar qualquer ato ou fato relevante de que tenham conhecimento ao Diretor de Relações com Investidores, ao qual cumpre promover sua divulgação.

§ 2º Caso as pessoas referidas no § 1º tenham conhecimento pessoal de ato ou fato relevante e constatem a omissão do Diretor de Relações com Investidores no cumprimento de seu dever de comunicação e divulgação, inclusive na hipótese do parágrafo único do art. 6º desta Resolução, somente se eximem de responsabilidade caso comuniquem imediatamente o ato ou fato relevante à CVM.

§ 3º Cumpre ao Diretor de Relações com Investidores fazer com que a divulgação de ato ou fato relevante na forma prevista no caput

e no § 4º preceda ou seja feita simultaneamente à veiculação da informação por qualquer meio de comunicação, inclusive informação à imprensa, ou em reuniões de entidades de classe, investidores, analistas ou com público selecionado, no país ou no exterior ‘’ (resolução CVM nº44/21).

Através do KYB (Conheça o seu negócio), se tem conhecimento na prática e teórica da empresa, o que possibilita a obtenção na tomada de decisão, "só podemos gerenciar aquilo que podemos medir".  Fundamentado através desta propriedade que ao estudar os processos de gerenciamento das atividades da empresa, há a possibilidade de identificar a inconformidade. Ressaltamos que, mesmo que o CEO tenha confiança em sua equipe, é necessário que o mesmo tenha uma base sólida de conhecimento de mercado.

Para conhecer o seu negócio, é necessário conhecer os processos, normas atreladas, políticas internas existentes para garantir que os processos estejam alinhados à regulamentação, execução das atividades com qualidade, atenção aos controles, minimizando erros, desvios e mitigação de fraudes internas. Além de identificar oportunidades de melhoria e eficiência operacional.

O caso das Americanas é um fato relevante sobre o tema do sistema de controles internos. O que vimos foi uma falha no sistema de controles internos ou uma fraude de colarinho branco? Estamos comentando sobre uma empresa com ações em bolsa de valores, inclusive nos Estados Unidos, com diretores e conselheiros de mercado com grandes nomes.  

Estamos diante de um dos maiores equívocos, já vistos na história do Brasil ou mais um caso de fraude ou corrupção? 

As áreas de Gestão de Riscos, Controles Internos, Compliance, Auditoria Interna e Governança ainda serão considerados pelos acionistas e alta gestão como área de custo na empresa?

Ao avaliar a Americanas podemos notar que a mesma tem um sistema de controles internos e governança robusto com um Presidente e Diretor Financeiro respondendo ao  Conselho de Administração. Um Conselho de Administração com mecanismos de controle e supervisão, observando atentamente a diretoria, ou seja, um conselho de administração com apoio de um Conselho Fiscal, Comitê de Auditoria, Conselheiro Independente, Comitê de Ética, uma auditoria independente de "big four" revisando as práticas contábeis, uma auditoria interna avaliando a eficiência e eficácia do sistema de controles internos, Gestão de Riscos, Compliance e Controladoria. Uma Companhia de capital aberto com um modelo de três linhas, defendido pelo The IIA. 

A grande pergunta aqui se forma: Como uma empresa com todos estes mecanismos pode ter feitos lançamentos impróprios nas práticas contábeis, sem que o BOARD percebesse as falhas? Vale mencionar que, empresas de auditoria externa como a PWC, não são detetives, que ficam investigando o balanço para identificar fraudes. Essas empresas revisam as informações com base na confiança existente nos controles e avaliam as contas existentes. 

Ocorreram falhas no mecanismo de Governança ou não tiveram gerência para tratá-las? 

São posições distintas, diagnosticar pontos de inconsistência e não ter alçada para poder tratá-las. Diante deste fomento, o que fica de lição a todos os profissionais, que possuíam seus currículos ilibados, e de um dia para o outro observam suas carreiras "degringolarem".

Qual seria o próximo passo para a proteção de todos os profissionais da área e acionistas?

Um sistema de Canal de Denúncia central, na CGU ou órgão regulador competente, auxiliaria na mitigação de práticas ilícitas, proporcionando transparência e alívio a toda sociedade?

Podemos de forma análoga comparar o panoptismo¹ do filósofo francês Michel Foucault (1926-1984) com a proposta apresentada de um processo de Canal de Denúncia. Tal recomendação poderá resultar numa forma de vigilância contínua, objetivando o viés de controle?

A ideia do Canal de Denúncia é proporcionar transparência, na certeza de que qualquer integrante da empresa poderá direcionar uma possível irregularidade, uma espécie de observação constante e efetiva vigilância, tal conceito é observado na obra Vigiar e Punir de Foucoult. 

Em sua narrativa, o Panóptico permite tal transparência, na medida em que tudo pode  ser observado de todos os ângulos, a chamada "pan-óptica", conceito de vigilância permanente.

Outro ponto que merece destaque é o fato de que o erro contábil existente apenas favoreceu a empresa, aumentando os ganhos da empresa e consequentemente seu valor, o bônus dos executivos e dividendos da empresa, ou seja, existe o interesse tanto da diretoria quanto do conselho de demonstrar bons resultados para atrair os investidores.

A temática da sustentabilidade nos negócios alcança todo o nosso corpo social. É relevante realçar que nesta tarefa o comprometimento da alta liderança ganha relevo, vez que o grande diferencial competitivo das organizações empresariais não é apenas a qualidade de seus produtos e/ou prestação de serviços mas sim a adoção de posturas éticas. A estabilidade ética de uma empresa, a sua reputação perante o grande público e sua capacidade de suprir as necessidades de seus cidadãos consumidores ocuparam os tópicos recorrentes das pautas das reuniões dos Conselhos de Administração ao redor do mundo. No caso das Americanas o cenário não é diferente. 

No que tange à responsabilidade jurídica da empresa responsável pela auditoria das Americanas, emerge a necessidade de uma investigação criteriosa e nada superficial dos órgãos oficiais competentes, quais sejam, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), o Conselho Federal de Contabilidade ( CFC) e a Superintendência de Normas Contábeis e de Auditoria ( SNC).

Hoje, presenciamos este caso com as Americanas, amanhã, poderá incorrer com a companhia na qual você dedica sua carreira ou suas ações, e aí?

¹Panoptismo, livro Vigiar e Punir, autor Michael Foucoult.

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