Nos posts anteriores tratamos sobre como se deu a disparada da dívida pública e como é possível desarmar essa bomba. Neste contexto o ajuste fiscal é fundamental para conter a sangria e colocar as contas públicas novamente nos trilhos.
O orçamento público é o instrumento de planejamento e execução das finanças públicas onde são explicitadas as receitas e despesas governamentais. É por meio do orçamento público que se evidencia o mapa do conflito distributivo. No Brasil o governo tem agido de forma sistemática no sentido de ampliar as desigualdades. É um festival de privilégios e subsídios somados a um sistema tributário altamente regressivo que transfere renda dos mais pobres para os mais ricos de forma contínua e brutal. No país das desigualdades as elites são financiadas pelo governo enquanto uma imensa massa de miseráveis luta pela sobrevivência.
O descontrole das finanças públicas é revelado pelo déficit primário previsto para R$ 159 bilhões em 2018. O mais recente projeto de lei de diretrizes orçamentárias estima déficits de R$ 139 bilhões em 2019, R$ 110 bilhões em 2020 e R$ 70 bilhões em 2021. O governo argumenta que já cortou tudo que poderia cortar e que o problema agora deve estar focado em elevar a arrecadação. Um abuso! O país impõe a maior carga tributária entre os países emergentes e uma das mais elevadas do mundo. A sociedade não aceita mais elevação de impostos. Apesar da urgente necessidade de uma reforma tributária, esta deve estar pautada na simplificação do sistema e na correção de sua regressividade, não no aumento de impostos.
É necessário e possível reduzir as despesas sim! Mas por onde começar? O que cortar? Como executar o ajuste fiscal? Spoiler alert: É possível fazer um ajuste fiscal na ordem de R$ 240 bilhões sem grandes sacrifícios, só atacando as distorções que fazem do estado o grande promotor das desigualdades. Vamos lá!
Privilégios
O governo brasileiro é uma máquina de gerar desigualdades. Segundo o Ministério do Planejamento, 67% dos servidores públicos federais estão entre os 10% mais ricos da população. Os servidores públicos formam a elite do Brasil.
Embora a quantidade de funcionários públicos por habitante não seja muito elevada para os padrões internacionais, a massa salarial dos servidores públicos está entre as recordistas mundiais e representa cerca de 13% do PIB, segundo Banco Mundial. Países desenvolvidos, tais como a Austrália e os EUA, possuem massas salariais consideravelmente menores (em torno de 9% do PIB), ao passo que o Chile gasta apenas 6,4% do PIB.
Um quarto dos deputados federais faz parte do grupo ligado aos servidores públicos e hoje representa a maior força de pressão no Congresso Nacional. Espalhados entre diversos partidos, no dia à dia trabalham sem grandes alardes para estimular a agenda do funcionalismo e impedir medidas de ajuste fiscal. Discursam como se defendessem os interesses difusos da população, mas é o lobby mais poderoso que tem no Brasil, sem nenhum pudor de defender privilégios.
O resultado não podia ser outro. Os servidores públicos federais ganham no Brasil 67% a mais do que um empregado no setor privado em função semelhante, com a mesma formação e experiência profissional. O chamado “prêmio salarial” do funcionalismo brasileiro é disparado o mais alto numa amostra de 53 países pesquisados pelo Banco Mundial. Se este prêmio fosse reduzido para 16% enquadrando aos padrões internacionais o corte de gastos alcançaria R$ 80 bilhões anuais.
Para reduzir este prêmio é necessário fazer um amplo estudo de cargos e salários do poder público para corrigir as distorções. A partir do diagnóstico a reposição salarial pela inflação seria aplicada apenas para os servidores públicos que recebem abaixo do nível adequado. Os que recebem acima ficariam sem a correção até se enquadrarem na remuneração considerada correta. É necessário também atacar uma série de benefícios e penduricalhos presentes na remuneração dos servidores. Atualmente o teto constitucional não passa de ficção. Minha sugestão é proibir constitucionalmente benefícios como auxílio moradia, incorporá-los aos salários dos servidores e deixar a inflação resolver a questão com o tempo.
Nada contra servidores públicos. Muitos são produtivos, honestos e comprometidos com o trabalho. Mas convenhamos. Estabilidade, férias de dois meses, férias prêmio, aumento de salário pelo simples passar do tempo, tudo isso tem que acabar!
