A semana passada (encerrada sexta-feira, 23/09) foi muito relevante para a política monetária global. Dentre as diversas novidades, vimos um movimento coordenado de aperto monetário de várias economias desenvolvidas, com destaque para a terceira alta de 75 pontos base nos juros por parte do Banco Central dos EUA (FED, na sigla em inglês). Se toda regra tem uma exceção, o Banco Central do Japão mantém sua taxa de política extremamente expansionista e dá sinalização de que não pretende mudar tão cedo a postura de política monetária. Já no Brasil, o Copom manteve a taxa Selic inalterada em 13,75% em mais uma indicação significativa de que essa taxa prevalecerá por um longo período.
As especificidades de cada uma das decisões já foram comentadas na sexta-feira passada. Na semana anterior, discutimos alguns aspectos teóricos da condução da política monetária. Nossa visão engloba um risco considerável de que os juros atuais estejam em patamar menos restritivo do que o sugerido pelo seu nível nominal. Esse problema é essencialmente derivado da suposição de que a taxa neutra real de juros poderia estar em ascensão ante a alteração do cenário macroeconômico global.
Via de regra, expansionismo fiscal, perda de credibilidade da âncora monetária, aumento de barreiras comerciais e financeiras, redução de cadeias produtivas globais, entre outros, tendem justamente a provocar uma elevação dessa taxa neutra real de juros (vide UK). Essa taxa muda de forma lenta no tempo, mas esses desenvolvimentos macroeconômicos têm impacto inequívoco sobre sua trajetória.
No Brasil, temos de adicionar um cenário de risco fiscal advindo da eleição. A julgar pelo noticiário, é ponto pacífico que teremos novos gastos além do teto no ano que vem. A magnitude está em aberta discussão. Também parece haver redução no ritmo de reformas macroeconômicas relevantes para a economia brasileira. Na medida em que mais gastos contribuem justamente para um desequilíbrio fiscal para além de nossa elevada dívida/pib e a redução do ritmo de reformas implica também uma deterioração na margem das expectativas futuras, temos um forte argumento para supor que o juro neutro real no Brasil está em ascensão.
Chegamos ao ponto fundamental desta discussão. O juro neutro serve para dar parametrização a quão expansiva ou contracionista está a política monetária. Ele deveria ser igual ao juro neutro real somado à meta de inflação (em um modelo com o Banco Central crível). Ou seja, considerando uma taxa real de cerca de 4% no Brasil e meta de inflação de 3%, isso equivaleria a cerca de 7% de taxa neutra nominal. Na medida em que a Selic está em 13,75% e nossa expectativa de inflação para um ano a frente é de cerca de 5%, estamos falando de uma taxa real de 8,75%. Estamos evidentemente em patamar contracionista.
O questionamento que fica parte de dois lados: em primeiro, o que ocorre se essa taxa de juro real estiver em ascensão por conta dos motivos supracitados? Em segundo, o que ocorre se a expectativa de inflação voltar a subir?
A afirmativa para ambos os questionários indica que a Selic estaria menos restritiva do que o suposto. Com isso, teremos uma inflação que converge mais lentamente, provocando desancoragem das expectativas e obrigando a manutenção de juros elevados. Portanto, pagaríamos por esse processo com menor crescimento do PIB.