A questão que escolhi para inaugurar minhas contribuições nesse espaço é, provavelmente, uma das mais importantes para o contexto de investimentos no ano de 2024. O início do próximo ciclo de cortes na taxa básica de juros dos EUA será carregado de simbolismos, além de impactar a atratividade da maioria dos ativos em todo o mundo. Será a marca de que a maior economia do planeta conseguiu superar o principal efeito colateral econômico da pandemia do coronavírus: o ressurgimento da inflação.
No caso americano, a inflação anual, medida pelo índice de despesas do consumidor - PCE (personal consumption expenses), começou a crescer em 2021, ultrapassando a meta de 2% do comitê de política monetária (FOMC) já em abril. Os preços continuaram a subir, e atingiram o pico de 6,8% em julho de 2022. O FOMC demorou para reagir, mas quando iniciou o ciclo de alta, em março de 2022, veio com tudo. O comitê subiu as taxas básicas de juros (Fed Funds) onze vezes em um ano e meio, ultrapassando a marca dos 5% ao ano em julho de 2023, ao estabelecer o intervalo de 5,25% e 5,5% ao ano. E não mexeu mais na taxa desde então, tornando famosa a expressão “alto por mais tempo”. Esta é a taxa de juros mais elevada no país desde 2001.
O forte aperto monetário nos EUA fez com que muitos economistas e analistas de mercado passassem a dar como certo que o país entraria em recessão. A questão não era se a recessão viria, mas apenas quando iria começar e com que intensidade. Mas a recessão não veio (pelo menos não ainda). Ao contrário, a atividade econômica mostrou enorme resiliência e o mercado de trabalho fechou o ano de 2023 exibindo taxas de desemprego bem baixas (3,7%). E mais, a inflação cedeu bastante. O PCE encerrou o ano passado em 2,6%, apesar do núcleo da inflação, medida que exclui alimentação e energia, por serem mais voláteis, ter fechado 2023 em 2,9%.
Diante disso, outra expressão ganhou força: “o pouso suave”. Desafiando as projeções (e apostas), no final do ano passado, as evidências indicavam que o controle da inflação seria obtido com muito pouco sacrifício, em termos de desaceleração da economia.
Durante todo o segundo semestre de 2023, as comunicações do FOMC repetiram um protocolo: reconheciam o sucesso até ali, mas lembravam que ainda havia trabalho a ser feito, e que a decisão de alterar a taxa de juros (para baixo ou para cima) seria baseada em dados (inflação, mercado de trabalho, atividade econômica, expectativas dos agentes). Entretanto, a partir de novembro, o mercado passou a ler, principalmente nas entrevistas e discursos públicos de membros do FOMC, que o fim do túnel estava próximo, e passaram a acreditar que os juros já cairiam na reunião do comitê em março.
No entanto, os dados de mercado de trabalho e atividade vieram bastante fortes em janeiro. Após a primeira reunião do ano, o FOMC deixou claras duas mensagens. Primeiramente, que o ciclo de alta havia sido encerrado. Sim, houve muito progresso na segunda metade de 2023. Em segundo lugar, que ainda faltava um pouco mais de confiança para os membros do comitê de que a inflação estava convergindo para a meta de 2% de forma sustentável. E, mais, o presidente do Fed, Jerome Powell, chegou a explicitar que iniciar os cortes em março não era o seu cenário base. Faltaria então a “última milha” (mais uma expressão consagrada neste enredo) a ser percorrida antes de celebrar a vitória com o início dos cortes e, no momento, as apostas estão concentradas de que isso vá ocorrer no meio do ano. Talvez na reunião de junho, talvez na de julho. Mas a verdade é que não sabemos ainda o quão esburacada a estrada estará nesse trecho final. O PCE, que será divulgado no último dia de fevereiro, poderá ser o farol que tanto aguardamos.