Estrutura burocrática
Apesar da redução de ministérios em si não representar diretamente um significativo corte de gastos no orçamento, é possível que a economia potencial esteja sendo subestimada. E os ganhos de sinergia? Com tantos ministérios é possível que haja projetos semelhantes sendo tocados em diferentes pastas, funções análogas em duplicidade, diversas perdas por deficiência de gestão.
Para não ficar no achismo vamos a um exemplo. Acessando Orçamento Cidadão de 2018 é possível identificar que a estrutura burocrática denominada "Administração Geral" ocupa espaço relevante em várias pastas. A imagem abaixo ilustra alguns exemplos.
Avaliando o quadro completo no Painel do Orçamento a subfunção "Administração Geral" totaliza R$ 160 bilhões anuais. Certamente é possível reduzir esta monta e obter ganhos de eficiência e gestão. Se estimarmos uma redução de 20%, o corte de gastos neste item atingiria 32 bilhões anuais.
Cargos comissionados
Segundo a Agência Contas Abertas o governo federal mantém cerca de 100 mil funcionários em cargos de confiança. São apadrinhados pendurados em cabides de emprego que entre outras funções servem de máquina arrecadatória para os partidos políticos que recebem contribuições de afiliados baseado num percentual de seus salários.
Esta situação está completamente fora de qualquer padrão internacional. Nos EUA, que tem uma população de 300 milhões de habitantes, há 7.000 cargos comissionados. No Chile são 800 cargos comissionados para 17 milhões de habitantes. Na Holanda, cuja população é de 16 milhões de habitantes, há 700 cargos em comissão. Na Inglaterra 500 pessoas ocupam cargos comissionados para uma população de 50 milhões de habitantes. Na França e Alemanha, que têm 65 milhões e 81 milhões de habitantes respectivamente, há apenas 300 cargos em comissão ocupados por particulares sem concurso público. A imagem abaixo ilustra a quantidade de cargos comissionados desses países por cada 1 milhão de habitantes.
Se reduzíssemos de 100 mil para 10 mil cargos comissionados ainda seríamos um dos recordistas mundiais. Mas é provável que seria necessário contratar pessoas por meio de concursos. Não é possível que estejam todos sem qualquer função no governo! Vamos estimar que seja possível reduzir pela metade esses cargos. Os 100 mil cargos comissionados passariam para 50 mil, de preferência concursados.
Os cargos comissionados representam aproximadamente 12% do total de funcionários do governo federal. Aplicando este percentual ao total de gastos com pessoal (R$ 300 bilhões), a estimativa é que os cargos comissionados consomem cerca de R$ 36 bilhões anuais. Portanto se reduzirmos esse quadro pela metade, a economia seria em torno de R$ 18 bilhões anuais.
Universidades públicas
Mais uma forma de perpetuar as desigualdades no país, 65% dos estudantes das instituições de ensino superior federais estão na faixa dos 40% mais ricos da população. Sim, os pobres pagam para os ricos fazerem suas faculdades.
O Brasil tem aproximadamente 2 milhões de estudantes nas universidades e institutos federais e 8 milhões nas faculdades privadas. O custo médio de um aluno numa faculdade privada é de R$ 14k por ano. Nas universidades federais, esse custo salta para R$ 41k e nos institutos federais o valor chega a R$ 74k ao ano. Por outro lado, em termos de formação e conhecimento, os resultados dos alunos do ensino superior público não é muito diferente das faculdades privadas.
Os gastos com ensino superior público são ineficientes e regressivos! Cobrar mensalidade de quem pode pagar é justo! No orçamento federal, aproximadamente R$ 30 bilhões anuais são dedicados a esta pasta. A proposta é que os alunos com maior poder aquisitivo paguem pelos seus estudos gerando uma economia de R$ 15 bilhões por ano aos cofres públicos.
Previdência
A previdência pública é uma verdadeira usina de concentração de renda!
Segundo estudo do IPEA, a idade mínima é uma realidade para os mais pobres. Cerca de metade dos aposentados recebem um salário mínimo e aposentaram por idade (65 anos para os homens e 60 anos para as mulheres). As pessoas mais pobres geralmente não conseguem cumprir os requisitos mínimos para a aposentadoria por tempo de contribuição, já que costumam trabalhar mais tempo na informalidade. Por outro lado a classe média e os ricos tendem a aposentar-se mais cedo, em torno dos 55 anos. A média dos benefícios deste grupo é de dois salários mínimos.
