Uma das conquistas exibidas pelo atual governo tem sido a queda substancial e firme da inflação que começou a ser observada a partir de 2016, especialmente desde meados desse ano, quando a taxa passou a ficar abaixo do teto meta. Atualmente, acha-se abaixo do centro. Teria o agronegócio algo a ver com esse resultado?
A abordagem macroeconômica aponta para a taxa de juros como instrumento de controle da inflação através dos seus efeitos sobre o nível de atividade (PIB e emprego). Entretanto, dois fatores relevantes não estão ao alcance dos juros, especialmente no caso da política monetária no Brasil. São, de um lado, os choques de oferta e, de outro, a indexação forte que ainda vigora no País.
Num retrospecto rápido, lembra-se de que, para estimular a economia no pós-crise financeira, inclusive em 2010 quando ela já havia se refeito do impacto recessivo, passou-se a implementar um conjunto de medidas que ficou conhecido como “nova matriz econômica”. Uma delas foi a busca de uma redução artificial dos juros incompatível com as elevadas taxas observadas e esperadas de inflação. Uma segunda foi um esforço para evitar a valorização do câmbio a despeito do grande influxo de divisas vindas do mercado externo altamente líquido. Uma terceira foi a manutenção de uma política fiscal frouxa mediante uso de práticas questionáveis técnica e legalmente. Outra ainda foi aumentar excessivamente a oferta de crédito para consumo e investimento levando o público a um estado de sobre-endividamento. Ademais, como expediente para controle tópico da inflação, recorreu-se também à vigorosa intervenção nos preços da energia, afetando os chamados preços monitorados pelo governo. Mesmo diante dessa bateria de intervenções, a economia mantinha baixo crescimento, condizente, aliás, com seu baixo potencial de produtividade.
Quando ficou claro que a estratégia fracassara e a inflação recrudescia, fez-se necessário um processo de forte elevação dos juros a partir de 2013 que prosseguiu até 2016. A busca do realismo tarifário e saneamento fiscal em 2015 resultou num salto duplo perverso: recessão com aceleração da inflação. Tudo isso ocorria num quadro de crise política de enorme gravidade e sem perspectiva de superação no curto prazo.
A partir do segundo trimestre de 2014 a economia já mergulhava em recessão que ainda se prolonga no início de 2017. A queda do PIB acumulada entre 2015 e 2016 foi de 7,2%. Um ano depois (no início de 2015) foi a vez de o desemprego crescer num processo que já dura dois anos, vindo a atingir níveis recordes atualmente – acima de 13%. Esses dois dados bastam para, mais uma vez, evidenciar a resistência da inflação no Brasil, ou, dito de outra forma, os custos econômicos e sociais do seu combate.
As causas dos altos custos do controle da inflação – em termos de renda e emprego – no Brasil estão relacionadas ao significativo grau de indexação da economia que enfraquece o efeito dos juros e potencializa os efeitos dos cada vez mais frequentes choques de oferta oriundos do comportamento do clima sobre agropecuária. Choques de commodities (agropecuárias e minerais) no mercado internacional e do câmbio no mercado interno também agravam a inflação pelo lado da oferta, passando pelo processo de indexação.
A indexação, que foi severamente atingida com o Plano Real, acabou se refortalecendo em razão de duas mudanças no mercado de trabalho. Uma foi a política de valorização real do salário mínimo desde meados dos anos 1990. Como há uma concentração de trabalhadores que recebem seus rendimentos próximos ou relacionados ao salário mínimo, o custo do fator trabalho tende a impactar a inflação com vigor – a menos que a produtividade do trabalho estivesse crescendo significativamente, o que não foi o caso. Outro fator relevante foi o aumento na formalização no mercado de trabalho que houve durante os anos 2000, o que aumentou o contingente de trabalhadores com ganhos reais de salários. Além disso, num plano geral, a cultura da indexação permanece no Brasil, com os agentes econômicos tentando repor o valor real de seus bens e serviços a menos que as condições de mercado sejam extremamente restritivas.
Quanto aos choques de oferta agropecuários, eles são bastante frequentes – no mínimo, uma vez por ano, os preços aos consumidores sofrem impacto significativo de aumentos nos preços dos alimentos. Esses aumentos são temporários mas podem ter efeitos duradouros em razão da indexação. Até 2014, esses efeitos foram compensados pelo controle de preços ligados à energia pelo governo, e a inflação permaneceu nos limites do teto da meta. Em 2015, a correção desses preços fez com que o teto da meta fosse furado e taxas de dois dígitos fossem alcançadas. A partir de meados de 2016, em resposta à forte e prolongada recessão, as taxas de crescimento, tanto dos preços de bens livres como dos monitorados ao consumidor, baixaram de patamar e, no caso dos alimentos, várias reduções nominais foram observadas de setembro de 2016 a maio de 2017.
O ano de 2016 foi muito interessante, pois foi caracterizado por expressiva alta dos preços agropecuários e impacto para o consumidor bastante atenuado. O Cepea calculou que o deflator do PIB do agronegócio, que mensura a média dos preços em seus vários segmentos de produção (insumos, produtor agropecuário, agroindústria e serviços) subiu quase 21% na comparação com 2015. Já os preços dos alimentos ao consumidor limitaram-se a 8,6% no IPCA. Volatilidade de preço menor ao varejo do que ao produtor é um resultado teoricamente esperado, pois o preço ao consumidor (do pão, por exemplo) inclui, além dos preços voláteis da matéria-prima (trigo, por exemplo), custos de trabalho, aluguel, juros, energia, capital e outros insumos. Estes custos têm a característica de serem muito mais estáveis do que o preço da matéria-prima e não serem por ele influenciados. Entretanto, a evolução de preços de alimentos em 2016 deve ter contado também com a trava da recessão, com o desemprego e a queda de renda real, reduzindo o crescimento das vendas ao varejo.
A Abras (Associação Brasileira de Supermercados) mostrou que as vendas reais dos supermercados tiveram taxa média de crescimento anual no biênio 2015-2016 de apenas -0,16%. De 2007 a 2014, a taxa média anual tinha sido de 5,1%. Conclui-se que a alta de preços ao produtor não foi repassada ao consumidor, de um lado, porque os custos de comercialização são mais estáveis do que os da matéria-prima e, por outro, porque o aumento no desemprego e a queda na renda não deram espaço para ajustes reais nos preços ao consumidor.
Para 2017, a expectativa é de aumento de produção agropecuária graças à evolução normal da produtividade do setor e ao comportamento favorável do clima esperado para o ano. Um mercado bem abastecido numa economia ainda andando a passos muito lentos permite antecipar bom comportamento dos preços dos alimentos ao consumidor, podendo ocorrer até alguma deflação (quedas nominais de preço) ao longo do ano. Dessa forma, a expectativa de queda da inflação ao longo do ano fica fortalecida, assim como a de continuidade de queda dos juros. E o PIB irá passar por uma retomada? Provavelmente sim, mesmo porque há sinais de que o “fundo do poço” está sendo ultrapassado. Será uma recuperação duradoura e forte? Difícil prever neste momento devido às incertezas de toda ordem que pairam sobre o País.
Por Geraldo Barros (Cepea)