O caso Americanas (BVMF:AMER3) pegou o mercado financeiro brasileiro de surpresa nestes primeiros dias de janeiro de 2023, início do atual governo federal recentemente empossado. Difícil imaginar que uma das maiores empresas do varejo brasileiro, controlada majoritariamente pelo trio mais estelar de empresários brasileiros, Jorge Paulo Lemann, Beto Sicupira e Marcel Telles, pregaria uma peça dessas na comunidade investidora nacional e internacional. E que, aparentemente, ainda que não admitido por qualquer membro da Administração nem do Conselho da companhia, parece se tratar de uma das maiores fraudes contábeis já vistas em nosso país.
Bem, particularmente, estou com um gosto bastante amargo em relação a esse fato pois é a primeira vez em minha vida, em quase cinco décadas, que literalmente perco dinheiro com investimentos. Tínhamos pouco capital, conseguido com suor e honestidade, em títulos de renda fixa da Americanas. Títulos esses que já foram marcados a zero.
Diante deste susto e perda, a pergunta que sempre me faço é: como os casos de fraude nunca cessam em todos os lugares do mundo? O ser humano, com sua ganância, realmente não se cansa de percorrer descaminhos para o enriquecimento rápido e fugaz. Fiz esta indagação para um colega de profissão e ele me enviou um recente artigo do The New York Times intitulado: “The fraud that goes unnoticed”, escrito por Ephrat Livni, escrito no começo desse mês. O artigo traz um resumo de um estudo recentemente publicado no qual a conclusão mais triste é que a fraude corporativa continua sendo algo extremamente comum no mundo todo e que um terço, nada menos, dessas fraudes nem sequer são notadas.
Segundo o estudo, 40% das empresas cometem fraudes contábeis (assim como fez a Americanas nos últimos 10 anos, aparentemente). Um trecho preocupante do texto, em seu original não traduzido, é “Even people who have spent their careers digging into corporate wrongdoing have trouble estimating just how much fraud goes on in big business, and how little is detected.” Aqui, o autor destaca que mesmo pessoas que passaram a vida investigando irregularidades em empresas, tem dificuldade de detectar a proporção destas fraudes. O alerta confirma o que estamos vendo no Brasil. Aliás, o texto foi publicado no NYT praticamente nos mesmos dias em que éramos surpreendidos com o caso Americanas.
Ao me deparar com todas essas informações, vejo que a minha indignação deve durar pois é da natureza humana, infelizmente. Trazendo o cenário para o nosso mundo do M&A, onde sempre passamos pela extenuante fase da Due Diligence, a famosa auditoria conduzida pelo comprador, ressalto a importância dos vendedores prezarem sempre pela transparência, honestidade e ética nesse processo.
Durante as semanas em que um comprador contrata um grupo de assessores financeiros e legais, de compliance, de anti-corrupção e agora também especialistas em ESG, muita tensão e muito trabalho se misturam para mostrar para o comprador que a empresa à venda não possui qualquer fraude, erro, problema ou contingência, enfim, questões que impeçam que ela seja vendida. Obviamente, o comprador solicita aos seus contratados a máxima “diligência”, ou seja, o máximo cuidado, atenção, precisão e profundidade, para que se descubra tudo aquilo que possa estar sendo “escondido”.
Ao nos depararmos com o artigo do jornal NY Times, com o ‘caso Americanas’, e outros que sempre inundam as telas dos nossos computadores ou celulares, conseguimos compreender o “pavor” do comprador ao se envolver em uma transação. Se há uma estatística que aponta que 30% das fraudes não são descobertas e que 40% das empresas cometem fraudes contábeis, e daí por diante, não se pode negligenciar qualquer questão levantada pelo comprador e seus assessores.
Como assessores, sempre recomendamos aos nossos clientes, majoritariamente ‘os vendedores’, a máxima clareza, transparência, prontidão, ética e honestidade. Ou seja, a postura ideal frente à natural desconfiança que o comprador é quase obrigado a ter. Caso contrário, a fraude, erro ou a contingência, acaba resultado em prejuízos futuros, discussões judiciais, arbitragens, prejuízos financeiros e muito desgaste.
Além disto, cada vez mais recomendamos aos clientes vendedores que façam uma diligência prévia, também conhecida no mercado como sellside due diligence, em que o próprio vendedor faz um trabalho com especialistas, prévio à transação, para identificar todos os problemas, de modo que possa consertar, ou ajustar nuances do seu negócio. Assim, permite mostrar ao comprador com clareza, transparência e honestidade, o real estado da empresa alvo da diligência, antes que ele tenha que cavar para descobrir.
Outra sugestão é sempre trazer à luz as questões mais cruciais. Tenho uma experiência boa e outra ruim neste tópico. Uma, muito ruim, em que meu cliente, que era o vendedor, não foi 100% transparente em uma questão de enorme impacto tributário, então obviamente como se diz em nosso jargão, “perdemos o deal”. Lembro-me que ainda tentamos avançar com os contratos finais e meu comentário para o negociador da parte compradora foi: “este contrato parece o Vaticano tentando fazer negócio com o Comando Vermelho”, ou seja, estávamos sendo tratados como criminosos.
Em outras duas situações, posteriores a essa, consegui conduzir de maneira mais honesta, de minha parte, e mostramos a questão crucial antecipadamente ao comprador. Dizíamos, inclusive, que a diligência deveria começar por aqueles tópicos para que houvesse a possibilidade de desistência mais rápida, se fosse o caso. Resultado, “deals concluídos” porque fomos honestos, transparentes e nos antecipamos a questão “deal breaker”. Isso nos trouxe mais credibilidade e possibilidade de fechar a transação com êxito.
Portanto, apesar de notória evidência que a ganância humana nunca será saciada, continuarei sempre advogando pelo caminho contrário e recomendando aos clientes que façam o mesmo pois suas transações serão concluídas com êxito e suas consciências ficaram leves e limpas.
Fim à fraude!