As grandes injustiças estão no desbalanceamento do sistema previdenciário em favor dos servidores públicos. Enquanto a média de aposentadoria do setor privado é de R$ 1.240, no setor público essa média alcança R$ 7.500. Os aposentados do setor público representam pouco menos de 5% dos beneficiários e respondem por nada menos que metade do déficit da previdência. A imagem abaixo ilustra as distorções.
Por tudo isso, a reforma da previdência é uma questão de justiça social! É necessário estabelecer idade mínima de aposentadoria e submeter todos os servidores públicos ao teto do INSS. A estimativa é que seriam economizados anualmente R$ 60 bilhões de gastos com a previdência.
Mas eu iria além! Aqueles que já estão aposentados devem ser submetidos ao teto constitucional. Não há direitos garantidos para privilégios. A constituição garante direito adquirido apenas para o que é constitucional. Aposentados que acumulam benefícios acima do teto de R$ 33,7k devem ter seus benefícios cortados para o teto constitucional. Se os supersalários dos servidores ativos e aposentados fossem limitados ao teto constitucional, seriam economizados R$ 20 bilhões anuais. Mas essa questão ensejaria disputas judiciais, portanto fica a sugestão, mas por hora ela não será computada no total de ajuste fiscal possível de ser feito no momento atual.
Subsídios
A União Federal publicou relatório onde informa que abriu mão de arrecadar em 2017 cerca de R$ 270 bilhões na forma de renúncias fiscais. Em 2018 a previsão é que este montante chegue a R$ 285 bilhões e em 2019 300 bilhões. Por outro lado, 44% desses benefícios tributários se referem a políticas públicas para as quais sequer existe a definição de um órgão gestor responsável pela avaliação dos resultados pretendidos. O Governo Federal deixa de arrecadar, portanto, mais de R$ 125 bilhões sob o pretexto de alavancar políticas para as quais não há qualquer apuração sobre suas repercussões.
Alguns desses chamados gastos fiscais até fazem sentido, como é o caso do Simples Nacional que visa simplificar e reduzir os custos tributários das microempresas. Porém é preciso por uma lupa em cada um desses gastos reavaliar um por um. Por exemplo, o fim da isenção tributária das instituições religiosas geraria cerca de R$ 5 bilhões anuais aos cofres públicos. Entidades filantrópicas deixam de pagar R$ 12,4 bilhões por ano de contribuições previdenciárias. Bom, entidade filantrópica ser isenta de imposto de renda é compreensível, mas não faz o menor sentido elas deixarem de recolher as contribuições para a previdência de seus funcionários.
Os subsídios não param por aí. Apelidado de bolsa empresário, em 2017 R$ 84,3 bilhões foram concedidos por meio de benefícios financeiros e creditícios, que são aqueles em que o governo desembolsa uma parte dos juros para ajudar o tomador do crédito (como ocorreu no Programa de Sustentação do Investimento, o PSI), ou em que acaba permitindo financiamentos a juros menores do que o governo próprio paga para emitir dívida no mercado.
Bolsa empresário e renúncias fiscais somaram em 2017 R$ 354,7 bilhões, ou 5,4% do PIB. É imperativo reduzir esta conta que equivale a praticamente o triplo dos déficits fiscais projetados para os próximos anos. Estimando uma redução tímida, de apenas 10%, seria possível obter um resultado positivo de R$ 35 bilhões anuais.
Resultado do Ajuste Fiscal
Privilégios: R$ 80 bilhões
Estrutura burocrática: R$ 32 bilhões
Cargos comissionados: R$ 18 bilhões
Universidades públicas: R$ 15 bilhões
Previdência: R$ 60 bilhões
Subsídios: R$ 35 bilhões
TOTAL : R$ 240 bilhões
Esta economia não requer grandes sacrifícios e ataca exatamente o ponto em que o estado age como Robin Hood bêbado, tomando dos pobres para dar para os ricos. Não há desculpas para não colocar essas sugestões em prática, mas aposto que os políticos tem um discurso lindo para convencer você a continuar pagando a conta!
No próximo post o tema continua focado no orçamento público. Desta fez vamos falar sobre o real peso dos gastos com juros e rolagem da dívida para as contas públicas.
Até lá!